ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Cachoeiro de Itapemirim - 4ª Vara Cível Avenida Monte Castelo, S/N, Fórum Desembargador Horta Araújo, Independência, CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM - ES - CEP: 29306-500 Telefone:(28) 35265825 PROCESSO Nº XXXXX-77.2021.8.08.0011 REINTEGRAÇÃO / MANUTENÇÃO DE POSSE (1707) REQUERENTE: MARCELO FACINI REQUERIDO: MARCO AURELIO Advogados do (a) REQUERENTE: GERALDO LUIZ DE SOUZA MACHADO - ES5099, LUCAS LAZZARI SERBATE - ES17350 Advogado do (a) REQUERIDO: ANDRESSA DOS SANTOS NASCIMENTO MARCAL - ES27693 SENTENÇA 1. Cuida-se de ação de reintegração de posse com pedido de demolição c/c tutela de urgência proposta por ESPÓLIO DE RUY FACINI , representado por seu legítimo herdeiro, Marcelo Facini , em face de MARCO AURÉLIO FERREIRA onde a alegação autoral é de que é proprietário de um imóvel localizado na rua Antônio Cordeiro , nº 5, Bairro Marbrasa, Cachoeiro de Itapemirim/ES, CEP: 29313-660. Todavia, sustenta que há pouco tempo sofreu esbulho por Marco Aurélio , ora requerido, que tomou para si a posse do objeto da demanda, dando início a construções e até alienação para terceiros. Requer, liminarmente, que o réu seja impedido de fazer qualquer tipo de construção civil, alienação ou outras intervenções dentro do limite do lote de terreno acostado acima, sob matrícula 43.626, livro número 2, ficha 1. No mérito, requer reintegração de posse com determinação de demolição das edificações já feitas. 2. Devidamente citado (fls. 43), o requerido apresentou contestação (fls. 49/55) aduzindo, preliminarmente, inépcia da petição inicial e, no mérito, que adquiriu o imóvel de boa-fé no ano de 2001, conforme recibo de compra e venda juntado com a peça de defesa (fl. 62). Requereu gratuidade de justiça e improcedência do pleito inicial. 3. Réplica às fls. 79/85. Em manifestação do requerido quanto à réplica apresentada pelo autor, impugnou o documento juntado em fl. 86, referente a suposta notificação extrajudicial assinada pelo representante do espólio de Ruy Facini , alegando não ter recebido. 4. Decisão saneadora do feito às fls.90/91 indeferindo a tutela de urgência, afastando a preliminar de inépcia da inicial e deferindo o pedido de gratuidade de justiça feito pelo requerido. 5. Audiência de instrução de julgamento no evento de ID XXXXX, onde foram tomados depoimentos pessoais das partes e ouvidas testemunhas. 6. Alegações finais pelo autor (ID XXXXX) e pelo réu (ID XXXXX). 7. Algumas considerações acerca dos institutos da propriedade e da posse merecem ser registradas. Vejamos: 8. Estabelece o art. 1.228 do CC o que “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. 9. Assim, tem-se que a propriedade é um conceito jurídico caracterizado pela manifestação do direito real de usar, fruir, dispor e reivindicar a coisa, sem prejuízo a sua função social, 10. Quanto à posse, o art. 1.196 do CC prevê que “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. 11. De tal modo, é cediço que a posse é o exercício de alguns dos direitos inerentes a propriedade. Nesse contexto, entende-se que “o Código mantêm-se fiel à teoria objetiva de Ihering, definindo a posse como a exteriorização de um ou alguns dos poderes ínsitos à propriedade, quais sejam, o de usar, fruir (gozar), dispor ou reaver o bem, no caso de quem quer que detenha ou, até mesmo, seja proprietário não possuidor do bem, de vez que permanece a autonomia do instituto em relação à propriedade”. ( MELO, Marco Aurélio Bezerra de , Novo Código Civil Anotado, 2ª edição, 2003, pág. 2) 12. Quanto às distinções, a posse é antes de tudo um fato, enquanto a propriedade é antes de tudo um direito. Assim, o direito do possuidor é consequência do fato de sua posse (jus possessionis), ao passo em que a posse do proprietário é consequência do seu direito de possuir (jus possidendi). 13. Pois bem. No caso em análise o autor requer reintegração da posse de um terreno com área de 600m², localizado na rua Antônio Cordeiro , nº 5, Bairro Marbrasa, Cachoeiro de Itapemirim/ES, CEP: 29313-660, registrado sob matrícula 43.626, livro número 2, ficha 1, alegando ter sofrido esbulho em sua posse. 14. Neste passo convém esclarecer que o esbulho possessório é um termo jurídico utilizado para descrever a ação de tomar posse de um bem de forma ilegal, sem o devido direito ou autorização. Ele ocorre quando alguém, sem qualquer amparo legal, ingressa em uma propriedade e priva o legítimo possuidor do uso e gozo do bem. Assim, para que se tenha sucesso em ação de reintegração de posse, é necessário comprovar que o bem foi tomado de forma violenta ou clandestina, bem como que o requerente tinha a posse legítima do bem antes do esbulho. 15.. Os art ’s. 560 e 561 do Código de Processo Civil estabelecem o seguinte: “Art. 560 . O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho. Art. 561. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração”. 16. No caso dos autos, as provas produzidas não demonstram que houve esbulho possessório realizado pelo requerido, posto que não há comprovação de ter o autor tido posse do imóvel, objeto da demanda, bem como não há comprovação acerca do esbulho e da data de sua ocorrência. Sobre o tema já se manifestou o TJES, verbis: XXXXX - APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. REQUISITOS DO ART. 561 DO CPC . ESBULHO POSSESSÓRIO. AUSÊNCIA DE PROVA. ÔNUS PROBATÓRIO. RECURSO DESPROVIDO. HONORÁRIOS RECURSAIS. 1 - A procedência do pedido de reintegração de posse exige a comprovação da posse anterior, do esbulho e da data em que ocorrido, nos termos do já citado artigo 561 , do Código de Processo Civil . 2 - A teor do disposto no art. 373 , I , do CPC , compete ao Autor fazer prova do fato constitutivo de seu direito e inexistindo provas da alegada invasão no terreno a manutenção da improcedência do pedido é medida que se impõe. 3 - Recurso desprovido, com fixação de honorários recursais. (TJES; AC XXXXX-97.2011.8.08.0048 ; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Arthur José Neiva de Almeida ; Julg. 24/04/2023; DJES 08/05/2023) 17. Ademais, o documento trazido pelo requerido com a peça de defesa –recibo de compra e venda (fl. 62) - demonstra que o imóvel foi adquirido de boa-fé, no ano de 2001, não tendo o autor comprovado qualquer resistência quanto à referida posse do requerido antes da propositura da presente demanda, em 2021. 18. Aliás, de se ressaltar neste ponto que em depoimento pessoal o autor informou que seu primo, Alexandre Mesquita Facini , vendia terrenos naquela localidade. O que reforça a boa-fé do requerido quando da aquisição do imóvel. 19. Neste pao, convém reproduzir os termos do art. 1.201 e ssss, do CC, que assim estabelecem: “Art. 1.201 . É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção. Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida”. 20. Na lição de Marco Aurélio Bezerra de Mello , “se observarmos com atenção, é na posse que a propriedade é vivificada. Com efeito, talvez seja mais inteligente resgatar a ideia de causa do negócio jurídico para intuirmos sobre o alcance do justo título, ou seja, se o possuidor conseguir demonstrar por qualquer meio legítimo, uma relação jurídica que dê suporte à sua posse, como por exemplo, uma dação em pagamento em decorrência de serviços prestados, ou uma permuta com uma área, estaremos diante de um justo título e, portanto, a boa-fé estaria presumida”. ( MELO, Marco Aurélio Bezerra de , Novo Código Civil Anotado, 2ª edição, 2003, pág. 11) 21. Assim, de ser considerado “justo título” o recibo de compra e venda juntado pelo requerido na fl. 62. 22. Deste modo, não restando demonstrados os alegados atos de esbulho, a data de sua ocorrência, tampouco a perda da posse pelo autor, e tendo o requerido comprovado que adquiriu o imóvel de boa-fé, entendo que a presente demanda reintegratória, cuja comprovação dos requisitos se revelam indispensáveis ao acolhimento do pleito exordial, não comporta procedência. 23. Ante ao exposto, julgo improcedentes os pedidos iniciais, resolvendo o mérito na forma do art. 487 , I do CPC . 24. Custas e honorários no percentual de 20% sobre o valor da causa pela parte autora, que está amparada pelo AJG. 25. PRI. CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM-ES, 6 de março de 2024. Juiz (a) de Direito