E M E N T A TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO ANULATÓRIA. REGIME ESPECIAL DE REGULARIZAÇÃO CAMBIAL E TRIBUTÁRIA (RERCT). LEI 13.254 /2016. EXCLUSÃO DO PROGRAMA COM FUNDAMENTO EM NOTAS INTERPRETATIVAS ADICIONADAS PELO ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO RFB 05/2018. ATO INFRALEGAL QUE CONTRASTA COM A DISPOSIÇÃO DO ART. 4º , § 12, DA LEI 13.254 /2016 E COM O ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO VIGENTE QUANDO DA ADESÃO AO REFERIDO REGIME. ÔNUS PROBATÓRIO DA UNIÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. RECURSO PROVIDO. 1. No ano de 2016, o agravante aderiu ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País. O referido programa de regularização, conhecido como RERCT, foi instituído pela Lei 13.254 /2016. 2. A insurgência apresentada pelo agravante direciona-se ao ato administrativo, exarado no PA XXXXX-XXXXX/2021-10, que determinou sua exclusão do RERCT. De acordo com o respectivo Despacho Decisório, a exclusão deu-se em razão da não apresentação de documentação comprobatória da condição jurídica dos recursos, bens e direitos objeto da declaração, de modo a se presumir falsa a declaração de que sua origem seja lícita e de que as demais informações sejam verídicas. 3. Como fundamentação legal a subsidiar o ato de exclusão, o ato administrativo em apreço citou os seguintes dispositivos: Lei nº 13.254 /2016 (Arts. 1º, § 2º; 3º; 4º, § 6º; e 9º); IN RFB nº 1.627/2016 (Arts. 7º, inciso IV; 26, inciso I; 29 e 30); itens 106 a 114 do Parecer PGFN/CAT nº 1.290/2017; e Notas 1, 2 e 3 acrescidas à Pergunta nº 40 do “Dercat – Perguntas e Respostas 1.4” pelo Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5, de 04 de dezembro de 2018. Transcrição de excerto da referida decisão administrativa. 4. Em seu § 6º, o art. 4º da Lei 13.254 /2016 preceitua que a pessoa física ou jurídica que aderir ao RERCT é obrigada a manter em boa guarda e ordem e em sua posse, pelo prazo de 5 (cinco) anos, cópia dos documentos que ampararam a declaração de adesão ao RERCT e a apresentá-los se e quando exigidos pela RFB. 6. Em contrapartida, o § 12 do art. 4º frisa que a declaração de regularização de que trata o caput não poderá ser, por qualquer modo, utilizada: I - como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal; II - para fundamentar, direta ou indiretamente, qualquer procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial em relação aos recursos dela constantes. 7. A adesão se aperfeiçoa mediante apresentação de declaração única de regularização específica, cabendo ao aderente (pessoa física ou jurídica) manter em boa guarda, por cinco anos, os documentos que ampararam sua declaração, o que indica que a Receita Federal poderá exigi-los durante esse período, circunstância corroborada pelo disposto no art. 9º da Lei 13.254/2016 e nos arts. 29 e 30 da IN SRF 1.627/2016, que regulamentam o procedimento de exclusão do RERCT. 8. Por outro lado, o § 12 do art. 4º da Lei 13.254 /2016 dispõe, consoante acima destacado, que a declaração do contribuinte não pode ser utilizada como único indício, elemento ou fundamento de procedimentos de natureza investigatória, criminal, administrativa, tributária ou cambial. 9. É de se inferir, desse regramento, que a guarda dos documentos faz-se necessária em razão da possibilidade de o Fisco identificar outros elementos, relacionados à referida declaração, que constituam suporte para a abertura de tais procedimentos. Ou seja: isoladamente, a declaração de adesão ao RERCT não pode ser tida como elemento apto a ensejar atos administrativos como o de exclusão do regime especial em apreço (embora o ato de exclusão do RERCT não tenha sido citado expressamente no art. 4º , § 12, da Lei 13.254 /2016). 10. Nesse ponto, releva destacar a superveniência do Ato Declaratório Interpretativo RFB 05/2018, que acrescentou ao "Dercat - Perguntas e Respostas 1.3", entre outras disposições, as notas 1, 2 e 3 à Pergunta nº 40, assim redigidas: Nota 1: A desobrigação de comprovar documentalmente a origem lícita dos recursos se refere ao momento de transmissão da Dercat, assim como ocorre na demais declarações prestadas à RFB. Nota 2: A subsunção da hipótese legal de ingresso e permanência no RERCT poderá ser objeto de procedimento de ofício específico para tal fim. Nota 3: A RFB, mediante intimação, concederá prazo razoável para que o optante ao RERCT apresente a comprovação sobre a origem lícita dos recursos regularizados. 11. O processo administrativo que culminou na exclusão do agravante do RERCT tem como principal fundamento essas 03 (três) notas adicionadas ao DERCAT (Declaração de Regularização Cambial e Tributária), que teriam intuito interpretativo. 12. Ocorre que, ao restringir a desobrigação de comprovar documentalmente a origem lícita dos recursos apenas ao momento de transmissão da declaração e permitir à RFB, nesse contexto, a intimação para que o optante do RERCT realize essa comprovação, sob pena de não mais permanecer no referido programa, o Ato Declaratório Interpretativo RFB 05/2018 não se limitou a realizar mera interpretação ou regulamentação, mas se contrapôs à norma legal que indicava aos contribuintes que a declaração de adesão ao RERCT não poderia, de forma isolada, subsidiar atos como o de sua exclusão do programa, ainda que sob a suspeita fiscal de que haveria falsidade nas declarações do contribuinte. 13. O ônus da demonstração de eventual falsidade era atribuído ao Fisco, o que se infere não apenas pela citada dicção do § 12 do art. 4º da Lei 12.354/2016, mas sobretudo pelo Ato Declaratório Interpretativo 05/2016, o qual vigorava à época da adesão do contribuinte ao RERCT. Isso porque, na redação então vigente, não existiam as notas 1, 2 e 3 da DERCAT (incluídas pelo ADIn 05/2018), mas apenas a resposta à Pergunta 40, clara no sentido de que não há obrigatoriedade de o contribuinte comprovar a origem dos bens, bem como de que o ônus da prova de demonstrar que as informações são falsas é da RFB. 14. Não se desconhece que, na esfera administrativa, embora apresentado pelo contribuinte Balanço Patrimonial e Demonstrativo de Lucros e Perdas (“Balance Sheet” e “Profit and Loss Statement” de 31/12/2013 e 31/12/2014), firmou-se compreensão pela ausência da juntada, após regular intimação, de outros documentos previstos no art. 14, II, e, da IN RFB 1.627/2016 (que regulamentou o RERCT e já se encontrava vigente quando da adesão do contribuinte), concernentes à documentação relativa a todos os investimentos diretos e indiretos realizados, bem como de identificação da origem dos recursos investidos na empresa Montitown United Ltd. Concluiu-se, assim, como observado na contestação apresentada pela União, pela insuficiência de documentos aptos a demonstrar a condição jurídica dos recursos. 15. De igual modo, não se desconsidera que o art. 9º da Lei 13.254 /2016 preceitua que será excluído do RERCT o contribuinte que apresentar declarações ou documentos falsos relativos à titularidade e à condição jurídica dos recursos, bens ou direitos declarados. 16. Entretanto, conforme demonstrado acima, a irregularidade na atuação administrativa teve origem na própria determinação para que o contribuinte apresente a documentação comprobatória, pois esta teve por principal fundamento a inclusão das notas 1, 2 e 3 à resposta da Pergunta 40 do DERCAT, as quais extrapolaram a função interpretativa atinente ao ADIn 05/2018 mediante inobservância do disposto no § 12 do art. 4º da Lei 12.354/2016, além de terem resultado em modificação da exegese atribuída pelo ADIn 05/2016, vigente quando da adesão do agravante ao RERCT. 17. Por certo a União poderá excluir o agravante do RERCT, conforme previsto no art. 9º da Lei 13.254 /2016. Para tanto, todavia, deverá ter suporte também em outros elementos que indiquem eventual falsidade da declaração. Tais elementos devem ser obtidos mediante atuação fiscal independente. A exclusão do contribuinte não pode, diante do cenário normativo explicitado acima, ter por substrato procedimento que decorre apenas da própria declaração apresentada à Receita Federal para fins de adesão ao regime de regularização previsto na Lei 13.254 /2016, sob pena de ofensa à segurança jurídica. Há que se ressaltar, ademais, que a decisão administrativa teve por fundamento mera presunção de falsidade. 18. Em síntese: não se mostra pertinente a exclusão do contribuinte do programa de regularização pelo fato de não ter juntado documentos suficientes para comprovar as informações lançadas na declaração de adesão se, a exemplo do que ocorre no caso concreto, não se imputava ao contribuinte, no momento da referida adesão, o ônus de realizar tal comprovação. A atuação fiscal deve observar as regras vigentes no momento da declaração. Revela-se inadequada, por conseguinte, a posterior alteração do regramento em prejuízo do contribuinte. 19. Desta forma, ao menos nesta cognição inicial (que poderá ser eventualmente modificada por novos elementos que se agreguem ao processo originário), é se concluir pela existência de plausibilidade nas alegações do agravante. Outrossim, diante da exclusão do RERCT, aliada à possibilidade de instauração de procedimentos fiscais para fins penais, está igualmente presente o perigo na demora. 20. Agravo de instrumento do contribuinte provido. Embargos de declaração prejudicados.