PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. USO INDEVIDO DE SIMBOLO PÚBLICO. ART. 296 , § 1º , III , CP . USO DE ANILHAS ADULTERADAS. CRIME CONTRA A FAUNA. PÁSSAROS SILVESTRES. ART. 29 , § 1º , III , LEI 9.605 /98. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS MANTIDAS. PENA-BASE MANTIDA. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS DO CASO CONCRETO. PERDÃO JUDICIAL. ART. 29 , § 2º , LEI 9.605 /98. NÃO CONCEDIDO. RECONHECIMENTO DO CONCURSO FORMAL, DE OFÍCIO. RECURSO DEFENSIVO IMPROVIDO. 1. Nesta hipótese fática, não se pode aceitar tratar-se de caso a ser abrangido pela teoria do princípio da insignificância penal, sendo preciso consignar que o bem juridicamente tutelado não se resume na proteção de alguns espécimes, mas sim do ecossistema, como um todo, que está ligado, intimamente, à política de proteção ao meio ambiente, como direito fundamental do ser humano, direito de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Na verdade, a lei cuida não só da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida da sociedade hodierna, como também das futuras gerações, em obediência ao princípio da solidariedade em relação aos que estão por vir, previsto no artigo 225 da Carta Magna (direito fundamental de terceira geração). Nesse diapasão, chega-se à conclusão de que o direito ao meio ambiente equilibrado é assegurado pela Constituição Federal como direito fundamental de terceira geração, que está diretamente relacionado com o direito à vida das presentes e das futuras gerações. Não pode, portanto, o Judiciário violar a intenção do legislador, expressa na lei, que teve como substrato a obrigatoriedade da proteção ambiental, estampado no artigo 225, da Constituição Federal , ao proclamar que o Poder Público e a coletividade devem assegurar a todos a efetividade do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. Sendo assim, a manutenção de espécimes da fauna silvestre, desprovidas da devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente não pode, em hipótese alguma, ser considerada irrelevante penalmente, ainda mais quando praticado em concurso com outro crime, qual seja, o previsto no artigo 296 , § 1º , inciso I , do Código Penal . Logo, o princípio da insignificância não se aplica ao caso vertente. 2. No caso em tela, os delitos narrados na exordial, quais sejam, art. 296 , § 1º , I , do Código Penal (uso de anilhas do IBAMA falsas ou adulteradas) e art. 29 , § 1º , III , da Lei 9.605 /98 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção. Com efeito, não há que se falar em absorção de um delito por outro, isto é, a adulteração de anilhas não é crime meio para a consumação do delito de guarda ilegal de pássaros. 3. A materialidade dos crimes não foi objeto de recurso, ademais, restou devidamente comprovada nos autos pelos Auto de Prisão em Flagrante, Termo de Apreensão, Auto de Apresentação e Apreensão, Boletim de Ocorrência Ambiental, Auto de Infração Ambiental e Laudo Pericial, assim como pelos depoimentos prestados pelas testemunhas e pelo próprio réu, tanto em sede policial quanto em Juízo. 4. A autoria dos delitos também restou amplamente demonstrada pelas circunstâncias fáticas do caso, aliadas à prova oral colhida. Apesar das contradições existentes no depoimento do acusado, em Juízo, é possível constatar que ele possuía pleno conhecimento de que a manutenção em cativeiro de aves silvestres, sem a devida autorização, é proibida, e que ele tinha ciência da irregularidade das anilhas encontradas em seu poder. Vale mencionar que o recorrente é um criador de pássaros, registrado no IBAMA, há anos. Logo, tem como dever conferir o número e a regularidade da anilha ao adquirir cada ave. Além disso, não é razoável que não tenha atentado para a situação das anilhas nos pássaros que estava adquirindo ou trocando, já que não se trata de pessoa leiga. Ademais, as explicações dadas pelo réu não convencem, diante do conjunto probatório carreado aos autos e das próprias declarações que prestou em sede policial. Obviamente que, somente por conta disso, não se pode concluir ser o réu o autor da falsificação, mas, por outro lado, não há como eximi-lo da prática do uso indevido das anilhas falsificadas, uma vez que tinha condições de aferir que as mesmas estavam adulteradas, bem como tinha a obrigação de notificar o órgão competente quanto a possíveis irregularidades encontradas. Desse modo, ao utilizar anilhas adulteradas, assim como animais sem a devida identificação, procedeu à guarda de espécimes da fauna silvestre em situação irregular. 5. Diante desse contexto, conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade, a autoria e o dolo dos crimes, devendo ser confirmada a r. sentença, a fim de manter-se a condenação do réu pela prática dos crimes previstos nos artigos 29 , § 1º , III , da Lei 9.605 /98 e 296 , § 1º , III , do Código Penal . 6. Dosimetria das penas mantidas. 7. A defesa não se insurgiu quanto à dosimetria da pena, mas pugna pelo perdão judicial, com fundamento no § 2º do art. 29 da Lei n. 9.605 /98, alegando que o réu mantinha os animais apreendidos apenas para fins domésticos, conforme comprovado pelo depoimento das testemunhas de defesa, e os animais não estavam sob ameaça de extinção. No caso, embora não se trate de espécies ameaçadas de extinção, não restou suficiente comprovado, nos autos, tratar-se de guarda doméstica de espécie silvestre. Há indícios de prática comercial, pois, no local, foi encontrado armadilha para captura de aves e, conforme o depoimento dos policiais, a esposa do acusado informou que várias pessoas, nos finais de semana, iam à residência para fazer transações. Soma-se a isso o fato de o réu guardar anilhas adulteradas fora do dorso dos animais. Por todo exposto, as circunstâncias da prática delitiva não ensejam o perdão judicial, em razão da gravidade da conduta. 8. Pena reformada em razão do reconhecimento do concurso formal de ofício - majoração em 1/6 da maior pena (do artigo 296 do Código Penal ). Pena definitiva: 02 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão (artigo 70 do Código Penal ) e 11 (onze) dias-multa (artigo 72 do Código Penal ). 09. Regime aberto mantido. Valor do dia-multa fixado no mínimo legal. 10. Mantida a substituição da pena privativa de liberdade (artigo 44 do Código Penal ) nos termos da sentença. 11. Recurso defensivo improvido.