PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE EDIFICAÇÕES. ZONA DE VIDA SILVESTRE. AÇÃO CONSUMADA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965. APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA LEI MAIS RESTRITIVA. I - Na origem, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Púbico do Estado de São Paulo objetivando a demolição de edificações em APP e a reparação dos danos ambientais com a restauração da vegetação, além de indenização por danos patrimoniais ambientais. Na sentença, julgaram-se procedentes os pedidos. No Tribunal a quo, a sentença foi parcialmente reformada apenas para conceder o prazo de 12 meses para os réus iniciarem a demolição respectiva, salvo se obtiverem licença ambiental. Nesta Corte, conheceu-se do agravo para dar provimento ao recurso especial a fim de restabelecer a sentença. II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, em se tratando de matéria ambiental, deve-se analisar a questão sob o ângulo mais restritivo, em respeito ao meio ambiente, por ser de interesse público e de toda a coletividade, e observando, in casu, o princípio tempus regit actum. III - A alegação comum nos recursos, relativamente ao descabimento da utilização do Novo Código Florestal ? Lei n. 12.651 /2012 ? à hipótese dos autos, uma vez que o ato atacado pela ação originária foi consumado na vigência do anterior Código ? Lei n. 4.771 /1965 ?, veja-se como deliberou o acórdão recorrido sobre o tema, in verbis (fls. 815-816): "[...] Todas as construções encontram-se acima da cota 1.110,67, área protegida segundo a LF nº 4.771/65 e Resolução CONAMA nº 4/85. A análise feita até aqui denota a falta de razão - dos réus, conforme analisado na sentença. No entanto, a LF nº 12.651/12 de XXXXX-5-2012 alterou a definição do topo de morro; a Câmara Ambiental tem aplicado as novas disposições legais, não vendo nelas a inconstitucionalidade mencionada pelo Ministério Público a fls. 701, vol. 4. Como indicou a perita, com base no art. 4º , IX da LF nº 12.651/12 a situação do imóvel assume outra configuração: apenas 3,30% do imóvel estão inseridos em APP de curso d'água, enquanto 96,70% do imóvel estão fora de área de preservação permanente, inclusive os platôs e as construções (fls. 492, 496, vol. 3). A ocupação não ocorre mais em área protegida e a inexistência do topo de morro afasta o pedido, por essa causa, de demolição das construções."IV - O Tribunal a quo foi claro ao sustentar que os réus não teriam razão na sua tese de defesa, chegando a ratificar a fundamentação da sentença de que todas as construções em questão estariam acima da cota permitida pelo Código Florestal de 1965 e toda legislação de regência, situação que não poderia persistir. Tudo devidamente comprovado pelas respectivas perícias, conforme a leitura do decisum. V - Dispôs sobre a possibilidade de incidência do Novo Código à hipótese dos autos, legislação que alterou definições de matas e outros, descaracterizando situações de proteção ambiental anteriormente definidas, reduzindo-as. VI - Ocorre que o fato aqui discutido tem origem nas construções, que datam da vigência do Código de 1965, no que o posicionamento adotado no acórdão recorrido está em total desacordo com a jurisprudência deste Tribunal. Confira-se: ( AgInt no AREsp n. 1.491.883/SP , relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 12/11/2019, DJe 26/11/2019, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.719.149/SP , relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 19/9/2019, DJe 24/9/2019, AgInt no REsp n. 1.708.568/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 3/3/2020, DJe 10/3/2020 e AgInt no AREsp n. 1.044.947/MG , relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 25/10/2018, DJe 4/12/2018). VII - Assim também foi a manifestação do representante do Ministério Público Federal, in verbis (fls. 1.164-1.171):"Em verdade, o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651 /12) representa retrocesso na proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, protegido pela Constituição Federal , em seu art. 225 , § 1º , I e III . As Leis nº 4.771 /65 e 6.983/81, em vigor quando da autuação dos réus pela infração ambiental, previa que o topo dos morros era área de preservação permanente. Assim, é correta a prevalência da norma mais benéfica ao meio ambiente, que é direito fundamental e difuso, preterindo-se o direito individual do desmatador. Nesse sentido, esse Superior Tribunal tem impedido a retroatividade de normas que abrandam a responsabilidade sobre os danos ambientais. [...]."VIII - Há de ser restabelecida a sentença que analisou o caso tendo em conta o Código Florestal de 1965, afastando a incidência do Novo com a seguinte conclusão:"(...) Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE os pedidos, para: a) ordenar, de forma solidária, aos réus LUIS FERNANDO PASSOS GEREVINI e ENZA SANTORO, as demolições das duas edificações que estão no imóvel (casa de veraneio e casa de caseiro), no prazo de 60 dias do trânsito em julgado desta sentença, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada a 60 dias e destinada ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados, sem prejuízo de se determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ( CPC , art. 461 ); b) determinar aos réus que se abstenham de explorar e ocupar a referida área de Zona de Vida Silvestre e de nela promover ou permitir que se promovam atividades danosas ao meio ambiente; c) determinar aos réus, solidariamente, a recomposição da vegetação nativa, conforme projeto de recuperação da área degradada - PRAD, aprovado pela Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais - CBRN, que deverá ser apresentado no prazo de 60 dias do trânsito em julgado desta sente nça; d) condenar os réus, solidariamente, ao pagamento dos danos ambientais irreversíveis, a serem avaliados na fase de execução da sentença, após a execução específica das medidas de recuperação do ambiente degradado, por perito habilitado na matéria de valoração de danos ambientais."IX - O acolhimento do respectivo tópico da pretensão, suficiente para restabelecer a decisão monocrática in totum, leva à perda do objeto das demais pretensões esposadas em ambos os recursos. X - A alegação dos agravados, ao atender o despacho de fls. 1.179-1.180, de que estaria cumprida a condição de exceção prevista pelo acórdão para a manutenção das construções, à consideração de que teriam parecer técnico emitido pela Cetesb de que o imóvel não estaria em área de preservação permanente, por si só, não leva, nem de longe, à perda do objeto dos recursos dos agravantes. XI - O citado parecer não tem força suficiente para tanto, até porque foi elaborado com base no Novo Código Florestal (fls. 1.183- 1.184), legislação que não pode ser aplicada à hipótese, conforme fundamentação contida na presente decisão. XII - Agravo interno improvido.