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2 de Maio de 2024

Queixa de candidatos à UFPR mostra fragilidades do sistema de cotas raciais

No processo do vestibular desse ano, estudantes autodeclarados negros ou pardos reprovados na banca presencial conseguiram uma vaga após entrar com recurso.

Publicado por Marcelo Rocha
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Denise Drechsel - Reportagem do Jornal "Gazeta do Povo" - 02/03/2017

A vitória de estudantes que tiveram sua autodeclaração como negros ou pardos recusada pela banca do processo vestibular Universidade Federal do Paraná (UFPR), mas depois conseguiram uma vaga na universidade após interpor recurso no Núcleo de Concursos, suscitou estranheza e revolta entre os alunos reprovados. Se pessoalmente não pareciam ser afrodescendentes, por que depois a UFPR voltou atrás?

Da parte da UFPR, foram cumpridos todos os procedimentos sugeridos pelas últimas decisões judiciais sobre o tema para evitar fraudes: realizou-se uma banca da qual participaram representantes de movimentos afrodescendentes, estudiosos de raças e pesquisadores da instituição, com a possibilidade de o candidato contestar o resultado. Todos os estudantes reprovados que entraram com recurso tiveram as suas imagens, filmadas durante a primeira banca, reavaliadas por um segundo grupo de especialistas. Em alguns casos, esta segunda banca decidiu definitivamente que alguns dos alunos recusados na primeira banca tinham direito a uma vaga por cota racial de acordo com a lei.

O imbróglio está no fato de que, mesmo tentando adotar critérios mais objetivos como a junção do fenótipo do candidato – a aparência e não a ascendência – e o mútuo reconhecimento – o aluno se autodeclara afrodescendente e com direito à vaga por ter sofrido algum tipo de perda por discriminação e a banca reconhece isso –, há muito de subjetividade na decisão final.

As bancas presenciais para checar se os candidatos são negros ou pardos já são um avanço, tendo em conta inúmeros casos de fraudes registradas em todo Brasil. Isso porque como a Lei das Cotas de 2012 menciona apenas a autodeclaração do estudante, a maior parte das instituições federais não fazia nenhum tipo de checagem sobre a veracidade de uma declaração de raça, procedimento que tem mudado nos últimos anos.

Mesmo assim, casos como o dos gêmeos idênticos que tiveram resultados diferentes na banca racial da Universidade de Brasília em 2007 – um foi considerado pardo e o outro não pelos avaliadores –, mostram o quanto são frágeis os critérios adotados, porque não conseguem fugir da subjetividade. “Fiquei triste, tinha um rapaz com pele mais clara que eu que passou e eu não”, afirma Tiago Andrade, que passou no vestibular pelas cotas, mas foi reprovado na banca. Outra candidata a se sentir injustiçada foi Suelen Queiroz. Ela estava na lista da primeira chamada nominal para Medicina e viu uma moça que ela considera ser de pele clara ser reprovada na banca e depois admitida por meio de recurso. “Todos fomos chamados e ficamos esperando a avaliação dessa moça, que demorou muito e deu falação nos corredores. A própria representante do movimento negro falou que não aprovaria, pelo fenótipo, e ela acabou por ser reprovada. Mas, depois, com o recurso, ela passou. Ao invés de ser justo, foi injusto e não ajudou a quem precisa”, acredita.

O professor Paulo Vinicius Baptista da Silva, presidente da comissão de validação da autodeclaração de raça/cor da UFPR, reconhece a dificuldade do mútuo reconhecimento, mas lembra que o procedimento adotado na universidade, além de seguir o conteúdo do voto do ministro Ricardo Lewandowski que levou à confirmação da constitucionalidade das cotas no Supremo Tribunal Federal, observa também as orientações de vários juristas feitas durante uma audiência pública realizada no Ministério Público Federal em 2016. “A segurança do mútuo conhecimento vem pelo fato da banca ser composta por estudiosos da área, representantes do movimento negro e da área de direitos humanos. Estamos tranquilos porque buscamos cumprir os critérios da forma mais objetiva possível, conforme as informações de cada um dos processos”, afirma.

Estamos no caminho correto?

A dificuldade de avaliar de forma objetiva o fenótipo ao conceder ou não a vaga reforça a tese de quem considera injusta a adoção dessa ação afirmativa. Ao invés de fazer uma reparação histórica e eliminar o racismo, a medida estaria produzindo o efeito contrário, criando um questionável “conceito legal de raça” e aumentando o conflito – como escreveram mais de 100 intelectuais em um manifesto ao congresso em 2006, incluindo professores de sociologia e filosofia das principais universidades brasileiras. “A invenção de raças oficiais tem tudo para semear esse perigoso tipo de racismo, como demonstram exemplos históricos e contemporâneos. E ainda bloquear o caminho para a resolução real dos problemas de desigualdades”, contém o documento.


Por outro lado, quem defende as cotas raciais advoga que os riscos valem os benefícios alcançados. “A questão subjetiva e as tentativas de fraudes sempre vão existir. Mas é preciso fazer algo: pesquisas mostram que a ascensão do pobre branco é maior que a do negro, que sofre discriminação ao longo da vida. E isso ocorre também com estudantes de escolas particulares. É uma questão de autoestima, ele não tem a mesma autoestima de um branco porque a sociedade ainda discrimina muito”, diz Angela Randolpho Paiva, doutora em Sociologia e professora do departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), organizadora do livro “Entre dados e fatos: ação afirmativa nas universidades públicas brasileiras”. Para ela, as cotas não reforçam a separação, mas aumentam a equidade.

Há também o perigo de que quem é beneficiado por cotas acabe sendo estigmatizado na vida profissional. Mas os defensores das cotas também acreditam que esse é um perigo a ser enfrentado com conscientização. “A maioria dos brasileiros não tem a sensibilidade de perceber que determinado extrato da sociedade não parte da competição pelos bens sociais do mesmo lugar. Além disso, há alguns que não percebem como funciona o sistema de cotas e o utilizam como um ataque contra esses setores desprestigiados da sociedade”, diz Marcus Vinícius Pessanha, advogado constitucionalista. “Por isso, as políticas de discriminação positiva têm de ser implementadas com uma sensibilidade especial, é preciso estudar como vai ser a repercussão na sociedade para não criar mal-estar”.

  • Denise Drechsel- Jornal "Gazeta do Povo" - Curitiba - Pt
  • [02/03/2017]
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