PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ADVOCACIA ADMINISTRATIVA QUALIFICADA. NULIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS (SERENDIPIDADE). CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO. POSSIBILIDADE. PROVA LÍCITA. TRANCAMENTO DO PROCESSO PENAL. TIPICIDADE DA CONDUTA. OCORRÊNCIA. JUSTA CAUSA. PARA A PERSECUÇÃO PENAL EVIDENCIADA. LASTRO NAS PROVAS CAUTELARES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da adoção da teoria do encontro fortuito ou casual de provas (serendipidade). Segundo essa teoria, independentemente da ocorrência da identidade de investigados ou réus, consideram-se válidas as provas encontradas casualmente pelos agentes da persecução penal, relativas à infração penal até então desconhecida, por ocasião do cumprimento de medidas de obtenção de prova de outro delito regularmente autorizadas, ainda que inexista conexão ou continência com o crime supervenientemente encontrado e este não cumpra os requisitos autorizadores da medida probatória, desde que não haja desvio de finalidade na execução do meio de obtenção de prova. 3. No caso, nos termos do acórdão de recebimento da denúncia, originalmente, houve regular autorização judicial de medida de interceptação telefônica a fim de investigar suposto acobertamento pelo acusado Jonaci Silva Herédia quanto ao esquema consistente na apropriação de parte dos vencimentos de servidores públicos (vulgarmente denominado de "40pura40") pelo vereador Olmir Castiglioni, fato este, inclusive, que culminou no recebimento de peça acusatória em que são imputados ao referido Promotor de Justiça os crimes de falsidade ideológica (art. 299 , do CP ) e advocacia administrativa (art. 321 , do CP ). Desta investigação inicial, principalmente durante o período desta primeira interceptação telefônica (crime do art. 299 , do CP ), foram colhidos indícios da prática de outros ilícitos pelo acusado Jonaci Silva Herédia em conluio com o paciente e outros réus, o que levou o representante ministerial a apurá-los, em cumprimento do seu dever funcional da obrigatoriedade da ação penal pública. 4. Malgrado apenado com detenção, as provas obtidas quanto ao crime de advocacia administrativa são plenamente válidas, porquanto foram descobertas fortuitamente por meio de interceptação telefônica, decretada regularmente, com vistas a angariar elementos de prova da prática do crime de falsidade ideológica pelo então investigado Jonaci Silva Herédia. Em perfeita aplicação da serendipidade, trata-se, portanto, de prova lícita, decorrente de interceptação telefônica de crime apenado com reclusão, com autorização devidamente fundamentada de autoridade judicial competente. 5. O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. Ademais, a rejeição da denúncia e a absolvição sumária do agente, por colocarem termo à persecução penal antes mesmo da formação da culpa, exigem que o Julgador tenha convicção absoluta acerca da inexistência de justa causa para a ação penal. Em verdade, embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o Julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a ocorrência de uma das hipóteses elencadas no art. 395 do Código de Processo Penal . 6. O crime de advocacia administrativa é próprio, formal e de concurso eventual, cuja essência proibitiva recai sobre a defesa de interesses privados perante a Adminsitração Pública por funcionário público. O patrocínio do interesse privado e alheio, legítimo ou não, por funcionário público, perante a Administração Pública, pode ser direto, concretizado pelo ele próprio, ou indireto, valendo-se ele de interposta pessoa, para escamotear a atuação. Fundamental que o funcionário se valha das facilidades que a função pública lhe oferece, em qualquer setor da Administração Pública, mesmo que não seja especificamente o de atuação do agente. 7. À luz da teoria objetivo-formal, adotada pela instância ordinária para a adequação típica, percebe-se, em tese, subsunção ao crime de advocacia administrativa própria por participação ( CP , art. 321 , parágrafo único , c/c art. 29 ), cuja execução formal do tipo, por patrocínio indireto de interesses ilícitos do paciente e dos presos em flagrante, deu-se por Jonaci, que teria se valido do prestígio do cargo e vínculos de amizade para convencer o delegado responsável, em violação aos deveres funcionais, a lavrar o auto de prisão em flagrante pelo crime de exercício arbitrário das próprias razões ( CP , art. 345 ), sabidamente não ocorrido, em detrimento do crime de extorsão ( CP , art. 158 ), que era a subsunção típica aparente. 8. A prova cautelar expõe indícios suficientes que ao tomar ciência que Arildo e os comparsas foram presos em flagrante delito, o paciente suplica a Jonaci que intervenha, na qualidade de Promotor de Justiça de Colatina/ES, junto à autoridade de polícia judiciária local, buscando garantir-lhes ilícita liberação. As interceptações expõem, portanto, justa causa para o recebimento da denúncia e a continuidade do processo penal. 9. Habeas corpus não conhecido.