APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA. AUTOS DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. SANÇÕES. ADVERTÊNCIA, RETIRADA DOS RESÍDUOS. MULTAS. DISPOSIÇÃO IRREGULAR DE RESÍDUOS SÓLIDOS (GRANDES PROPORÇOES DE TERRA). INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. ESCAVAÇÃO MECÂNICA. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA ESPECIALIZADA. AUTORIZAÇÃO DE ACESSO. ÁREA DE ?BOTA-FORA?. RESÍDUOS POSTERIORMENTE NÃO LOCALIZADOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. EXCLUSIVIDADE. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. NATUREZA SUBJETIVA. JURISPRUDÊNCIA PREVALENTE DO STJ. INFRAÇÕES AMBIENTAIS. COMPROVAÇÃO DA CULPA. NECESSIDADE. LEI Nº 12.305 /2010 (POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS). LEI DISTRITAL Nº 49/1929 (POLÍTICA AMBIENTAL DO DISTRITO FEDERAL). RESOLUÇÃO Nº 307/2002 DO CONAMA. GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL. APELANTE INCORPORADORA IMOBILIÁRIA. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA PRINCIPAL. RESPONSABILIDADE DIRETA OU INDIRETA. IRRELEVÂNCIA. ART. 46, § 2º DA LEI DISTRITAL Nº 41/1989. DESCUMPRIMENTO DAS NORMAS AMBIENTAIS. EMPRESA CONTRATADA. TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE. NEGLIGÊNCIA. COMPROVAÇÃO. CULPA IN VIGILANDO. CLÁUSULA CONTRATUAL. TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. INOCORRÊNCIA. HIPÓTESE DE INVALIDADE POR OBJETO ILÍCITO E VIOLAÇÃO À FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DOS CONTRATOS. INEFICÁCIA CONTRATUAL NA ESFERA ADMINISTRATIVA. INDEPENDÊNCIA DA ESFERA CIVIL. INTRANSCENDÊNCIA DAS PENAS. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS. CLASSIFICAÇÃO. INFRAÇÕES GRAVES E MUITO GRAVES. CONSTATAÇÃO. LEGALIDADE. DESCUMPRIMENTO. REITERAÇÃO. DECURSO DE MAIS DE SETE ANOS. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. MULTAS FIXADAS NO MÍNIMO LEGAL. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O conhecimento da apelação depende da existência dos pressupostos de admissibilidade, dentre eles, a existência de interesse recursal. Não há interesse-utilidade do pedido de autorização de acesso a área de ?bota-fora? para a retirada de resíduos sólidos, diante da constatação, por vistoria, de que não foram posteriormente localizados. 2. O art. 225 , § 3º , da Constituição Federal , dispõe sobre a independência das esferas civil, penal e administrativa: ?As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.? 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ sofreu sensíveis alterações quanto à interpretação da responsabilidade ambiental já prevista no art. 14 , § 1º , da Lei nº 6.938 /81. Com a evolução e a autonomia do sub-ramo jurídico Direito Administrativo Sancionador, o dispositivo teve sua interpretação restringida à responsabilidade civil, de natureza objetiva. Para os demais casos, vigora o regime da responsabilidade subjetiva: é necessária a demonstração da culpa. Precedentes (EAREsp XXXXX/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/05/2019, DJe 02/08/2019 e EDcl no AgInt no REsp XXXXX/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 05/09/2019 et al.). 4. De acordo com o entendimento jurisprudencial prevalente, o art. 51 da Lei nº 12.305 /2010 (Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos) e os arts. 46 e 54, parágrafo único, da Lei Distrital nº 41/1989 (Política Ambiental do Distrito Federal) também devem ser interpretados restritivamente - destaca-se a reparação civil de danos ao meio ambiente, de responsabilidade objetiva, das infrações administrativas por descumprimento de normas de proteção ao meio ambiente, cujas sanções dependem da verificação de culpa. 5. A Lei nº 12.305 /2010 (Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos), de caráter geral, determina expressamente em seus arts. 13 , 20 , 25 , 27 , § 1º e 47 , II a responsabilidade administrativa para as pessoas jurídicas do setor empresarial (no caso, a apelante, incorporadora imobiliária), pela adoção de providências administrativas quanto á implementação e operacionalização do plano de gerenciamento de resíduos sólidos. Excluiu-se expressamente, nos termos do caput do art. 27, a transferência de responsabilidade administrativa para terceiros contratados para coleta, armazenamento, transporte, transbordo, tratamento ou destinação final de resíduos sólidos, ou de disposição final de rejeitos, nos termos da lei e dos regulamentos pertinentes. 6. Resolução nº 307, de 5/7/2002, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama dispõe sobre os deveres impostos aos geradores de resíduos sólidos da construção civil: pessoa jurídica de direito privado, responsável por atividades ou empreendimentos que geram resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados (terra) - arts. 3º, 4º e 10, I. Logo, a legislação ambiental na esfera federal, definiu o empreendedor, pessoa física ou jurídica, como responsável principal pelas infrações ambientais. 7. No Distrito Federal, a responsabilidade direta ou indireta pelos danos ambientais é indiferente para fins de aplicação de sanções administrativas. O art. 46, § 2 º, da Lei Distrital nº 41/1989 dispõe que ?O resultado da infração é imputável a quem lhe deu causa de forma direta ou indireta e a quem para ele concorreu.? (Os responsáveis pelo evento (incorporadora, contratados, subcontratados e terceiros) O regramento local das infrações ambientais é compatível com a responsabilidade subjetiva, inerente ao Direito Administrativo Sancionador, uma vez que os agentes poluidores a qualquer título estão passíveis de autuação, na medida de suas culpabilidades. 8. De acordo com o julgamento proferido pela autoridade administrativa, a culpa da apelante está caracterizada pela negligência, na modalidade culpa in vigilando: omissão de adotar as medidas cabíveis para a devida destinação de resíduos sólidos que foram gerados por sua atividade e de fiscalizar das atividades da empresa contratada, que depositou o resíduo inerte (grandes proporções de terra), em local não autorizado. 9. A pretensão recursal de eximir-se da responsabilidade administrativa, imputando-a em caráter exclusiva à contratada, está em desacordo com a linha de raciocínio que ensejou a alteração da jurisprudência do STJ. A responsabilidade subjetiva visa à possibilidade de exclusão da culpa de eventuais contratados, não do agente poluidor principal, gerador dos resíduos sólidos pela sua atividade empresarial. Precedente. 10. A suposta disposição contratual de responsabilidade exclusiva trata, na verdade, de cláusula indenizatória com vistas à reparação, por perdas e danos, por prejuízos decorrentes da prestação dos serviços que a contratada venha a causar à apelante, contratante, inclusive no caso de descumprimento da legislação ambiental. 11. Eventual cláusula contratual translativa de responsabilidade administrativa seria inválida, por ilicitude do seu objeto - contrariedade às normas de responsabilidade administrativa em matéria ambiental nas esferas federal e distrital ( CC , art. 166 , II )- ou por violação ao princípio da função socioambiental do contrato ( CC , art. 421 ). No mínimo, seria ineficaz, diante da independência da esfera administrativa em relação à civil. Inaplicável, por tanto, o princípio da intranscendência as penas no caso concreto. 12. Comprovado o nexo causal e a negligência (culpa in vigilando) pelo liame de responsabilidade por ato omissivo de fiscalização da apelante, poluidora principal e responsável pelo empreendimento gerador dos resíduos, não há que se falar de nulidade dos autos de infração ambiental. 13. Quanto ao primeiro auto de infração ambiental, a elevada quantidade de terra depositada em desacordo com a autorização concedida à contratada (também autuada em diversas ocasiões) e o decurso de tempo dessa permanência (mais de sete anos) ensejam a classificação da infração como grave pela incidência da agravante do art. 52, IV, da Lei Distrital nº 41/1989. A gravidade dos fatos decorre, na autorização ambiental. Provido o recurso administrativo para aplicação de multa no patamar mínimo para infração grave, não há possibilidade de redução. 14. Sobre o segundo auto de infração, infração continuada é caracterizada pela repetição da ação ou omissão inicialmente punida. e não se trata de uma mesma infração que se prolonga no tempo. A legislação considera o não atendimento de auto de infração, ainda que pelos mesmos motivos, uma infração administrativa autônoma, com consequências ainda maiores. Logo, não há bis in idem na lavratura de novo auto de infração pelo descumprimento de determinação anterior da autoridade competente. Tal fato enseja a classificação desta conduta no patamar muito grave pela incidência de simultânea de duas agravantes: infração continuada e consequências gravosas ao meio ambiente, conforme previsão no art. 48, III da Lei Distrital nº 41/1989. Aplicada a multa no mínimo legal para esse tipo de infração, é impossível reduzi-la. 15. O último auto de infração constatou a permanência do descumprimento de todas as determinações anteriores e caracteriza infração autônoma. Apesar disso, ensejou as penas de advertência para retirada imediata dos resíduos sólidos e a multa diária de 1 (um) UFDF, no valor de R$ 375,17 (trezentos e setenta e cinco reais e dezessete centavos), motivo pelo qual é legal e proporcional. 16. Recurso conhecido em parte e não provido. Honorários advocatícios majorados.