E M E N T A PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONSTITUCIONAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. LEI Nº 6.683 /79. ANISTIA. NÃO EXAURIMENTO DA MATÉRIA PELO JULGAMENTO DA ADPF Nº 153 . PENDÊNCIA DA ADPF Nº 320. ANISTIA E PRESCRIÇÃO QUANTO A GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS INCOMPATÍVEIS COM A CONSTITUIÇÃO DE 1967 E COM O DIREITO INTERNACIONAL. NÍTIDA VIOLAÇÃO DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DENOTADA NOS CRIMES PRATICADOS POR AGENTES ESTATAIS CONTRA A POPULAÇÃO CIVIL, VALENDO-SE DO APARATO REPRESSOR INSTITUCIONALIZADO, NO ESCOPO DE COMBATER SUBVERSIVOS AO REGIME POLÍTICO-MILITAR. PUNIBILIDADE NÃO ATINGIDA PELA ANISTIA NEM PELA PRESCRIÇÃO, INSUBSISTINDO FUNDAMENTO, NO ESTADO DE DIREITO, PARA LEGITIMAR A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELOS CRIMES DE LESA-HUMANIDADE, QUER NO PASSADO, QUER NO PRESENTE, QUER NO FUTURO. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. NEGADO PROVIMENTO AOS EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. 01. Embargos Infringentes e de Nulidade opostos em face do acórdão (id. XXXXX e XXXXX) proferido pela Décima Primeira Turma desta Corte Regional que, por maioria, deu provimento ao Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal para receber a denúncia oferecida em face dos ora embargantes com imputação de prática dos crimes do artigo 121 , § 2º , inciso I e artigo 211 c.c. artigo 29 , todos do Código Penal (Carlos Setembrino) e artigo 299 c.c. artigo 61 , inciso II , alínea b e artigo 211 c.c. artigo 29 , todos do Código Penal (Abeylard) 02. Julgamento da ADPF nº 153 que não exaure o exame do alcance e da validade da anistia versada na Lei nº 6.683 /1979. Além do julgamento de embargos de declaração, onde se questiona a extensão material da anistia aos crimes de homicídio, estupro e tortura, a Corte Suprema ainda apreciará o mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 320, por meio da qual se propugna a inaplicabilidade da Lei de anistia aos crimes de grave violação de direitos humanos cometidos por agentes públicos. 03. No caso de crimes praticados por agentes estatais contra a população civil, valendo-se do aparato repressor institucionalizado no escopo de combater subversivos ao regime político-militar, observa-se nítida violação das garantias fundamentais acima transcritas, porquanto transgressores dos mencionados limites da ordem constitucional, os quais tinham o dever de respeitar. 04. Embora a anistia seja tida como ato soberano estatal, não pode ser propagada com arbítrio desmedido, com abuso do poder de legislar, em desajuste total com o Estado de Direito ao qual deve se amoldar. Antes, encontra-se a ele submissa, exigindo-se que o Estado Constitucional submeta-se, sempre, ao conjunto de limites estabelecido pelo Poder Constituinte, dentro dos critérios de legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, observando, inclusive na edição de leis, o chamado devido processo legal substantiv, sob pena de abuso do poder de legislar. 05. Nessa ótica, já sob a luz da Carta Constitucional de 1967, a única interpretação viável da Lei nº 6.683 /1979, dentro do espírito republicano, da legalidade, do devido processo legal, da moralidade, e, notadamente da dignidade da pessoa humana, passa pela preservação do direito de punir as graves violações de direitos humanos cometidas por agentes públicos, tornando inadmissíveis a anistia, a prescrição ou qualquer outra medida extintiva da punibilidade que impeça a persecução penal. 06. Os crimes atingidos pela anistia são os políticos, ou aqueles conexos com estes, assim entendidos os crimes de qualquer natureza praticados por motivação política, não abrangendo graves violações de direitos humanos praticadas por agentes estatais. 07. O parágrafo 35 do artigo 150 da Constituição de 1967 prevê a ampliação do rol de direitos fundamentais mediante a inclusão de outras garantias compatíveis com o regime e os princípios da ordem constitucional. Essa dilatação dos direitos fundamentais contempla os princípios e obrigações reconhecidos no plano do direito internacional, no qual se sedimentou a garantia de persecução penal das graves violações de direitos humanos, impondo a irrecusável punibilidade dos crimes de lesa-humanidade, categoria na qual se insere a perseguição sistemática e organizada, empreendida por agentes estatais contra a população civil com o objetivo de combater dissidentes políticos, mediante o cometimento de crimes como prisão ilegal, tortura, execução sumária e desaparecimento forçado. 08. Diante destes imperativos éticos e humanitários do direito internacional - coerentes com as garantias fundamentais da ordem constitucional brasileira então vigente (nos termos do art. 150 , § 50, da Constituição de 1967 ), não prospera a concepção legalista de que o País somente restou obrigado a observar estes preceitos a partir da subscrição de pactos internacionais. 09. O fato de, apenas após a redemocratização, o Brasil ter aderido a pactos que demandam a punibilidade de crimes de lesa-humanidade (como o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos), não significa que até então o País estava autorizado a anistiar ou a tolerar a prescrição de crimes atrozes, declinando da dignidade da pessoa humana, que já estava esculpida como valor fundamental da humanidade no próprio texto constitucional então vigente e o jus cogens internacional. 10. Portanto, o respeito aos direitos humanos no que tange à persecução dos crimes contra a humanidade deve ser considerado norma imperativa do direito internacional, compromisso do qual o Estado brasileiro não poderia dispor, seja por ato de vontade (anistia) seja por inércia (prescrição), sob pena de subverter a própria ordem constitucional, observando-se, ainda, que o decurso do tempo, in casu, funcionaria como uma anistia às avessas, igualmente infundada. 11. Dessa forma, a punibilidade em relação aos crimes denunciados não foi atingida pela anistia nem pela prescrição, insubsistindo fundamento, no Estado de Direito, para a sua legitimação, quer no passado, quer no presente, quer no futuro. 12. Analisando os elementos coligidos nesta relação processual, reputo caracterizada a justa causa da presente ação penal, uma vez que presentes tanto elementos aptos a indicar a materialidade delitiva como indícios de autoria dos crimes perpetrados, sem prejuízo de consignar que os fatos narrados na inicial acusatória se subsomem aos correspondentes tipos penais, ausente qualquer causa apta a extinguir a punibilidade dos agentes. 13. Tendo em vista a inaplicabilidade da Lei de anistia aos crimes de grave violação de direitos humanos cometidos por agentes públicos, há de ser mantido o recebimento da denúncia em face de CARLOS SETEMBRINO DA SILVEIRA e ABEYLARD DE QUEIROZ ORSINI. 14. Negado provimento aos Embargos Infringentes e de Nulidade.