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2 de Maio de 2024

Surto destrói floresta e divide índios

Motivados pelo ouro, cerca de 5 mil garimpeiros atuam dentro da Terra Indígena Kayapó, um dos últimos redutos de mata nativa no Estado do Pará

Publicado por Carolina Salles
há 10 anos
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Alimentado pelos preços em alta do ouro, um novo surto de garimpo ilegal está se alastrando com rapidez e gerando destruição numa das últimas áreas de floresta amazônica, no sudeste do Pará. Com máquinas pesadas, os garimpeiros avançam por territórios habitados pelo povo kayapó e assediam os índios, que estão divididos quanto à atividade.

Alguns líderes kayapós passaram a tolerar o garimpo em suas terras, em troca de um percentual dos lucros. Eles dizem precisar dos recursos para sustentar as aldeias e cobram do governo políticas que lhes permitam abrir mão das receitas.

A atividade, porém, é ilegal, e seu combate compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Fundação Nacional do Índio (Funai).

Conforme Thaís Dias Gonçalves, coordenadora geral de monitoramento territorial da Funai, a Terra Indígena (TI) Kayapó, em Ourilândia do Norte, é a área indígena do País onde a atividade garimpeira é mais intensa.

A Funai diz que há por volta de 25 frentes ativas de garimpo dentro da TI. O território – que ocupa cerca de 33 mil quilômetros quadrados, área equivalente à de Alagoas e do Distrito Federal somados – é quase inteiramente coberto por mata nativa.

A TI Kayapó convive com surtos esporádicos de garimpo há décadas. De acordo com a Funai, porém, a atividade alcançou níveis sem precedentes, nos últimos meses.

Saiba Mais

A BBC Brasil acompanhou uma operação contra o garimpo na área, na semana passada. De helicóptero ou avião, veem-se as enormes clareiras com lagos artificiais abertos pelas escavadeiras. Algumas frentes de garimpo têm cerca de 40 quilômetros quadrados, o equivalente a dez campos de futebol. Nos rios que cruzam a terra dos kayapós, cerca de 90 balsas reviram o solo em busca do metal.

Os agentes do Ibama e da Funai desceram em algumas minas e deram prazo de dez dias para que os garimpeiros deixassem o local. Os órgãos estimam que haja na terra indígena entre 4 e 5 mil garimpeiros, o equivalente a quase um terço do total de índios na área (16 mil). Conforme os agentes, quem ficar será expulso e terá seus equipamentos destruídos.

Moradores da região dizem que o garimpo poluiu os rios e reduziu drasticamente o número de peixes. Para separar e aglutinar o metal, garimpeiros usam mercúrio e cianeto, duas substâncias tóxicas.

“O garimpo é o ilícito ambiental mais grave que o Ibama enfrenta hoje no País”, diz à BBC Brasil o diretor de proteção ambiental do órgão, Luciano de Menezes Evaristo.

Evaristo cita, além da destruição causada pela atividade, suas consequências sociais. “O garimpo traz no seu bojo uma decadência: com ele vêm o tráfico de drogas, a prostituição e a exploração do trabalho infantil.”

O diretor do Ibama afirma que os casos de garimpo no País têm se multiplicado, especialmente no Pará. Conforme Evaristo, outro ponto crítico no Estado é a Bacia do Rio Tapajós, no oeste paraense, onde há pelo menos 3 mil frentes da atividade.

O diretor do Ibama atribuiu o surto ao bom preço do metal. Considerado um investimento seguro em tempos de instabilidade na economia, o ouro valia cerca de US$ 800 dólares a onça (31 gramas), no fim de 2007. Hoje, vale US$ 1.297.

Índios divididos

Na semana passada, a BBC Brasil acompanhou uma reunião na sede da Funai, em Tucumã, em que o Ibama informou autoridades locais e cerca de 15 líderes kayapós sobre a operação contra o garimpo.

Alguns índios se queixaram da ação e disseram que a atividade ajuda a sustentar suas aldeias. Para eles, os garimpeiros pagam às comunidades um percentual de seus lucros.

O cacique Niti Kayapó, da aldeia Kikretum, afirmou que o dinheiro do garimpo tem lhe ajudado a pagar o aluguel de tratores usados na colheita de castanha – atividade que, de acordo com ele, é a principal fonte de renda de sua comunidade.

“Eu preciso ter alguma coisa para a comunidade. Se vocês (governo) disserem que têm um projeto de 300, 500 mil reais para nós, a gente vai lá e tira os garimpeiros. Mas vocês não têm.”

Houve um bate-boca quando um índio disse que o garimpo em área vizinha à sua aldeia tinha poluído a água usada por sua comunidade. A maioria dos líderes presentes assinou uma carta pedindo que os garimpeiros fossem expulsos da TI.

Na reunião, os índios também pediram às autoridades que pressionassem a mineradora Vale a executar seu plano de compensação, por ter implantado uma mina a 34 quilômetros da TI.

Para a Funai, as ações, que vêm sendo negociadas há quase uma década, custarão cerca de R$ 3,5 milhões. Nesta semana, 70 índios foram à sede da mineradora, em Redenção, para reforçar a cobrança. Em nota à BBC Brasil, a mineradora disse que o plano começará a vigorar em agosto.

Os índios também cobram da estatal Eletrobras e do consórcio Norte Energia que cumpram o compromisso de financiar projetos de geração de renda nas aldeias. O acordo é uma contrapartida pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, que fica a cerca de 500 quilômetros da TI Kayapó, Rio Xingu abaixo.

Em nota, a Eletrobras afirmou que os projetos devem ser pactuados com os índios até o fim de 2014 e executados a partir de 2015. Serão destinados R$ 1,5 milhão por ano às ações, ao longo de três anos.

Conforme Thaís Dias Gonçalves, coordenadora geral de monitoramento territorial da Funai, somente serão contempladas pelos programas da Vale e da Eletrobras/Norte Energia as aldeias que não tenham qualquer envolvimento com o garimpo.

Ela afirma, no entanto, que os programas não serão capazes de competir com o garimpo em volume de recursos.

Para Gonçalves, erradicar a atividade na área de uma vez por todas exige um trabalho de inteligência policial, que identifique quem está lucrando com o negócio. “Tanto o garimpeiro quanto o indígena envolvido são parte muito pequena de uma cadeia fortíssima.”

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