PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA CELULAR - FALHA DO SERVIÇO - PORTABILIDADE NÃO SOLICITADA - INDISPONIBILIDADE DA LINHA POR VÁRIOS DIAS - ACESSO DOS CONTATOS DA AGENDA TELEFÔNICA - DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS - VALOR ADEQUADO E PROPORCIONAL. RECURSOS CONHECIDOS. PRELIMINAR REJEITADA. NO MÉRITO, IMPROVIDOS. 1. Em virtude do julgamento simultâneo dos processos XXXXX-86.2023.8.07.0006 e XXXXX-56.2023.8.07.0006 na mesma sentença (conexão de causas), procedo ao julgamento dos recursos inominados correlatos neste ato. 2. A partir da narrativa dos fatos feita na petição inicial há pertinência subjetiva de ambas as recorrentes (Telefônica Brasil S.A. e Tim S.A.) para figurar no polo passivo (por se tratar de suposta portabilidade indevida de linha móvel entre as duas companhias). A análise da responsabilidade pela reparação dos danos, incluindo possíveis culpas do consumidor ou de terceiros, será realizada no mérito. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. 3. Narra o autor Vitor Batista Vieira que é comerciante e utiliza sua linha de telefone junto à operadora Vivo na vida privada e em sua atividade profissional. Narra também que em 05/07/2023 referida linha parou de funcionar. Dirigiu-se a uma loja física da operadora, ocasião em que descobriu ter sido a linha cancelada, em virtude de pedido de portabilidade da linha para a operadora Tim. Como jamais solicitou tal mudança, o autor tentou por telefone revertê-la, mas foi informado que o processo de recuperação duraria 5 dias úteis. 4. Nesse interim foi informado que vários de seus contatos telefônicos estavam recebendo mensagens via ?Whatsapp?, de terceiro se passando pelo autor e pedindo empréstimos em dinheiro. Sua ex-esposa, a autora Jaqueline Terres Borges , foi uma das pessoas que recebeu tais mensagens via ?Whatsapp?, tendo, inclusive, cedido aos apelos do suposto fraudador e efetivado 2 transferências bancárias, supondo o estar fazendo em benefício do autor nos valores de R$ 5.000,00 e R$ 45.000,00. Apenas após a realização das transações ficou sabendo, pelo autor, da fraude perpetrada. 5. Relata o autor que até o ajuizamento da ação o (s) golpista (s) ainda continuam pedindo empréstimos em nome do Requerente, se fazendo passar por ele, interagindo com seus contatos, tendo acesso a dados pessoais e profissionais (o número era usado também para estes fins). Desse modo, os autores pretendem o recebimento de reparação por danos morais e, especificamente, a autora Jaqueline Terres Borges pugna, também, pela reparação material no importe de R$ 50.000,00 correspondentes às transações bancárias acima referidas. 6. É incontroversa a portabilidade, pois a requerida Tim S/A em sua contestação reafirma isso, tendo sido o acesso telefônico ativado naquela companhia na modalidade pré-paga. Afirma também que tal aceso já teria sido desativado na Tim S/A e devolvido ao autor junto à companhia originária (Telefônica Brasil S.A.). Também não há dúvida de que os fraudadores tiveram acesso aos seus contatos, enviando-lhes mensagens falsas solicitando empréstimos em dinheiro, tendo a autora demonstrado documentalmente duas transferências bancárias, R$ 5.000,00 (ID Num. XXXXX - Pág. 1) e R$ 45.000,00 (ID Num. XXXXX - Pág. 1). 7. No caso, incidem as regras insertas no Código de Defesa do Consumidor , na medida em que se trata de relação de consumo o conflito trazido aos autos, como quer a dicção dos artigos 2º e 3º do CDC . O autor Vitor Batista Vieira é efetivamente cliente de uma das requeridas, ao passo que a autora Jaqueline Terres Borges figura na relação com as rés na condição de consumidora por equiparação (?bystander?), uma vez que, embora não esteja na direta relação de consumo, foi atingida pelo evento danoso (arts. 2º , parágrafo único , 17 e 29 do CDC ). 8. No âmbito das relações consumeristas, a responsabilidade do prestador de serviços é objetiva (independente da demonstração de culpa) e só poderá ser afastada em caso de inexistência do defeito ou de culpa de terceiro (art. 14 , § 3º , I e II do CDC ). 9. No que diz respeito à portabilidade telefônica, dispõe o art. 41 da Resolução nº 750 de 15/03/2022 da ANATEL que ?as Prestadoras são responsáveis pelo cumprimento dos prazos e dos procedimentos do Processo de Portabilidade?. Reza, ainda, o art. 45 do mesmo normativo que ?a fase de autenticação do Processo de Portabilidade é caracterizada pela conferência dos dados do usuário, que são encaminhados à Prestadora Doadora por meio da Entidade Administradora? (grifo nosso). Por fim, o art. 46, § 3º estatui que ?A habilitação na Prestadora Receptora deve ser feita presencialmente, ou utilizando outros métodos seguros de identificação, mediante apresentação de documentos que comprovem os dados informados quando da Solicitação de Portabilidade?. Grifo nosso. Portanto, do normativo aplicável à espécie, é de se concluir que a ANATEL confere responsabilidade a ambas as companhias telefônicas envolvidas na portabilidade (doadora e receptora). 10. No caso concreto, as recorrentes não se desincumbiram do ônus probatório de comprovar a regularidade da portabilidade da linha telefônica do autor Vitor Batista Vieira (art. 373 , II do CPC ). Não demonstraram ter sido ele próprio o solicitante da portabilidade, e não, terceiros. Incumbiria às rés comprovar que ofereceu a segurança que legitimamente se espera deste serviço, o que não ocorreu. 11. Vale ressaltar que a facilitação de atendimento pelas empresas de telefonia sem a presença física do consumidor aumenta consideravelmente a probabilidade de ocorrência de contratações fraudulentas, sendo que fraudes no sistema de telefonia continuam a existir, circunstância que tornam vazias as alegações das recorrentes. Ausente tais demonstrações, sobressai a falha na prestação do serviço telefônico das requeridas, que não adotaram as cautelas necessárias para se certificar sobre idoneidade do seu sistema de portabilidade. 12. Assim, em se tratando de golpe complexo que somente ocorreu diante da fragilidade do sistema de telefonia, devem as empresas responder pelos danos causados aos consumidores (inclusive à consumidora por equiparação), nos termos dos artigos já citados. Uma vez comprovadas as transferências bancárias, supostamente em benefício do autor Vitor Batista Vieira , mas que em verdade se destinavam a terceiro fraudador, que por ele se passou nas mensagens escritas após a portabilidade indevida, merece a autora ser de tais valores ressarcida. 13. Enseja indenização por danos morais a transferência de linha telefônica para chip de terceiro operada por erro ou fraude, quando não solicitada pelo consumidor. Tal reparação tem lugar uma vez que um dos autores teve o serviço de telefonia interrompido, bem como teve seus contatos acessados indevidamente para realização de operações fraudulentas. Também é passível de indenização por danos morais os prejuízos sofridos pela autora Jaqueline Terres Borges , uma vez que tais eventos ultrapassam o mero aborrecimento. Os valores fixados originalmente de R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00 para cada autor atendem prontamente os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, motivo pelo qual devem ser mantidos. 14. RECURSOS CONHECIDOS. PRELIMINAR REJEITADA. NO MÉRITO, IMPROVIDOS. 16. Decisão proferida na forma do art. 46 , da Lei nº 9.099 /95, servindo a ementa como acórdão. 17. Relativamente ao processo XXXXX-86.2023.8.07.0006 condeno TELEFÔNICA BRASIL S.A. ao pagamento de honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 500,00, porque, se fixados em percentual do valor da condenação, resultaria em valor irrisório. Quanto ao processo XXXXX-56.2023.8.07.0006 , condeno as recorrentes, TELEFÔNICA BRASIL S.A. e TIM S/A, ao pagamento da verba honorária advocatícia em valor equivalente a 15% sobre o valor total da condenação.