RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA A VIDA. INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO. MINISTÉRIO PÚBLICO QUE SE INSURGE CONTRA A DECISÃO NA QUAL O MM JUIZ DESCLASSIFICOU A CONDUTA IMPUTADA NA DENÚNCIA E PRONUNCIOU A ACUSADA NAS PENAS DO DELITO INSERTO NO ARTIGO 122 , PARÁGRAFO ÚNICO , I E II , DO CÓDIGO PENAL . IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA, EM QUE SE REQUER A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. DESPROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS. 1. Segundo consta da peça inicial acusatória, a acusada, de forma livre, consciente e com animus necandi, escreveu diversas cartas endereçadas ao seu ex-marido, ora vítima, portador de alienação mental, com o fim de estimulá-lo a cometer suicídio, o que veio a ocorrer em 26 de agosto de 2005, cerca de 01 ano e 05 meses depois de o ofendido ter atentado contra a própria vida. Consoante se infere dos fatos narrados pelo Parquet, a causa da morte da vítima teria decorrido de sua tentativa de se autoenforcar, em 31 de março de 2004, quando o seu estado de saúde foi se deteriorando gradativamente, até levá-lo ao óbito em 26 de agosto de 2005. 2. Com o término da primeira fase do procedimento do Júri, o douto Magistrado se convenceu sobre a existência da materialidade do delito e dos indícios de autoria, mas entendeu que os fatos narrados na denúncia não se amoldariam ao tipo penal do artigo 121 , § 2º , I , do Código Penal , o que o fez desclassificar a conduta para a que tipifica o crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, duplamente circunstanciado, vindo a pronunciar a acusada. 3. A simples comprovação de que a vítima era portadora de doença mental não se mostra suficiente a considerá-la, ao tempo da ação, inteiramente incapaz de entender as consequências de seus atos e de determinar-se de acordo com esse entendimento, cujo ônus da prova compete ao Ministério Público. Logo, caberia ao Parquet requerer a realização de perícia forense, da qual se pudesse extrair a certeza de que a vítima não tinha as capacidades intelectiva e volitiva no momento em que tentou se enforcar. Ainda que vigore o princípio in dubio pro societatis quando da prolação da pronúncia, não se afigura correto levar ao Conselho de Sentença determinada matéria desprovida de elementos de convicção, a cuja aferição se impõe, imprescindivelmente, o exame pericial, sob pena de induzir a erro os jurados e privá-los dos meios de prova necessários ao julgamento imparcial, de acordo com os ditames da justiça, o que implicaria violação à busca da verdade real, além de flagrante desiquilíbrio processual em prejuízo à defesa. Diante da absoluta impossibilidade de instruir os autos com o exame pericial, do qual defluíssem os elementos imprescindíveis à análise da alegada ausência de capacidade de resistência da vítima, ao tempo da ação, torna-se, pois, impossível a pronúncia da acusada nos termos requeridos pelo Ministério Público. 4. Em que pesem os argumentos expedidos pela defesa, não lhe assiste razão quando pugna pela absolvição sumária, a cuja configuração se impõe a comprovação certa e induvidosa de que os fatos imputados inexistam ou não constituam crime, bem como de que a acusada não seja a autora do delito ou que se encontre agraciada por alguma causa de isenção de pena ou de excludente de ilicitude, o que não restou demonstrado nos autos. Ao invés do afirmado nas razões defensivas, a materialidade e os indícios de autoria do delito previsto no artigo 122 , parágrafo único , I e II , do Código Penal , foram absolutamente comprovados na hipótese vertente, sobretudo diante dos depoimentos prestados em Juízo, aos quais corroboram as demais provas coligidas nos autos - termos de inquirição, carta enviada pela acusada à vítima, auto de apreensão, termos de declaração, relatório e declaração médicos, termo de curatela provisória, certidão de óbito, apólice de seguro e laudo de exame de sanidade mental, que não deixam a menor dúvida acerca da procedência do decisum impugnado. Os indícios de que as diversas cartas escritas pela acusada e lidas pela vítima a levaram a tentar o suicídio por enforcamento decorrem da epístola datada de 25 de março de 2004, na qual a recorrente escreve palavras do tipo ¿você jamais vai conseguir trabalho¿, ¿a sua vida não tem mais solução¿, ¿você tem que tirar a sua vida¿, ¿você pode tirar a sua vida com um lençol amarrado no pescoço¿. Embora a vítima não tenha lido a carta juntada às fls. 76, em cujo teor a acusada lhe sugere o cometimento do suicídio, existem indícios de que as outras cartas enviadas pela ré e efetivamente lidas pelo ofendido o tenham levado a tentar se enforcar, como se depreende dos depoimentos das testemunhas prestados em Juízo, sob o crivo do contraditório. Com isso, percebe-se que os elementos de convicção revelaram-se suficientes a admitir a acusação, tal qual determinada no decisum impugnado, com vistas a submeter a recorrente ao Tribunal Popular, afigurando-se, pois, impossível a impronúncia. 5. A sentença de pronúncia constitui uma decisão interlocutória mista, que julga o mero juízo de admissibilidade, fundado na suspeita, e não na certeza. Com a pronúncia, o magistrado encerra a fase de formação de culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, quando se julgará o mérito. Ao Juiz cabe tão somente verificar a prova da existência do fato descrito como crime e os indícios suficientes de autoria, a teor do artigo 413 do Código de Processo Penal . Precedentes. Logo, diante dos indícios de que a acusada é a autora do delito inserto no artigo 122 , parágrafo único , I e II , do Código Penal , não se mostra correto, nesta fase do procedimento, afastar a competência do Plenário do Júri, a quem compete valorar as provas coligidas nos autos, com o fim de dirimir eventuais dúvidas ponderadas pela defesa. DESPROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS.