jusbrasil.com.br
3 de Maio de 2024

Teoria Geral do Processo é danosa para a boa saúde do Processo Penal

Publicado por Consultor Jurídico
há 10 anos
4
1
2
Salvar

“Era uma vez três irmãs, que tinham em comum um dos progenitores: chamavam-se a ciência do Direito Penal, a ciência do Processo Penal e a ciência do Processo Civil. E ocorreu que a segunda, em comparação com as demais, que eram belas e prósperas, teve uma infância e uma adolescência desleixada, abandonada. Durante muito tempo, dividiu com a primeira o mesmo quarto. A terceira, bela e sedutora, ganhou o mundo e despertou todas as atenções”. Assim começa Francesco Carnelutti, que com sua genialidade escreveu em 1946 um breve, mas brilhante artigo intitulado Cenerentola[1] (a Cinderela, da conhecida fábula infantil).

O Processo Penal segue sendo a irmã preterida, que sempre teve de se contentar com as sobras das outras duas. Durante muito tempo, foi visto como um mero apêndice do Direito Penal. Evolui um pouco rumo à autonomia, é verdade, mas continua sendo preterido. Se compararmos com o processo civil então, a distância é ainda maior.

Em relação ao Direito Penal, a autonomia obtida é suficiente, até porque, como define Carnelutti, delito e pena são como cara e coroa da mesma moeda. Como o são Direito Penal e Processual Penal, unidos pelo “princípio da necessidade” — nulla poena sine iudicio — tão bem definido por Gomez Orbaneja.[2] O Direito Civil se realiza todo dia sem Processo Civil (negócios jurídicos etc.), pois é autoexecutável, tem realidade concreta. O Direito Civil só chama o Processo Civil quando houver uma lide, carnelutianamente pensada como um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Já no campo penal tudo é diferente. O Direito Penal não é autoexecutável e não tem realidade concreta fora do processo. É castrado. Se alguém for vítima de um crime, a pena não cai direta e imediatamente na cabeça do agressor. O Direito Penal não tem eficácia imediata e precisa, necessariamente, do Processo Penal para se efetivar, pois o processo é um caminho necessário e inafastável para chegar na pena. Por isso, o princípio da necessidade demarca uma diferença insuperável entre penal e civil, já cobrando sua diferença nas condições da ação, como veremos.

O Processo Penal, como a Cinderela, sempre foi preterido, tendo de se contentar em utilizar as roupas velhas de sua irmã. Mais do que vestimentas usadas, eram vestes produzidas para sua irmã (não para ela). A irmã favorita aqui, corporificada pelo Processo Civil, tem uma superioridade científica e dogmática inegável. Tinha razão Bettiol, como reconhece Carnelutti,[3] de que assistimos inertes a um pancivilismo. E isso nasce na academia, com a famigerada disciplina de “Teoria Geral do Processo” (TGP), tradicionalmente ministradas por processualistas civis, que pouco sabem e pouco falam do Processo Penal e, quando o fazem, é com um olhar e discurso completamente viciado.

Entre os pioneiros da crítica está José Guilherme Tucci, que principia o desvelamento do fracasso da TGP a partir da desconstrução do conceito de lide (e sua consequente irrelevância) para o processo penal, passando pela demonstração da necessidade de se conceber o conceito de jurisdição penal (para além das categorias de jurisdição voluntária e litigiosa) e o próprio repensar a ação (ação judiciária e ação da parte).

Outro ícone é Jacinto Coutinho,[4] para quem a “Teoria Geral do Processo é engodo; Teoria Geral é a do Processo Civil e, a partir dela, as demais”. Ou seja, pensam tudo desde o lugar do processo civil, com um olhar viciado, que conduz a um engessamento do Processo Penal nas estruturas do processo civil. Todo um erro de pensar, que podem ser transmitidas e aplicadas no processo penal as categori...

Ver notícia na íntegra em Consultor Jurídico

  • Sobre o autorPublicação independente sobre direito e justiça
  • Publicações119348
  • Seguidores10992
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações551
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/teoria-geral-do-processo-e-danosa-para-a-boa-saude-do-processo-penal/125161150
Fale agora com um advogado online