RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. INQUÉRITO POLICIAL. ESTELIONATO, APROPRIAÇÃO INDÉBITA, FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. DESVIO DE VERBAS DE EMPRESA PRIVADA SUPOSTAMENTE EFETUADO POR EMPREGADOS QUE DEPOSITAVAM CHEQUES EM SUAS CONTAS CORRENTES E NAS DE PARENTES. QUEBRA DE SIGILO DAS CONTAS DE PARENTES QUE, ATÉ ENTÃO, NÃO ERAM APONTADOS COMO INVESTIGADOS NO INQUÉRITO. JULGAMENTO CITRA PETITA: INEXISTÊNCIA. PREENCHIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA AUTORIZAÇÃO DA QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. 1. Não julga citra petita o acórdão que examina todos os pontos de interesse necessários para confirmar a legalidade da decisão que determinou a quebra de seu sigilo bancário, fazendo, inclusive, no voto condutor, menção expressa a todos os argumentos postos pelas recorrentes para justificar, a seu ver, a decretação de nulidade da medida. 2. A despeito de constituir garantia constitucional individual identificada como cláusula pétrea no art. 5º , XII , da CF/88 , a jurisprudência é uníssona em reconhecer, também, que a intimidade e a privacidade das pessoas, e, como um de seus corolários, a proteção ao sigilo de dados bancários e fiscais, não constituem direitos absolutos, podendo sofrer restrições, quando presentes os requisitos exigidos pela Constituição (art. 5º, inciso XII) e pela Lei. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem entendido que a autorização do afastamento dos sigilos fiscal e bancário deverá indicar, mediante fundamentos idôneos, a pertinência temática, a necessidade da medida, "que o resultado não possa advir de nenhum outro meio ou fonte lícita de prova" e "existência de limitação temporal do objeto da medida, enquanto predeterminação formal do período" ( MS 25812 MC, Relator (a): Min. CEZAR PELUSO, publicado em DJ XXXXX-2-2006). 4. Depreende-se, portanto, que os requisitos para a decretação da quebra de sigilo bancário/fiscal podem ser resumidos em: (1) demonstração de indícios de existência de delito (2) demonstração da necessidade/imprescindibilidade da medida para obtenção de prova da autoria e/ou materialidade do delito; (3) indicação da pertinência temática entre as informações obtidas e a natureza do delito; (4) delimitação dos sujeitos titulares dos dados a serem investigados e do lapso temporal abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira. 5. Situação em que se investigam desvios de verbas de empresa privada dedicada à compra de café de produtores rurais, desvios esses supostamente efetuados por dois de seus empregados, em conluio com um corretor de café, em proveito próprio, depositando os valores desviados em suas próprias contas bancárias ou nas de parentes. 6. A documentação apresentada voluntariamente pela empresa vítima (cópias de cheques demonstrando o depósito em contas correntes tanto dos investigados quanto das impetrantes, parentes dos acusados, demonstrativos de pagamento de produtores rurais de café, notas fiscais, relatórios mensais contábeis do período de fev/2013 a agosto/2014) constitui evidencia de indícios mínimos de autoria e materialidade dos delitos investigados, todos punidos com reclusão. 7. Realizado o pleito de quebra de sigilo bancário após a coleta de dados fornecidos pela vítima e a oitiva de investigados e de testemunhas, é nítido que não remanesciam outros meios de averiguar a totalidade da extensão do desvio de verbas e dos beneficiários dos valores desviados sem ter acesso às contas dos investigados e daqueles que receberam indevidamente parte do produto do crime, quando tiveram cheques depositados em suas contas. 8. Não há necessidade de se demonstrar, antes da quebra de sigilo, que o titular da conta bancária tinha conhecimento da existência e funcionamento do esquema criminoso e/ou que a ele aderiu, bastando, para justificar a quebra de sigilo, a evidência de que ele foi em alguma medida - e, frise-se: é irrelevante o valor da quantia depositada, pois não existe a figura do princípio da insignificância em relação à prova - beneficiário do produto do crime, o que, no caso concreto, é fato incontroverso, já que as recorrentes o admitem. De mais a mais, o objetivo da quebra de sigilo, no caso concreto, foi, também, averiguar até que ponto os depósitos efetuados nas contas das recorrentes eram constantes e/ou em montante significativo a ponto de permitir questionar se as recorrentes tinham ciência de que seriam fruto de alguma irregularidade. Tanto que as evidências, ao final, acabaram por desvelar a participação das recorrentes nos delitos, pois, após a impetração, foram denunciadas, juntamente com os três investigados iniciais além de outras três pessoas, na ação penal de que tratam os autos. 9. É falacioso o argumento de que o pedido de quebra de sigilo bancário deveria, necessariamente, se limitar ao período indicado pela vítima, na notícia crime, como sendo o de ocorrência dos delitos (fevereiro/2013 a agosto/2014). Isso porque, o levantamento efetuado pela empresa vítima corresponde a mera informação preliminar. Espera-se que a tarefa investigativa seja efetuada de forma exauriente pela autoridade policial, e não pela vítima do delito, o que demonstra que a constatação inicial pode vir a se revelar, ao longo do Inquérito, apenas a visão de um pequeno período ou aspecto do delito, cujos desdobramentos e extensão somente se definem ao final das investigações. Assim sendo, não é ilegal, desproporcional ou desfundamentada a autorização de quebra de sigilo que se estende a um ano a mais do que o indicado na notícia crime como lapso de ocorrência dos delitos, seja porque é dever da autoridade averiguar a possibilidade de o esquema de desvio de verba se estender por período mais amplo e anterior àquele inicialmente identificado pela vítima, seja porque a comparação entre um período de movimentação financeira regular, sem valores produto de crime, e outro período em que se podem identificar valores obtidos por meio de crime corresponde a uma forma de demonstrar e reforçar a ocorrência das irregularidades que revelam tanto autoria/participação quanto a materialidade do delito. 10. Recurso ordinário ao qual se nega provimento.