"Teoria do tanto vale" e a recente decisão do STJ
Reflexos da jurisprudência (Informativo 613 STJ) no Novo CPC.
O princípio da fungibilidade recursal também é chamado de “teoria do recurso indiferente”, “teoria do tanto vale”, “princípio da permutabilidade dos recursos” ou “princípio da conversibilidade dos recursos”.
A parte recorrente não será prejudicada se interpôs o recurso errado, desde que esteja de boa-fé, não tenha sido um erro grosseiro e o recurso incorreto tenha sido manejado no prazo do recurso certo.
O princípio da fungibilidade não está previsto de forma específica nem genérica no CPC. Apesar disso, a doutrina admite a sua existência, nos termos do Enunciado 104-FPPC (O princípio da fungibilidade recursal é compatível com o CPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício).
Alguns autores afirmam que o CPC/2015 previu o princípio da fungibilidade de forma específica em dois casos:
• recebimento de embargos de declaração contra decisão monocrática em tribunal como agravo interno (art. 1.024, § 3º);
• recebimento de REsp como RE e vice-versa (arts. 1.032 e 1.033).
Com base na jurisprudência do STJ, para a aplicação do princípio da fungibilidade, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos:
a) dúvida objetiva a respeito do recurso cabível;
b) inexistência de erro grosseiro;
c) que o recurso interposto erroneamente tenha sido apresentado no prazo daquele que seria o correto.
Nesse sentido: STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1656690/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 19/10/2017.
Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação:
João, executado, ingressou com uma espécie de defesa chamada “exceção de pré-executividade”.
Podemos vislumbrar dois cenários mais prováveis neste caso:
1) O juiz acolhe a exceção de pré-executividade e extingue a execução: isso é feito por meio de sentença e, caso o exequente não se conforme, poderá interpor como recurso a apelação.
2) O juiz rejeita a exceção de pré-executividade e mantém o prosseguimento da execução: isso é feito por meio de decisão interlocutória e, caso o executado não se conforme, poderá interpor como recurso o agravo de instrumento.
Suponhamos que o juiz rejeitou a exceção de pré-executividade de João. Qual seria o recurso que ele deveria interpor? Agravo de instrumento. Ocorre que João se equivocou e interpôs apelação. O Tribunal de Justiça não conheceu da apelação afirmando justamente que João interpôs o recurso errado. João não se conformou e interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ.
No Resp, João alegou que o TJ deveria ter aplicado o princípio da fungibilidade e que foi induzido em erro pelo juiz. Isso porque o magistrado nomeou a decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade como “sentença”. Além disso, a Secretaria da vara teria lançado no sistema a decisão como sentença. Essas circunstâncias geraram uma dúvida objetiva na parte, fazendo com que ela acabasse concluindo que se tratava realmente de sentença e, contra ela, deveria ser interposta apelação.
A tese de João foi acolhida pelo STJ?
SIM.
O conceito de "dúvida objetiva", para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, pode ser relativizado, excepcionalmente, quando o equívoco na interposição do recurso cabível decorrer da prática de ato do próprio órgão julgador. STJ. 2ª Seção. EAREsp 230.380-RN, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/09/2017 (Info 613).
Para o STJ, há situações em que os termos em que é redigida a decisão pelo julgador são determinantes para a interposição equivocada do recurso.
Na hipótese analisada, embora a decisão do juiz singular não tenha colocado termo ao processo de execução, o referido magistrado deu-lhe verdadeiro tratamento de sentença - assim denominando-a e registrando-a, bem como recebendo e processando o recurso de apelação.
Dessa forma, o juízo colaborou diretamente para o surgimento da dúvida quanto ao recurso cabível, afastando-se a eventual má-fé da parte na interposição da apelação - o que legitima a aplicação do princípio da fungibilidade.
Conforme constou em outro precedente, “tem entendido esta Corte que não pode o jurisdicionado responder por erro induzido pelo magistrado.” (STJ. 2ª Turma. REsp 1349832/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 16/05/2013).
Fonte: dizer o direito.