EMENTA: RECURSO INOMINADO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO MATERIAL E MORAL. DESCARGA ELÉTRICA QUE OCASIONARA A QUEIMA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS DA AUTORA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA. LAUDO TÉCNICO VÁLIDO. DESNESSECIDADE DE LAUDO ELABORADO POR ENGENHEIRO. DANO MATERIAL COMPROVADO. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. ADMISSIBILIDADE. O recurso é adequado; a intimação da sentença ocorrera em 28/04/2020 (ev. 66); o presente recurso fora interposto em 06/05/2020 (ev. 67), dentro do prazo legal, sendo, portanto, tempestivo; satisfeitos os demais pressupostos recursais, deve ser o recurso conhecido. 2. EXORDIAL. A parte promovente ajuizara ação para ser materialmente e moralmente indenizada, em função de curto circuito na rede elétrica de sua fazenda que ocasionara na queima de todos os aparelhos elétricos que estavam conectados na tomada: máquina de lavar roupas (R$ 610,00); dois televisores (R$ 1.059,00 e R$ 1.766,90); bomba submersa e chave conectora do poço semi artesiano, o qual, conforme laudo técnico, terá que ser refeito (R$ 8.125,00). Aduzira ter entrado em contato com ré no mesmo dia (protocolo XXXXX), oportunidade em que a empresa lhe comunicara que enviaria uma equipe técnica à área, o que não ocorrera. Ligara outras vezes para a concessionária de energia e realizara queixa administrativa na sede da empresa para ser ressarcida dos seus prejuízos (protocolos anexos), mas não obtivera êxito. Apresentara laudos técnicos dos aparelhos danificados. Requerera a condenação da ré em danos materiais (R$ 11.560,00) e morais (R$ 10.000,00) (ev. 01). 3. CONTESTAÇÃO. A fornecedora/distribuidora de energia elétrica, por seu turno, preliminarmente, aventara a incompetência do Juizado Especial Cível em razão da complexidade da matéria. No mérito, aduzira que não fora encontrado em seus sistemas informatizados perturbação no sistema elétrico da propriedade da autora na data informada na inicial. Alegara que os danos podem ter sido ocasionados por problemas na rede interna do imóvel, a qual não é de sua responsabilidade, e que a autora não comprovara que as avarias nos aparelhos eletrônicos citados se dera por oscilação/queda no fornecimento de energia elétrica. Ressaltara a inexistência de abalo moral indenizável (ev. 10). 4. IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO. Em réplica, a promovente afirmara que a preliminar suscitada confunde-se com o mérito da causa e ressaltara o abalo moral que sofrera, tanto pelo descaso da empresa requerida, como pelos danos em seus eletrodomésticos e inutilização de sua bomba de água (ev. 12). 5. LAUDO TÉCNICO. Após audiência de instrução (ev. 33), fora realizada vistoria na propriedade da autora, tendo sido apresentado Laudo Técnico que atestara defeitos na rede elétrica fornecida pela concessionária (ev. 49). 6. SENTENÇA. O juízo a quo julgara parcialmente procedentes os pedidos da inicial e condenara a promovida ao pagamento de indenização moral no importe de R$ 3.000,00, atualizados monetariamente pela taxa SELIC desde a publicação da sentença e danos materiais no valor de R$ 11.560,00, corrigidos pelo INPC da data da propositura da ação e com juros de mora de 1% a.m a partir da citação (ev. 64). 7. RECURSO INOMINADO. Irresignada, a concessionária interpusera recurso inominado, aventando, preliminarmente, a incompetência do juízo ante a complexidade da matéria. No mérito aduzira: a) os laudos técnicos apresentados foram elaborados com base nas suas informações da autora e por empresa proponente a fornecer novo equipamento; b) os danos também podem ter ocorrido por problemas internos da rede elétrica e é responsabilidade da autora manter a adequação técnica e a segurança das instalações após o ponto de entrega; c) não há comprovação de nexo de causalidade entre a suposta falha no serviço de fornecimento de energia elétrica com o dano narrado; d) o técnico que realizara a visita na propriedade da autora não possui registro no CREA como engenheiro eletricista e sua carteira profissional como técnico fora emitida em 05/02/20 pelo Conselho dos Técnicos Industriais (o laudo fora dado em 08/10/2019); e) o laudo não descreve os métodos utilizados e não esclarece os pontos requeridos pelo magistrado; f) a solicitação de reembolso deve vir instruída com pelo menos 3 orçamentos distintos; g) não houvera abalo moral indenizável (ev. 67). 8. CONTRARRAZÕES. Em contrarrazões, a promovente repisara e reforçara os argumentos iniciais e de sua impugnação à contestação, especialmente o de que além das avarias em seus aparelhos eletrônicos, a fazenda ficara sem água em razão da queima do seu poço artesiano, o que lhe gerara diversos transtornos (ev. 71). 9. FUNDAMENTOS DO REEXAME. 9.1. PRELIMINAR. Com relação a preliminar de incompetência do Juizado Especial Cível para a apreciação do feito em virtude da complexidade da questão discutida, destaca-se que as provas constantes dos autos revelam-se suficientes para elucidar a demanda, sendo prescindíveis maiores dilações probatórias. Preliminar rejeitada. 9.2. RELAÇÃO DE CONSUMO. Convém inicialmente observar que a relação entre os litigantes constitui típica relação de consumo (art. 2º e 3º do CDC ). Frente a verossimilhança das alegações e à hipossuficiência material da autora, mister se faz a inversão do ônus da prova, devendo também ser considerada a facilitação de defesa do consumidor (art. 6º , VIII , CDC ). 9.3. RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA. Conforme cediço, doutrina e jurisprudência entendem que a concessionária possui responsabilidade objetiva quanto aos defeitos relativos à prestação dos serviços (art. 37, § 6º da CF e art. 12 do CDC ), só não se responsabilizando pelos prejuízos amargados quando presentes umas das excludentes do art. 14 , § 3º do CDC (defeito de serviço inexistente ou culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro) ou por caso fortuito e força maior. Assim, cabia à concessionária demonstrar que não houvera oscilação no fornecimento de energia ou, se houvera, que comprovasse a culpa exclusiva da consumidora, caso fortuito ou força maior, ônus do qual não se desincumbira (art. 373 , I , CPC ). Reexaminando os autos nota-se que a ré limitara-se a afirmar que seus sistemas informatizados não encontraram nenhuma ocorrência de perturbação elétrica na propriedade da autora no período narrado, não trazendo aos autos nenhuma prova específica da efetiva prestação do serviço, o que lhe seria de fácil produção. De outro lado, restara devidamente demonstrado o nexo de causalidade decorrente da falta de cuidado da empresa requerida, que possuía a responsabilidade de zelar pelo bom funcionamento da rede elétrica, com a descarga elétrica que acarretara na queima dos equipamentos da autora, pois os laudos apresentados na inicial (ev. 1, arq. 7) descrevem a razão que gerara danos nos aparelhos (?descarga de energia elétrica?, ?oscilações de tensão além do permitido? e ?descargas atmosféricas?), enquanto o laudo técnico do ev. 49 informa defeito na rede elétrica da concessionária (?o aterramento esta acima do valor permitido? e ?não tem DPS de proteção atmosférica instalado na medição da rede?). 9.4. VALIDADE DO LAUDO TÉCNICO. Conforme muito bem observara o magistrado singular, o registro do técnico em eletrotécnica junto ao CREA não é mais necessário para a elaboração de laudos técnicos (Lei n. 13.639 , de 26 de março de 2018). Segundo o art. 2º, II, 1, da Resolução do Conselho Federal dos Técnicos Industriais ? CFT nº 74 de 05/07/2019: ?As atribuições profissionais dos técnicos industriais com habilitação em eletrotécnica para efeito do exercício profissional, consistem em: I ? Prestar assistência técnica e assessoria no estudo de viabilidade e desenvolvimento de projetos e pesquisas tecnológicas, ou nos trabalhos de vistoria, perícia, avaliação, arbitramento e consultoria em Eletrotécnica, observados os limites desta Resolução, bem como exercer, dentre outras, as seguintes atividades: 1 ? Coletar dados de natureza técnica, assim como analisar e tratar resultados para elaboração de laudos ou relatórios técnicos, de sua autoria ou de outro profissional?. Ademais, verifica-se que, em que pese o documento de registro profissional de Vanilson Gonçalves Souza ter sido emitido em 05/02/20 (ev. 57, arq. 1), ele está registrado no conselho desde 08/09/2004, sendo plenamente válido o laudo técnico elaborado. 9.5. DANOS MATERIAIS. No tocante aos danos materiais, para que se imponha o dever de indenizar, é necessária a comprovação do efetivo dano patrimonial sofrido, porquanto, ao contrário dos danos morais, estes não se presumem e devem ser devidamente comprovados pela parte que alega tê-los sofrido, o que ocorrera no caso em apreço. Destaca-se que a autora juntara fotos dos equipamentos queimados pela descarga elétrica (ev. 1, arq. 6), especificação de cada aparelho queimado (ev. 1, arq. 5), laudos técnicos de avaliação dos prejuízos (ev. 1, arq. 7) e orçamento daqueles que não poderiam ser consertados (ev. 1, arq. 11), devendo ser mantido o quantum fixado pelo juízo a quo (R$ 11.560,00). 9.6. DANOS MORAIS. A queima dos equipamentos eletrônicos descritos na inicial, especialmente a do poço semi artesiano, extrapola a esfera do mero dissabor, posto que a consumidora se vira privada de serviços de primeira necessidade (água), obrigando-a a utilizar a água do rio ou depender da ajuda de vizinhos, colocando-a em diversas situações constrangedoras e degradantes. Além do mais, a parte promovente demonstrara ter procurado a tutela administrativa em diversas oportunidades (mencionara vários números de protocolos de atendimento junta à concessionária de energia), além da busca do Judiciário para resolver a lide. Configurado o abalo moral, tanto pela via crucis percorrida e desídia da parte promovida, quanto pela situação degradante que se vira a autora, afigurando-se razoável e proporcional o valor fixado pelo juiz singular (R$ 3.000,00). 9.7. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. Importante ressaltar que os juros moratórios e a correção monetária são acessórios e consectários lógicos da condenação e constituem matéria de ordem pública, de modo que a alteração dos termos iniciais, de ofício, não configura reformatio in pejus. Precedente do STJ (3ª Turma, AgRg no REsp nº. 1.394.554/SC, Relator Ministro João Otávio Noronha , DJ de 21/09/2015). No caso em julgamento, por se tratar de relação contratual, no que concerne ao dano material, a correção monetária incidirá da data do evento danoso (súmula 43 do STJ) e os juros de mora a partir da citação válida. Já no que tange aos danos morais, a correção monetária incide desde a data do seu arbitramento (súmula 362 do STJ) e os juros de mora a partir da citação válida. 10. DISPOSITIVO. Recurso conhecido e desprovido. Custas e honorários pela parte recorrente, sendo estes fixados em 15% do valor da condenação.