jusbrasil.com.br
7 de Maio de 2024

STJ garante a casal homossexual a adoção da filha de uma delas pela outra

há 11 anos
4
0
1
Salvar

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que garantiu, dentro de uma união estável homoafetiva, a adoção unilateral de filha concebida por inseminação artificial, para que ambas as companheiras passem a compartilhar a condição de mãe da adotanda. O colegiado, na totalidade de seus votos, negou o recurso do Ministério Público de São Paulo, que pretendia reformar esse entendimento.

Na primeira instância, a mulher que pretendia adotar a filha gerada pela companheira obteve sentença favorável. O Ministério Público recorreu, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença por considerar que, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal, a adoção é vantajosa para a criança e permite o exercício digno dos direitos e deveres decorrentes da instituição familiar.

Não importa se a relação é pouco comum, nem por isso é menos estruturada que a integrada por pessoas de sexos distintos, afirmou o TJSP, observando que a prova oral e documental produzida durante a instrução revela que, realmente, a relação familiar se enriqueceu e seus componentes vivem felizes, em harmonia.

Em recurso ao STJ, o MP sustentou que seria juridicamente impossível a adoção de criança ou adolescente por duas pessoas do mesmo sexo. Afirmou que o instituto da adoção guarda perfeita simetria com a filiação natural, pressupondo que o adotando, tanto quanto o filho biológico, seja fruto da união de um homem e uma mulher.

A companheira adotante afirmou a anuência da mãe biológica com o pedido de adoção, alegando a estabilidade da relação homoafetiva que mantém com ela e a existência de ganhos para a adotanda.

Impasses legais

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, disse ser importante levar em conta que, conforme consta do processo, a inseminação artificial (por doador desconhecido) foi fruto de planejamento das duas companheiras, que já viviam em união estável.

A ministra ressaltou que a situação em julgamento começa a fazer parte do cotidiano das relações homoafetivas e merece, dessa forma, uma apreciação criteriosa.

Se não equalizada convenientemente, pode gerar em caso de óbito do genitor biológico impasses legais, notadamente no que toca à guarda dos menores, ou ainda discussões de cunho patrimonial, com graves consequências para a prole, afirmou a ministra.

Segundo a relatora, não surpreende nem pode ser tomada como entrave técnico ao pedido de adoção a circunstância de a união estável envolver uma relação homoafetiva, porque esta, como já consolidado na jurisprudência brasileira, não se distingue, em termos legais, da união estável heteroafetiva.

Para ela, o argumento do MP de São Paulo de que o pedido de adoção seria juridicamente impossível, por envolver relação homossexual impediria não só a adoção unilateral, como no caso em julgamento, mas qualquer adoção conjunta por pares homossexuais.

Equiparados

No entanto, afirmou a relatora, em maio de 2011 o Supremo Tribunal Federal consolidou a tendência jurisprudencial no sentido de dar à união homossexual os mesmos efeitos jurídicos da união estável entre pessoas de sexo diferente.

A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas trouxe como corolário a extensão automática, àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, observou a ministra.

De acordo com Nancy Andrighi, o ordenamento jurídico brasileiro não condiciona o pleno exercício da cidadania a determinada orientação sexual das pessoas: Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e a todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza.

Vantagens para o menor

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, a existência ou não de vantagens para o adotando, em um processo de adoção, é o elemento subjetivo de maior importância na definição da viabilidade do pedido. Segundo ela, o adotando é o objeto primário da proteção legal, e toda a discussão do caso deve levar em conta a primazia do melhor interesse do menor sobre qualquer outra condição ou direito das partes envolvidas.

De acordo com a relatora, o recurso do MP se apoia fundamentalmente na opção sexual da adotante para apontar os inconvenientes da adoção. Porém, afirmou a ministra, a homossexualidade diz respeito, tão só, à opção sexual. A parentalidade, de outro turno, com aquela não se confunde, pois trata das relações entre pais/mães e filhos.

A ministra considera que merece acolhida a vontade das companheiras, mesmo porque é fato que o nascimento da criança ocorreu por meio de acordo mútuo entre a mãe biológica e a adotante, e tal como ocorre em geral nas reproduções naturais ou assistidas, onde os partícipes desejam a reprodução e se comprometem com o fruto concebido e nascido, também nesse caso deve persistir o comprometimento do casal com a nova pessoa.

Evidencia-se uma intolerável incongruência com esse viés de pensamento negar o expresso desejo dos atores responsáveis pela concepção em se responsabilizar legalmente pela prole, fruto do duplo desejo de formar uma família, disse a relatora.

Duas mães

A ministra Nancy Andrighi também questionou o argumento do MP de São Paulo a respeito do constrangimento que seria enfrentado pela adotanda em razão de apresentar, em seus documentos, a inusitada condição de filha de duas mulheres.

Na opinião da relatora, certos elementos da situação podem mesmo gerar desconforto para a adotanda, que passará a registrar duas mães, sendo essa distinção reproduzida perenemente, toda vez que for gerar documentação nova. Porém, essa diferença persistiria mesmo se não houvesse a adoção, pois haveria maternidade singular no registro de nascimento, que igualmente poderia dar ensejo a tratamento diferenciado.

Essa circunstância não se mostra suficiente para obstar o pedido de adoção, por ser perfeitamente suplantada, em muito, pelos benefícios outorgados pela adoção, concluiu. Ela lembrou que ainda hoje há casos de discriminação contra filhos de mães solteiras, e que até recentemente os filhos de pais separados enfrentavam problema semelhante.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Esta página foi acessada: 106 vezes

  • Publicações19150
  • Seguidores13365
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações1178
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-garante-a-casal-homossexual-a-adocao-da-filha-de-uma-delas-pela-outra/100341296
Fale agora com um advogado online