PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PPL – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 599.094,00, VALOR EQUIVALENTE A 29,56% DOS RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. VERBA PÚBLICA IRREGULARMENTE APLICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE GASTOS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. RECALCITRÂNCIA NA INSUFICIÊNCIA DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS NO FOMENTO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. CONTAS DESAPROVADAS , COM DETERMINAÇÕES. 1. Prestação de contas do Diretório Nacional do Partido Pátria Livre (PPL) relativa ao exercício financeiro de 2017, cujo mérito se submete às disposições da Res.–TSE nº 23.464/2015.1.1. Conforme entende esta Corte Superior, "[...] os partidos políticos devem apresentar documento fiscal idôneo que possibilite identificar com clareza todos os aspectos imprescindíveis da contratação, na forma do art. 18, caput, da Res.–TSE 23.464/2015, não sendo necessárias, porém, via de regra, provas adicionais, exceto se presente dúvida razoável (circunstâncias indiciárias) acerca da regularidade e/ou da efetividade da despesa". Ademais, "[...] também é exigido da legenda que demonstre o vínculo das despesas com as atividades partidárias, de acordo com o art. 44 da Lei 9.096 /95 [...]" (PC nº 0601825–28/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgada em 26.4.2022, DJe de 17.6.2022). 1.2. "Caso o Juízo Eleitoral verifique que a documentação constante aos autos é insuficiente para atestar a regularidade do gasto e o vínculo com as atividades partidárias, lhe é lícito determinar – inclusive por solicitação do MPE, do impugnante ou dos responsáveis – diligências necessárias ao exame das contas, tais como a requisição de esclarecimentos e a juntada de documentos ausentes e/ou complementares" (PC nº 0601765–55/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 6.5.2022).2. Falhas identificadas2.1. Prestadores de serviços autônomos e microempreendedores individuais2.1.1. No caso, à exceção das despesas tidas por regulares, as notas fiscais e os relatórios apresentados, além de possuírem descrições genéricas, não guardam em seu conteúdo correlação com o objeto contratual. Tais circunstâncias, aliadas à ausência de outros elementos que permitam comprovar a efetiva execução dos serviços e a vinculação com as atividades partidárias, impedem a chancela da regularidade dos gastos, ante a violação aos arts. 18 e 35, § 2º, da Res.–TSE nº 23.464/2015. Nesse sentido: ED–PC nº 0600411–58/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgados em 31.3.2022, DJe de 19.4.2022.2.1.2. Como cediço, "[...] Consideram–se não comprovadas as despesas cujos documentos fiscais ou recibos, em razão dos termos genéricos em que redigidos, não permitem identificar a que se refere especificamente o pagamento realizado, bem como sua vinculação a atividades partidárias" (PC nº 290–21/DF, rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgada em 23.4.2019, DJe de 21.6.2019). 2.1.3. O caráter genérico da nota fiscal, a divergência das atividades desenvolvidas com os termos do contrato firmado e a ausência de detalhamento dos serviços prestados impossibilitam atestar a regularidade do gasto à luz dos arts. 18 e 35, § 2º, da Res.–TSE nº 23.464/2015.2.1.4. Documentos alusivos a serviços custeados com recursos públicos – a exemplo do relatório de atividades – produzidos posteriormente à data em que realizados os serviços e/ou cujo conteúdo apenas reproduz o teor do objeto contratual, sem detalhamento algum acerca dos serviços efetivamente realizados em cada um dos meses em que executados os serviços ou com informações padronizadas, são imprestáveis para o fim de se comprovar a regularidade da despesa.2.2. Serviços de assessoria, consultoria e análise econômica2.2.1. No caso, foram apresentados contrato de prestação de serviços, cujo objeto consiste "na prestação do serviço de assessoria, consultoria e análise econômica, para subsidiar as discussões e decisões da Executiva Nacional do PPL", e nota fiscal com descrição genérica. Entretanto, as provas complementares consistentes na produção de artigos de interesse da agremiação atestam a efetiva execução dos serviços contratados e o vínculo partidário. Irregularidade afastada.2.3. Despesas com eventos2.3.1. Na espécie, os termos genéricos em que redigidas as notas fiscais de ambos os serviços contratados de organização de reuniões com alimentação e locação de sala comercial impunham ao partido apresentar provas acessórias hábeis a atestar o necessário vínculo entre as atividades partidárias e a efetiva execução dos serviços. A agremiação sequer comprovou a realização de uma única reunião na aludida sala comercial.2.3.2. Quanto aos serviços de alimentação, é pacífico o entendimento nesta Corte Superior de que a comprovação de gastos com alimentação requer a vinculação com a atividade partidária, sendo necessária, para tanto, a identificação dos beneficiários. Precedentes. Irregularidade mantida. 2.4. Programa de incentivo à participação feminina na política2.4.1. A Justiça Eleitoral, antes de atestar se as despesas atendem à finalidade do inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096 /1995, verifica se o gasto se encontra comprovado à luz do art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015. Somente após o reconhecimento da regularidade da despesa é que se confirma se foi atendida a específica finalidade do fomento à participação política feminina (PC nº 0601850–41/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgada em 23.9.2021, DJe de 7.10.2021).2.4.2. Recursos do Fundo Partidário indicados pela agremiação como aplicados no programa de fomento à participação feminina na política, cuja documentação, além de não comprovar essa específica finalidade, é insuficiente para atestar a regularidade do gasto, devem ser devolvidos ao erário (PC–PP nº 159–75/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada em 6.5.2021, DJe de 18.5.2021).2.4.3 Esta Corte Superior entende que "[...] gastos administrativos não se amoldam ao conceito de uso de recursos públicos para a criação e manutenção de programas de participação feminina na política" (PC nº 261–34/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgada em 14.5.2020, DJe de 4.6.2020).2.4.4. A dissonância entre os termos contratuais e a nota fiscal suscita dúvida acerca da regularidade do gasto, o que demanda a apresentação de provas acessórias para fins de viabilizar a fiscalização da despesa por esta Justiça especializada. Precedentes. 2.4.5. No caso, além de as notas fiscais discriminarem serviços de cunho administrativo, a generalidade com que redigidos os termos e à ausência de outros elementos probatórios da efetiva execução do serviço impedem reconhecer a regularidade do gasto. 2.4.6. Quanto aos gastos indicados como aplicados na ação afirmativa, verificou–se que: (a) o valor de R$ 75.714,00 foi regularmente comprovado tanto à luz do art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015 quanto do inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096 /1995, montante equivalente a 3,73% do total recebido do Fundo Partidário (R$ 2.026.505,18); (b) R$ 21.212,00 foram tidos por não comprovados para qualquer finalidade, sendo, pois, irregular; e (c) a quantia de R$ 25.611,26 deixou de ser aplicada.2.5. Locação de imóveis2.5.1. Como cediço, todo e qualquer gasto custeado com recursos do Fundo partidário deve ser comprovado à luz, no caso, da Res.–TSE nº 23.464/2015, cujo § 2º do art. 18 preceitua que "[a] comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo" ou, quando legalmente dispensada a sua emissão, "por meio de documentação que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço", a exemplo do recibo.2.5.2. Na hipótese, a agremiação não apresentou a documentação comprobatória mínima exigida pelo regramento aplicável, de modo a impossibilitar a aferição da regularidade da despesa, em especial o indispensável vínculo partidário do gasto público.2.5.3. Conforme entenda esta Corte Superior, "[o]s gastos com recursos públicos devem obedecer aos princípios da transparência, da moralidade, da economicidade, da razoabilidade, exatamente para que os gastos com o Fundo Partidário não percam a natureza de sustentação do nosso modelo republicano" (ED–PC 265–71, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 8.10.2020).3. Conclusão: contas desaprovadas3.1. O total de irregularidades encontrado nas contas do PPL relativas ao exercício financeiro de 2017 é de R$ 599.094,00 (valor que se refere aos recursos do Fundo Partidário irregularmente utilizados ou que não foram devidamente comprovados), o que representa 29,56% do total que o partido recebeu do aludido fundo público em 2017 (R$ 2.026.505,18).3.2. Somente é possível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade – para o fim de se superar falhas que possam ensejar a rejeição da contas – quando: (a) as falhas não comprometem a lisura do balanço contábil; (b) o percentual dos valores comprometidos ou o seu valor absoluto é diminuto em comparação ao total de recursos arrecadados; e (c) a agremiação não age com má–fé. Precedentes.3.3. No caso, a não comprovação da regularidade de gastos custeados com recursos públicos no elevado montante de R$ 599.094,00, equivalente a 29,56% dos recursos recebidos do fundo partidário, e a recalcitrância no descumprimento do incentivo mínimo à participação política da mulher denotam descaso da agremiação no uso da verba pública, malferimento à transparência, à lisura e ao indispensável zelo no uso dos recursos públicos, bem como violação às normas eleitorais.4. Determinações4.1. Ressarcimento ao erário do valor de R$ 599.094,00, com recursos próprios, acrescido de multa de 10%, a ser descontada dos futuros repasses de cotas do Fundo Partidário.4.2. Aplicação nas eleições subsequentes do montante de R$ 25.611,26 no programa de incentivo à participação da mulher na política, consoante dispõe o art. 2º da EC nº 117 /2022.