AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 16 DA LEI Nº 8.429 /92, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 14.230 /21. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICABILIDADE IMEDIATA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. PROBABILIDADE DA OCORRÊNCIA DO ATO ÍMPROBO (FUMUS BONI IURIS) E DEMONSTRAÇÃO CONCRETA DO PERIGO DE DANO IRREPARÁVEL OU DO RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO (PERICULUM IN MORA). REQUISITOS CUMULATIVOS NÃO PREENCHIDOS. MEDIDA LIMINAR REVOGADA. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA REFORMADA. 1. O cerne da controvérsia cinge-se em aferir a higidez da decisão interlocutória que, em sede de ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público que imputa ao agravante a conduta ímproba de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente (art. 10 , inciso VIII , da Lei nº 8.429 /92), indeferiu o pedido de desbloqueio dos valores constantes das suas contas bancárias, mantendo-se a indisponibilidade dos seus bens. 2. A decisão do juízo a quo que decretou a indisponibilidade dos bens do agravante foi prolatada em 31/08/2021, antes, portanto, das inovações promovidas à Lei de Improbidade Administrativa pela Lei nº 14.230 de 25 de outubro de 2021. Sucede, todavia, que o requerimento de desbloqueio deduzido pelo recorrente e a respectiva decisão agravada são posteriores à promulgação da Lei nº 14.230 /2021, respectivamente em 17/12/2021 e 12/01/2022, ocasião em que, já à luz do novel art. 16 da Lei nº 8.429 /1992, o magistrado de primeiro grau manteve a indisponibilidade dos bens do agravante. 3. Nessa perspectiva, considerando que a questão foi reapreciada pelo juízo de origem à luz do novel art. 16 da Lei nº 8.429 /1992, revela-se legítima a análise em sede recursal dos requisitos consagrados no aludido dispositivo legal sem que isto implique em supressão de instância, valendo-se destacar, ainda, que se trata de norma de natureza processual, cuja aplicabilidade é imediata, conforme princípio do tempus regit actum (art. 14 do CPC ). Precedentes do TJCE. 4. No que concerne aos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário, tipificados no art. 10 da LIA , passou-se a exigir, além do dolo específico, a efetiva e comprovada perda patrimonial, inclusive para a perfectibilização do ato ímprobo de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente, capitulado no art. 10 , VIII , da Lei nº 8.429 /92, em superação legislativa da jurisprudência até então sedimentada do Superior Tribunal de Justiça de que para a caracterização da improbidade administrativa por ausência de licitação ou dispensa indevida, a lesão aos cofres públicos apresenta-se presumida, ou seja, constitui-se dano in re ipsa, porquanto se subtrai da Administração Pública a oportunidade de contratar a melhor proposta. 5. Depreende-se que as normas de conteúdo estritamente material de caráter punitivo previstas na atual redação da Lei nº 8.429 /92, a exemplo daquelas que descrevem os elementos objetivos e subjetivos dos atos típicos de improbidade administrativa e as sanções cabíveis, são aplicáveis aos casos pendentes de julgamento definitivo, ou seja, não transitados em julgado, como ocorre na espécie. Frise-se, outrossim, a novidade legislativa disposta no § 4º do art. 1º da LIA , segundo o qual aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado na lei de regência os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. Precedentes do TJCE. 6. Além disso, o § 3º do art. 16 da Lei nº 8.429 /92, incluído pela Lei nº 14.230 /2021, passou a exigir expressamente, para fins de deferimento do pedido de indisponibilidade de bens, a presença cumulativa de dois requisitos, quais sejam, i) a probabilidade da ocorrência do ato ímprobo (fumus boni iuris) e ii) a demonstração concreta do perigo de dano irreparável ou do risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), tratando-se de hipótese de tutela provisória de urgência, consoante se infere do § 8º. 7. Sob esse prisma, depreende-se que houve clara superação legislativa da jurisprudência até então sedimentada do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a decretação da indisponibilidade de bens em ação civil pública por ato de improbidade administrativa constituia tutela de evidência, de modo que para o cabimento da medida era suficiente a demonstração, em cognição sumária, do fumus boni iuris, consistente em fundados indícios da prática da conduta ímproba, dispensando-se, portanto, a prova concreta do periculum in mora consubstanciado na dilapidação patrimonial, o qual seria implícito ou presumido. 8. In casu, não se vislumbra, ao menos neste momento processual, anterior à fase de instrução probatória, elementos que evidenciem que o agravante tenha provocado efetiva e concreta perda patrimonial ao erário, doravante exigido pela Lei nº 8.429 /92 para a configuração do ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 , inciso VIII , da LIA , o que afasta o requisito do fumus boni iuris (probabilidade da ocorrência do ato ímprobo). 9. Com efeito, constam dos autos da ação de improbidade administrativa notas fiscais que demonstram que os serviços de assessoria contábil foram efetivamente prestados pelo recorrente ao Município de Paraipaba. Ademais, o relatório técnico de inspeção do Tribunal de Contas dos Municípios ¿ TCM que instrui a petição inicial aponta tão somente irregularidades de natureza meramente formal no processo de dispensa da licitação, tais como ausência da descrição dos serviços a serem executados, da periodicidade, da quantidade de profissionais a serem contratados, da forma como se dará a execução dos serviços e inexistência de publicação do termo de ratificação em imprensa oficial. 10. A propósito, o próprio Parquet aduz em sua peça exordial que não questiona a capacidade técnica da empresa contratada, bem como fundamenta a acusação no fato de que na dispensa indevida de licitação o dano ao erário é presumido (in re ipsa), na medida em que a Administração Pública deixa de contratar a proposta mais vantajosa, eficiente e econômica, entendimento, no entanto, que resta superado diante da superveniência da Lei nº 14.230 /2021, haja vista que a nova redação do art. 10 , VIII , da LIA não mais admite a mera presunção de que tenha havido perda patrimonial, sendo imprescindível a demonstração da efetiva, real e concreta lesão ao patrimônio público. 11. Se não bastasse isto, também não se verifica o requisito do periculum in mora (demonstração concreta do perigo de dano irreparável ou do risco ao resultado útil do processo), uma vez que o Ministério Público não logrou êxito em demonstrar concretamente que o agravante esteja de fato se desfazendo do seu patrimônio ou na iminência de fazê-lo, de modo a dificultar ou frustrar eventual e futuro ressarcimento dos danos ao erário. Precedentes. 12. Agravo de Instrumento conhecido e provido. Decisão interlocutória reformada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 3ª Câmara Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do Agravo de Instrumento, a fim de dar-lhe provimento, tudo nos termos do voto da relatora, parte integrante deste. Fortaleza, data e hora informadas pelo sistema. DESEMBARGADORA JORIZA MAGALHÃES PINHEIRO Relatora