Uso de dados pessoais no enfrentamento do coronavírus: invasão à privacidade justificada?
O Governo Federal resolveu usar a tecnologia de forma mais efetiva no combate ao coronavírus. Seguindo medida já adotada em outros países e mesmo em nossas cidades (como Recife, São Paulo e Rio), serão usados os dados de geolocalização dos indivíduos para monitorar o deslocamento dessas pessoas e evitar aglomerações, entre outras ações.
Segundo o SINDITELEBRASIL[1], sindicato que representa as operadoras de telefonia do país, os dados serão obtidos a partir das redes móveis e enviados por essas empresas de forma “anonimizada”. De acordo com o art. 5º, III, da Lei Geral de Proteção de Dados, “dados anonimizados” são aqueles dados relativo a titular que não pode ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento. Ou seja, os dados são anônimos, mas nada impede que esse anonimato venha a ser quebrado pela tecnologia.
É muito importante usar as ferramentas de TI como aliadas. Países como a Coréia do Sul desenvolveram várias formas de trabalhar com a tecnologia, a fim de evitar a propagação do vírus. Um exemplo disso é o protocolo adotado quando o governo coreano descobre uma nova infecção pelo covid-19: é feito um rastreio das pessoas que estiveram em contato com o infectado, e essas pessoas são notificadas a também fazerem o teste. Assim, é possível isolar esses indivíduos mais rapidamente, antes mesmo deles apresentarem sintomas, diminuindo o número de novos infectados, tratando melhor os assintomáticos, e entregando números oficiais da pandemia que são mais próximos da realidade.
Sociedades em que o Estado tinha ciência da localização de seus indivíduos foram anunciadas em distopias como 1984, de George Orwell. Agora, elas são reais: o governo se apropria dessas informações para um fim lícito, o combate de uma pandemia, mas ainda assim esse uso é lícito? O meio empregado justifica o fim a ser alcançado, neste caso?
Voltando ao exemplo da Coréia do Sul, outra medida adotada para traçar uma rota de onde o indivíduo contaminado passou, é a verificação de seus locais de compra com o cartão de crédito, com o mesmo intuito de notificar as pessoas que ali também estiveram, sendo um exemplo perigoso de invasão de privacidade.
Na prática, há um confronto entre o direito à privacidade e o direito à saúde, e em último lugar, o direito à própria vida. Também há o confronto do direito individual e do direito coletivo. Esses choques entre direitos são típicos de situações de crise, e foram utilizados, por muitas vezes, por governos totalitários como fundamento para intervenções que violam direitos fundamentais, tudo em nome de um bem maior, e é essa a preocupação e reflexão que se quer propor aqui.
O uso dos dados pessoais dos indivíduos, de forma anonimizada, parece ser uma boa forma de combate a pandemia, que diante das consequências catastróficas que o isolamento social por tempo indeterminado pode trazer a sociedade, justificam estratégias inteligentes nas mais diversas áreas de atuação. Contudo, não se pode esquecer dos limites éticos e dos direitos fundamentais envolvidos, e que são relativizados com o uso desses mecanismos, devendo ser utilizados com muita cautela.
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Para debater: O Estado deve respeitar algum limite ao usar os dados para combater a pandemia, ou tudo é válido para garantir o direito à vida? Quais seriam os critérios balizadores da atuação estatal nesses casos? Deixe sua opinião nos comentários.
[1] SINDITELEBRASIL. Operadoras vão disponilizar dados de mobilidade ao MCTIC para monitorar deslocamento. Disponível em:<https://www.sinditelebrasil.org.br/sala-de-imprensa/releases/3375-operadoras-vao-disponilizar-dados-.... Acesso em: 05 de abr de 2020.
[FONTE DA IMAGEM: PIXABAY]