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2 de Maio de 2024

STJ julga a constitucionalidade da sucessão em casos de união estável

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Na última quarta-feira (17), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a discutir a forma de sucessão ou herança em casos de união estável. Atualmente, o companheiro herda menos do que o cônjuge, legalmente casado. O Ministério Público (MP) arguiu a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil de 2002, que trata das regras de direito sucessório aplicáveis à união estável.

Em análise de recurso especial apresentado pelo MP, a Quarta Turma resolveu remeter a questão à Corte Especial porque só o órgão julgador máximo do STJ pode declarar a inconstitucionalidade de um dispositivo legal. Assim, a eventual declaração de inconstitucionalidade afasta a aplicação do dispositivo questionado no processo em julgamento, com efeito apenas para as partes. A inconstitucionalidade do artigo 1.790 vem sendo apontada com frequência por alguns doutrinadores e magistrados. No STJ, esse entendimento já foi sustentado anteriormente pelo ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso em discussão no momento.

Para a jurista Giselda Hironaka, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o histórico do artigo 1.790 já induz ao entendimento de que ele carrega consigo inúmeros problemas, eis que só foi inserido no texto do Projeto de Código Civil através da Emenda nº 358, apresentada pelo senador Nelson Carneiro. Segundo ela, antes dele, nada constava a respeito da sucessão do companheiro, e a escolha do habitat legislativo para a sua inserção foi extremamente desastrosa, uma vez que não foi acolhido pelo dispositivo que abrigou a ordem de vocação hereditária, mas restou instalado fora do título destinado à Sucessão Legítima, lá no título destinado à Sucessão em Geral, no Capítulo das Disposições Gerais. “O artigo 1.790 é de feição extremamente retrógada e preconceituosa, e a vigorosa maioria dos pensadores, juristas e aplicadores do direito tem registrado com todas as letras que o dispositivo é inconstitucional, exatamente porque trata desigualmente situações familiares que foram equalizadas pela ordem constitucional, como é o caso das entidades familiares oriundas do casamento e da união estável”, argumenta.

Hironaka cita o advogado Rolf Madaleno, também diretor nacional do IBDFAM: “mais uma vez resta discriminada a relação afetiva oriunda da união estável que perde sensível espaço no campo dos direitos que já haviam sido conquistados após o advento da Carta Política de 1988, em nada sendo modificada a atual redação do novo Código Civil e será tarefa pertinaz da jurisprudência corrigir estas flagrantes distorções deixadas pelo legislador responsável pela nova codificação civil” (Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 113). “O autor escreveu essas palavras no ano de 2004, quando o Código Civil tinha apenas um ano de vigência, e pareceu que elas eram premonitórias, pois, até hoje, mais de dez anos depois, a jurisprudência ainda se encontra assim embaraçada e emaranhada no que diz respeito a esse assunto”, aponta Giselda Hironaka.

Segundo o artigo 1.790 do CC/02, a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, obedecendo quatro condições. A primeira delas diz respeito à concorrência com filhos comuns, quando o companheiro terá direito a uma cota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. No segundo caso, se concorrer com descendentes só do autor da herança, terá a metade do que couber a cada um deles. A terceira condição diz respeito aos outros parentes sucessíveis, quando o companheiro terá direito a um terço da herança. Por último, não havendo parentes sucessíveis, o companheiro terá direito à totalidade da herança.

No caso que será julgado, foi estabelecida partilha amigável do patrimônio do casal, sendo disponibilizado à companheira 50% (meação) e mais 16,666% do restante a título de quinhão hereditário, apoiando-se no inciso 1º do artigo 1.790.
Por haver interesse de menores, o Ministério Público interveio no processo, pedindo a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 e alegou tratamento arbitrário às regras de sucessão aplicáveis à união estável, se comparadas àquelas aplicáveis ao casamento. De acordo com o artigo 1.829 do CC/02, a sucessão legítima é direcionada aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares. Por fim, o MP pediu a exclusão da companheira da herança, entendendo que ela deveria figurar apenas como meeira (50% do patrimônio do casal).

Giselda Hironaka também diz que por todas as letras e críticas, parece ser mesmo muito clara a urgente necessidade de exclusão, por inconstitucionalidade, deste dispositivo do Código Civil, acerca da regulamentação dos direitos sucessórios do companheiro, para que a distorção apontada seja afastada e a realocação das disposições a este tema encontre seu lugar perfeito e adequado no Código, que é exatamente o locus legislativo da sucessão legítima, espaço especialmente deferido à ordem da vocação hereditária de parentes do falecido e de seu cônjuge sobrevivo. “Neste espaço, segundo a minha opinião, deverá estar também a sucessão do companheiro sobrevivente”, completa.

Princípios isonômicos - O juízo da 1ª Vara Cível, Órfãos e Sucessões da Circunscrição Judiciária de Santa Maria (DF) rejeitou as alegações de inconstitucionalidade manifestadas pelo MP e homologou o esboço da partilha apresentado pelos herdeiros. O Ministério Público apelou, mas o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) manteve a sentença por entender que o artigo 1.790 do CC é constitucional, pois não fere o princípio da isonomia. No recurso especial, o MP sustenta a aplicação equivocada do artigo 1.790, cuja incidência deveria levar em consideração o artigo 1.829, inciso 1º, do CC. A discussão pode pacificar o entendimento sobre o tema na Segunda Seção do STJ, que julga questões de direito privado.

Decisão do STJ - De acordo com Giselda Hironaka, o julgamento foi suspenso pelo fato de a ministra Nancy Andrighi ter pedido vista, por conta da divergência que havia se estabelecido entre os ministros durante a discussão, sobre se o STJ deveria julgar ou se deveria esperar o julgamento do STF, dado o fato da repercussão geral que o tema suscitava na Magna Corte. “É como ansiosamente tenho pensado, ao longo deste período de mais de uma década de vigência do Código Civil de 2002. Aguardemos a retomada do julgamento com o voto da ministra Nancy Andrighi, pois a discussão e a decisão pacificarão o entendimento sobre o tema na Segunda Seção do STJ, que julga questões de Direito Privado”, expõe.

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