TJ-CE - Apelação Criminal XXXXX20198060064 Caucaia
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO, PROVA ILÍCITA. AUSÊNCIA DE ORDEM JUDICIAL. ENTRADA NO IMÓVEL COM BASE APENAS EM DENÚNCIA ANÔNIMA. ATO QUE CONTRARIA O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. AUSÊNCIA DE PROVA DO CONSENTIMENTO PARA INGRESSO. DROGAS ILÍCITAS APREENDIDAS EM CONTEXTO DE INVASÃO DE DOMICÍLIO. JURISPRUDÊNCIA DO TJCE ALINHADA À DO STF E À DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Preliminarmente, o Apelante pretende a declaração de nulidade das provas obtidas mediante a invasão do domicílio, dado o ingresso no local ter ocorrido, sem ordem judicial, em razão de denúncia anônima desprovida de qualquer diligência prévia que pudesse autorizar o afastamento da garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. 2. Em sede policial, Joaquim Valker de Sousa Forte Neto (fls. 06/07) aduz que receberam denúncias de que a residência indicada seria utilizada por traficantes como ponto de venda de drogas. Em seguida, ao se dirigirem ao endereço mencionado na denúncia, foram recebidos por Paulo José de Sousa , que teria permitido a entrada da composição. No mesmo sentido, Nathanael de Souza Monteiro (fls. 08/09) afirmou ser de seu conhecimento que o local constituiria ¿boca de fumo¿, motivo pelo qual resolveram ir até a casa e verificar a procedência de tal informação, oportunidade na qual foram recebidos por Paulo José , que negou os fatos, mas teria permitido a entrada dos policiais. 3. Durante audiência de instrução e julgamento (fl. 150), Jocyclécio Santos de Sousa informou que estava fazendo patrulhamento de rotina na área quando recebeu pedido de apoio em razão do recebimento de denúncias acerca da prática do tráfico de drogas na região. Relata que, ao chegarem, o acusado estava na parte da frente da casa, oportunidade em que conversaram, relataram sobre o conteúdo da denúncia e, em seguida, teriam sido autorizados a entrar no imóvel. Em seguida, respondeu não saber informar se a denúncia foi recebida no mesmo dia em que os fatos foram averiguados e que não se recorda se havia autorização judicial para a entrada no domicílio. 4. Tem-se, portanto, que os policiais receberam denúncia acerca da venda de drogas na residência do acusado, motivo pelo qual a equipe se dirigiu até a localidade, antes mesmo de realizar qualquer diligência para verificar a procedência das informações obtidas. Contam os policiais que, ao chegarem na localidade, foram atendidos pelo réu, momento em que teriam relatado o teor das denúncias e, apesar disso, o suspeito teria permitido a entrada para que fossem realizadas buscas na casa. 5. Em que pese a autoria e materialidade delitivas do crime de tráfico de drogas tenham restado devidamente evidenciadas nos fólios, considerando que o entorpecente fora apreendido em companhia de outros objetos comumente associados à traficância, como sacos de dindim, bem como a versão apresentada pelo réu em juízo que realizou a venda das substâncias, é cediço que o resultado utilitário da apreensão da droga não legitima a ação policial à margem da Constituição . 6. Sobre o tema, o STJ firmou entendimento no sentido de que ¿a inviolabilidade do domicílio (art. 5.º, XI, da CF) não é garantia absoluta nas hipóteses de flagrância de delito de natureza permanente, como é o caso do tráfico de drogas". No entanto, para o ingresso sem autorização, deve existir justa causa e fundadas razões que indiquem a situação de flagrância, de modo que somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. 7. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido que situação embasada apenas em denúncias anônimas não consiste em justa causa para efetivação de medidas invasivas como busca pessoal e domiciliar. Ainda, o Supremo Tribunal Federal fixou, em repercussão geral, a tese de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito. 8. A respeito, em abril de 2022, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça fixou as teses segundo as quais "O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação" e "A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo". 9. Logo, recebidas denúncias e informações a respeito da prática de crimes, o procedimento adequado teria sido a realização de investigações prévias e/ou requerimento de busca domiciliar ao Juízo competente, não a invasão de domicílio. Dessa feita, declaro nula a apreensão de fl. 12 e, como consequência, todos os atos dela dependentes, desde a denúncia, embasada na apreensão da arma, à sentença condenatória. 10. Recurso conhecido e provido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Turma julgadora da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará em conhecer do recurso, concedendo-lhe provimento, para fins de se absolver o Apelante, por não haver prova da existência dos fatos, com fulcro no art. 386 , II , do Código de Processo Penal , nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 24 de outubro de 2023. DES. HENRIQUE JORGE HOLANDA SILVEIRA Relator