Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 DECISÃO TERCEIRA TURMA RECURSAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA Processo nº XXXXX-75.2022.8.05.0001 Recorrente: NATAN DE ARAUJO AQUINO RecorridoS: AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S.A. Juíza Relatora: IVANA CARVALHO SILVA FERNANDES EMENTA RECURSO INOMINADO. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDOS. DIREITO CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI, DA RESOLUÇÃO Nº 02, DE 10 DE FEVEREIRO DE 2021 - REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC ). LIMITAÇÃO AO TETO DOS JUIZADOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER, SEM CONTEÚDO ECONÔMICO DIRETO. ENTENDIMENTO PACIFICADO ACERCA DA RENÚNCIA AUTOMÁTICA. PRECEDENTE DO STJ. SENTENÇA ANULADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA Dispensado o relatório nos termos claros do artigo 46 da Lei n. º 9.099 /95. Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de sua admissibilidade, conheço do recurso. O artigo 15 do novo Regimento interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XI, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil . Assim, passo a análise monocraticamente, com a fundamentação aqui expressa, porquanto se trata de matéria pacífica na jurisprudência desta Terceira Turma Recursal (Processos nº 032.2009.044.761-9, XXXXX-61.2021.8.05.0150 e Embargos de Declaração no processo nº XXXXX-47.2018.8.05.0001 ), conforme Enunciado n. 103 do FONAJE, art. 932 , IV do CPC e art. 15, XI, XII e XIII do Regimento interno das Turmas Recursais deste Estado. Foi o presente recurso interposto pela parte Autora, protestando pela reforma da sentença que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, conforme transcrevo a seguir: “Ora, no caso sob julgamento, a parte autora estipulou como pedido principal a confirmação da liminar requerida, de modo que o valor da causa é equivalente ao valor dos procedimentos médicos por ela solicitado, ao qual deve ser somado ainda o valor da indenização por danos morais pretendida, sendo, portanto, superior ao limite estabelecido pela Lei 9.099 /95. Assim, ante o exposto e tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art. 64 , § 1º , do CPC , c/c art. 3º , I , da Lei 9.099 /95, extingo a queixa prestada por NATAN DE ARAUJO AQUINO contra AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S/A, sem resolução do mérito. Por conseguinte, fica revogada a medida liminar concedida no evento 29.”. Trata o processo de ação ajuizada por consumidor, alegando que é beneficiário do plano de saúde administrado pela Ré, adimplente com as mensalidades, e que precisa realizar procedimentos cirúrgicos, todos incluídos no Rol da ANS. Aponta que o médico que o acompanha solicitou que o procedimento fosse feito em hospital da rede conveniada, sendo certo que os custos dos honorários médicos foram custeados pelo consumidor (independentemente da existência de profissional credenciado junto à Operadora Ré). Aponta que o plano negou a solicitação. Pede a autorização do procedimento e danos morais. O valor da causa apontado na inicial foi de R$ 48.480,00 (quarenta e oito mil quatrocentos e oitenta reais), ou seja, o valor de alçada dos Juizados Especiais. Manifestando-se sobre o pedido liminarmente, a ré aduziu que a cirurgia é eletiva (não urgente) e que o valor da causa excede o limite de alçada dos Juizados Especiais. Foi concedida medida liminar, mas posteriormente revogada pela sentença extintiva acima apontada. Compulsando os autos verifico que assiste razão ao Recorrente. Quanto ao teto dos Juizados, não há que se falar em incompetência dos Juizados Especiais para conhecer da demanda em face ao valor estimado para o ato cirúrgico, quando o pedido diz respeito a obrigação de fazer. O que se tem nos autos é que o autor precisa dos procedimentos cirúrgicos descritos na peça inicial, estando em vigor o contrato de prestação de serviços médico hospitalares entre o consumidor e a operadora. Dessa forma, a Recorrida é quem efetivamente detém a obrigação de prestar serviços de saúde ao Recorrente. O consumidor pleiteia a prestação do serviço de saúde, não o valor das cirurgias. A obrigação de fazer não tem conteúdo econômico aferível. Neste sentido, vejamos a aplicação de um entendimento consolidado em julgamento de IRDR pelo TJDF: JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. DIREITO À SAÚDE. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. LIMITAÇÃO DO VALOR DE ALÇADA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FAZENDÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE. PRETENSÃO COMINATÓRIA QUE DEVE ABARCAR TODA A OBRIGAÇÃO DE FAZER REQUERIDA. QUESTÃO PACIFICADA. IRDR XXXXX-9. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora em face da sentença que julgou procedente o pedido inicial para condenar o requerido a realizar o procedimento cirúrgico descrito nos autos, devendo fazê-lo em hospital da rede pública ou, em caso de impossibilidade, que promova o seu custeio em estabelecimento privado, conforme prescrição médica, limitado ao valor de alçada do Juizado Fazendário. II. No caso, não se trata de pedido com pretensão condenatória, o que vincularia ao valor máximo de 60 salários mínimos, mas, sim, cominatória, onde se deve apurar a complexidade ou não da causa. III. Ademais, por se tratar de pedido cominatório, o valor da causa, fixado de forma estimativa, é irrelevante para fins de definição da competência. Tal questão resta pacificada com o julgamento do IRDR XXXXX-9, que afastou a complexidade da causa. IV. Nessa perspectiva, não se aplica à hipótese a limitação do valor da causa imposta pelo art. 2º , § 2º , da Lei n. 12.153 /2009, pois não se trata de ação em que se busca proveito econômico direto, devendo a prestação jurisdicional abarcar toda a obrigação de fazer requerida. V. Recurso conhecido e provido para retirar a limitação do valor de alçada dos juizados especiais para cumprimento da obrigação de fazer fixada na sentença, mantendo-se os demais termos da decisão recorrida. Sem custas e honorários ante a ausência de recorrente vencido. (TJ-DF XXXXX20178070016 DF XXXXX-52.2017.8.07.0016 , Relator: GABRIELA JARDON GUIMARAES DE FARIA, Data de Julgamento: 21/08/2019, Segunda Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no PJe : 28/08/2019 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Além disso, sabe-se que, ao optar pelo rito, há renúncia automática do excedente. O art. 3º , § 3º , da lei 9.099 /95 assim estabelece. Vejamos: Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: (...) § 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação. Citam-se julgados neste sentido: PROCESSUAL CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. - A Lei n.º 9.099 /95, aplicável aos Juizados Federais por força do art. 1º da Lei nº 10.259 /2001, em seu art. 3.º , § 3.º , determina que o excesso que se verifique quanto ao valor da causa, que inicialmente importaria na incompetência dos Juizados Especiais para seu processo e julgamento, acarretará a automática renuncia ao crédito excedente. - Tendo a demandante optado por pleitear seu direito perante o Juizado Especial Federal, carece de interesse de agir para ajuizar ação pleiteando diferença entre o que foi estabelecido na sentença e o que lhe seria efetivamente devido, pois a opção pelo ajuizamento da demanda perante o Juizado Especial implica em renúncia ao crédito excedente. (TRF-2 - AC: XXXXX RJ XXXXX-9, Relator: Desembargador Federal FERNANDO MARQUES, Data de Julgamento: 20/09/2006, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data::06/10/2006 - Página::357) CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - ACIDENTE DE VEÍCULOS - COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL - RENUNCIA AUTOMÁTICA A QUANTIA EXCEDENTE. OPTANDO O AUTOR DA AÇÃO DE REPARAÇÃO PELO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, SUA RENUNCIA A QUANTIA EXCEDENTE A 40 (QUARENTA) VEZES O SALÁRIO MINIMO E AUTOMÁTICA, FICANDO SEM EFEITO APENAS NO CASO DE CONCILIAÇÃO OU TRANSAÇÃO EM QUE AS PARTES ESTIPULEM VALOR MAIOR AO PRE VISTO EM LEI. CONFLITO CONHECIDO PARA JULGAR COMPETENTE O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. (TJ-ES - CC: XXXXX ES XXXXX, Relator: JOSÉ EDUARDO GRANDI RIBEIRO, Data de Julgamento: 11/03/1997, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/03/1997) Apesar, disto a execução das decisões não se limita ao teto de 40 salários-mínimos. O limite legal diz respeito ao valor do principal, ao objeto do pedido, que, no caso é o valor dos aluguéis atrasados. O que pode incidir, sem limitação ao teto, são a correção monetária e os juros incidentes sobre o valor a ser restituído. A jurisprudência do STJ é uníssona acerca deste ponto. Citam-se: PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. JUIZADO ESPECIAL. COMPETÊNCIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA COMINATÓRIA. ALÇADA. LEI 9.099 /1995. RECURSO PROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ admite a impetração de mandado de segurança para que o Tribunal de Justiça exerça o controle da competência dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, vedada a análise do mérito do processo subjacente. 2. Dispõe o art. 3º , § 1º , inciso I , da Lei 9.099 /95, que compete ao Juizado Especial promover a "execução dos seus julgados", não fazendo o referido dispositivo legal restrição ao valor máximo do título, o que não seria mesmo necessário, uma vez que o art. 39 da mesma lei estabelece ser "ineficaz a sentença condenatória na parte em que exceder a alçada estabelecida nesta lei". 3 . O valor da alçada é de quarenta salários mínimos calculados na data da propositura da ação. Se, quando da execução, o título ostentar valor superior, em decorrência de encargos posteriores ao ajuizamento (correção monetária, juros e ônus da sucumbência), tal circunstância não alterará a competência para a execução e nem implicará a renúncia aos acessórios e consectários da obrigação reconhecida pelo título. 4. Tratando-se de obrigação de fazer, cujo cumprimento é imposto sob pena de multa diária, a incidir após a intimação pessoal do devedor para o seu adimplemento, o excesso em relação à alçada somente é verificável na fase de execução, donde a impossibilidade de controle da competência do Juizado na fase de conhecimento, afastando-se, portanto, a alegada preclusão. Controle passível de ser exercido, portanto, por meio de mandado de segurança perante o Tribunal de Justiça, na fase de execução. 5. A interpretação sistemática dos dispositivos da Lei 9.099 /95 conduz à limitação da competência do Juizado Especial para cominar - e executar - multas coercitivas (art. 52, inciso V) em valores consentâneos com a alçada respectiva. Se a obrigação é tida pelo autor, no momento da opção pela via do Juizado Especial, como de "baixa complexidade" a demora em seu cumprimento não deve resultar em execução, a título de multa isoladamente considerada, de valor superior ao da alçada. 6. O valor da multa cominatória não faz coisa julgada material, podendo ser revisto, a qualquer momento, caso se revele insuficiente ou excessivo ( CPC , art. 461 , § 6º). Redução do valor executado a título de multa ao limite de quarenta salários mínimos. 7. Recurso provido. ( RMS XXXXX/MA , Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 29/08/2011) PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. CONTEÚDO ECONÔMICO DA DEMANDA. ART. 3º , § 2º , DA LEI 10.259 /2001. SOMA DAS 12 PRESTAÇÕES VINCENDAS QUE NÃO SUPERA O VALOR DE ALÇADA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESPECIAL FEDERAL. 1. O art. 3º , caput, da Lei 10.259 /2001 define a competência dos juizados especiais federais para toda demanda cujo valor da ação não ultrapasse 60 (sessenta) salários mínimos. De acordo com § 2º do dispositivo mencionado, quando a demanda tratar de prestações vincendas, a importância de doze prestações não poderá superar o limite fixado no caput. 2. O valor da alçada é de sessenta salários mínimos calculados na data da propositura da ação. Se, quando da execução, o título ostentar montante superior, em decorrência de encargos posteriores ao ajuizamento (correção monetária, juros e ônus da sucumbência), tal circunstância não alterará a competência para a execução nem implicará a renúncia aos acessórios e consectários da obrigação reconhecida pelo título. Precedentes do STJ. 3. Agravo Regimental não provido. ( AgRg no AREsp XXXXX/RJ , Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/09/2013, DJe 26/09/2013) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. COMPETÊNCIA PARA EXECUTAR SEUS PRÓPRIOS JULGADOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. É firme a jurisprudência dessa Corte em que os Tribunais de Justiça Estaduais não têm competência para rever decisões de turma recursal de juizados, muito menos em sede de mandado de segurança. Nesse sentido orienta o Enunciado n. 376 da súmula do STJ: "Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial". 2. Nos termos do artigo 3º, § 1º, I, da Lei 9099 /2005, compete ao Juizado Especial a execução de seus julgados, inexistindo, no preceito legal, restrições ao valor executado, desde que, por ocasião da propositura da ação, tenha sido observado o valor de alçada, ressalvada a questão da multa ( RMS XXXXX/MA , Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 29/08/2011). 3. O fato de o valor executado ter atingido patamar superior a quarenta salários mínimos, em razão de correção monetária e encargos, não descaracteriza a competência do Juizado Especial para a apreciação do mandado de segurança, cabendo à turma recursal conhecer e rever sua decisão em sede de mandado de segurança impetrado contra seus atos. 4. Assentada a competência da Turma Recursal para julgar o mandado de segurança, nos termos da Súmula 376 /STJ, nada obsta, contudo, a utilização dos meios recursais disponíveis ao impetrante/agravante, no caso da prolação de julgado teratológico, inclusive do uso da reclamação perante essa Superior Corte de Justiça. 5. Agravo regimental não provido. ( AgRg no RMS XXXXX/MT , Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 24/02/2012) Assim, diante das provas coligidas nos autos, entendo que a decisão do Juízo a quo merece ser reformada, devendo os autos retornarem à instância original, para o regular processamento do feito. Face ao exposto e tudo mais que dos autos consta, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO ao recurso, para anular a sentença proferida, determinando o retorno dos autos ao Juízo a quo, para o regular processamento do feito. Sem condenação em custas e honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.099 /95. Não havendo a interposição de mais recursos, após o decurso dos prazos recursais, deverá a Secretaria das Turmas Recursais certificar o trânsito em julgado e promover a baixa dos autos ao MM. Juízo de origem. Salvador, data certificada pelo sistema. Ivana Carvalho Silva Fernandes Juíza Relatora JRPBVB