VOTO-EMENTA PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. FALTA DE CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. 1. Ação movida em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a concessão do benefício de auxílio reclusão. 2. Sentença de improcedência, proferida nos seguintes termos: “Dispensado o relatório (Lei n.º 9.099 /1995, artigo 38 , “caput”; Lei n.º 10.259 /2001, artigo 1º). Pedido de concessão de auxílio-reclusão deduzido pelos dependentes de segurado recluso. Indeferimento administrativo fundamentado na ausência de comprovação do encarceramento do segurado em regime prisional fechado. Prisão ocorrida na vigência da Medida Provisória n.º 871 /2019. Defesa do Instituto Nacional do Seguro Social calcado na tese do não cumprimento dos requisitos legais para a concessão do benefício. Manifestação conclusiva do Ministério Público Federal pelo regular prosseguimento da demanda. De início, registro que as alterações introduzidas na Lei n.º 8.213 /1991, pela Medida Provisória n.º 871 /2019 (vigente entre 18/01/2019 a 17/06/2019), aplicam-se à espécie em razão do aforismo “tempus regit actum” , a enunciar a observância da norma vigente ao tempo da ocorrência do fato gerador da contingência social protegida (“in casu”, a prisão em regime fechado). O auxílio-reclusão é o benefício previdenciário previsto no artigo 201 , inciso IV , da Constituição Federal ; artigo 13 , da Emenda Constitucional n.º 20 /1998; artigo 80 , da Lei n.º 8.213 /1991 e artigo 116 , do Decreto n.º 3.048 /1999 e, nos termos da jurisprudência pacificada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ( RE XXXXX/SP e RE XXXXX/SC , Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25/03/2009), está condicionado ao preenchimento dos seguintes requisitos: a) a qualidade de segurado do instituidor; b) que se trate de segurado de baixa renda, caracterizado pela não superação da média dos salários-de-contribuição, apurada dentro do período de 12 (doze) meses anteriores ao mês de encarceramento, aos limites previstos nas portarias do Ministério da Previdência Social; c) o recolhimento do segurado à prisão em regime fechado, pouco importando se em caráter provisório (prisão processual) ou definitivo (prisão penal); d) o não recebimento, pelo segurado, de remuneração do empregador ou de benefícios previdenciários de auxílio-doença, pensão por morte, salário-maternidade, aposentadoria ou abono de permanência; e) cumprimento da carência mínima de 24 (vinte e quatro) contribuições mensais na data da prisão, inclusive nas hipóteses de nova filiação à Previdência Social após a perda da qualidade de segurado (Lei n.º 8.213 /1991, artigo 27-A , na redação dada pela Medida Provisória n.º 871 /2019); f) qualidade de dependente do beneficiário. Cingindo à análise do caso concreto, verifica-se que o segurado Fernando Caetano foi recolhido ao sistema prisional em regime fechado em 08/02/2019, motivo pelo qual à luz do “caput” do artigo 80 da Lei n.º 8.213 /1991, não será devido o auxílio-reclusão ao seu dependente para fins previdenciários. A prisão ocorreu já na vigência da Medida Provisória nº 871 , de 18 de janeiro de 2019, depois convertida na Lei nº 13.846 /2019, a qual estabeleceu que, "na hipótese de perda da qualidade de segurado, para fins da concessão dos benefícios de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez, de salário-maternidade e de auxílio-reclusão, o segurado deverá contar, a partir da data da nova filiação à Previdência Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I, III e IV do caput do art. 25 desta Lei.” Das informações contidas no Cadastro Nacional de Informações Sociais do instituidor apura-se a falta de cumprimento de carência, uma vez que, cessado o auxílio-doença em 30/06/ 2016, a qualidade de segurado se estendeu apenas até 15/08/2017, por força da aplicação conjugada do disposto no art. 15 , inciso II , da Lei nº 8.213 /91, dos artigos 13 , inciso II , e 14 do Regulamento da Previdência Social , aprovado pelo Decreto nº 3.048 /99, e, ainda, do artigo 30 , inciso II da Lei nº 8.212 /91 (conhecida como regra do “décimo quinto dia do décimo quarto mês”). A nova filiação deu-se em 01/03/2018 (contribuinte individual) e, até sua prisão em 08/ 02/2019, contou com apenas 11 meses de carência, de maneira que não atinge os 24 meses de carência necessários à concessão do auxílio-reclusão. Entendo que não subsiste o argumento de inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 871 /2019. Não há empeço a que sejam feitas, por via de medida provisória, alterações da lei previdenciária. Os limites à edição de medidas provisórias dizem respeito a questões diversas da ora tratada, como: nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos, direito eleitoral, direito penal, processual penal e processual civil, além de algumas outras que, da mesma sorte, não guardam relação com matéria previdenciária ( CF/88 , art. 62 , § único , incisos I a IV ). De sua vez, o conceito de"cidadania", a que alude a Constituição Federal não significa que a lei não possa criar condicionamentos e requisitos ao reconhecimento de certos direitos, inclusive em seara previdenciária. Os requisitos constitucionais legitimadores da edição de medidas provisórias, vertidos nos conceitos jurídicos indeterminados de ‘relevância’ e ‘urgência’ (art. 62 da CF ), apenas em caráter excepcional se submetem ao crivo do Poder Judiciário, por força da regra da separação de poderes (art. 2º da CF) ( ADI 2.213 , Rel. Min. Celso de Mello, DJ de XXXXX-4-2004; ADI 1.647 , Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de XXXXX-3-1999; ADI 1.753 -MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de XXXXX-6-1998; ADI 162 -MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de XXXXX-9-1997).” (ADC 11-MC, voto do Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em XXXXX-3-2007, Plenário, DJ de XXXXX-6-2007). E a conversão da medida provisória em lei prejudica o debate jurisdicional acerca da “relevância e urgência” dessa espécie de ato normativo ( ADI 1.721 , Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em XXXXX-10-2006, Segunda Turma, DJ de XXXXX-6-2007.) Não há dispositivo constitucional que, expressamente, assegure dispensa do cumprimento de carência para fins de percepção de benefício previdenciário. O que a Constituição assegura é que, nos termos da lei, a previdência social atenda à cobertura de eventos de certas contingências (art. 201, inc. I), inclusive a concessão de auxílioreclusão aos dependentes do segurado que venha a ser encarcerado. Vale dizer, entregou-se à lei — inclusive a decorrente de conversão de medida provisória — a tarefa de definir não apenas os destinatários dos vários benefícios previstos na lei previdenciária, mas também os contornos legais desses benefícios. E a fixação de carência, como no caso tratado, não ofende o preceptivo constitucional; ao revés, atende à fixação de “critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial ” da previdência social ( CF/88 , art. 201 , caput). Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido. Sem a condenação em custas processuais e honorários advocatícios nesta instância judicial (Lei n.º 9.099 /1995, artigo 55 , primeira parte). Defiro a gratuidade de justiça ( CPC , artigo 98 ). Após o trânsito em julgado, cumpridas as formalidades legais, dê-se a baixa definitiva dos autos. Caso haja interesse em recorrer desta decisão, cientifico as partes de que o prazo para recurso é de 10 (dez) dias. Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se”. 3. Recurso da parte autora (em síntese): alega ser descabida a exigência de número mínimo de contribuições para que os dependentes de segurado encarcerado tenham direito ao benefício; aduz que, tratando-se de reingresso do instituidor ao RGPS e sendo exigido, neste caso, o implemento de 12 contribuições para fins de carência, a ínfima quantidade de 1 recolhimento faltante para completar a carência mínima não deve constituir óbice ao acesso do autor ao benefício, devendo ser concedido o auxílio-reclusão, no caso, aplicando-se o princípio da equidade. 4. Verifico que a sentença abordou de forma exaustiva todas as questões arguidas pela parte recorrente, tendo aplicado o direito de modo irreparável, razão pela qual deve ser mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099 /95. 5. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 6. Condenação do recorrente vencido ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da causa (artigo 55 , da Lei nº 9.099 /95), devidamente atualizado em conformidade com os critérios de correção monetária das ações previdenciárias previstas na Resolução CJF nº 658/2020, cuja execução fica suspensa nas hipóteses de concessão de gratuidade de justiça. 7. É o voto. PAULO CEZAR NEVES JUNIOR JUIZ FEDERAL RELATOR