PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL. INTERROGATÓRIO JUDICIAL. PEDIDO PARA O RÉU RESPONDER APENAS AS PERGUNTAS DA DEFESA. NEGATIVA DO JUÍZO A QUO. DIREITO DE PERMANECER EM SILÊNCIO, PARCIAL OU TOTALMENTE. AMPLA DEFESA ASSEGURADA AO RÉU. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA CASSADA. NECESSIDADE DE REFAZIMENTO DO ATO DE INSTRUÇÃO. APELO DO RÉU CONHECIDO E PROVIDO. 1. Em sede preliminar, o Apelante pugna pela nulidade processual a partir do interrogatório judicial, alegando que, em em audiência, manifestou a intenção de responder apenas as perguntas da defesa, todavia, o pleito foi indeferido pelo Juiz a quo, sob o argumento de que o Réu só poderia ficar em silêncio integral, razão pela qual encerrou a instrução criminal e concedeu vista às partes para apresentação de alegações finais. 2. In casu, o cerne da questão é saber se o Réu, ao ser interrogado em juízo, pode apenas responder as perguntas realizadas pela defesa, adotando o que a doutrina chama de silêncio parcial ou seletivo. 3. O princípio nemo tenetur se detegere pondera que o investigado ou acusado durante a persecução penal não pode sofrer qualquer tipo de prejuízo jurídico pelo fato de não colaborar com a atividade probatória da acusação ou por exercer o direito ao silêncio por ocasião do interrogatório. Em síntese, o acusado não é obrigado a produzir prova contra si. 4. O direito ao silêncio é uma das vertentes do princípio nemo tenetur se detegere e foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1988, nos termos da redação do artigo 5º , LXIII , o qual estabelece que "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada assistência da família e de advogado. 5. Por ser uma prerrogativa do Réu, o direito ao silêncio, além de possibilitar a recusa de depor em investigações ou ações penais contra si movimentadas, não pode ser interpretado como se estivesse admitindo a responsabilidade pelo fato. Assim, ao ser interrogado em juízo relativamente à versão dos fatos, isto é, quanto ao mérito da acusação, a autodefesa pode ser exercida de modo livre, desimpedido e voluntário, sendo, portanto, uma das alternativas o silêncio. 6. Diante das circunstâncias processuais, entende-se que a decisão proferida pelo Magistrado a quo, além de não possuir amparo legal, viola a ampla defesa assegurada ao Réu. 7. O ordenamento pátrio não possui norma que determine a conclusão do interrogatório sem a defesa fazer os questionamentos que achar necessários, ainda que o Réu tenha declarado o seu direito ao silêncio seletivo. O artigo 186 do CPP , ao descrever que, após a qualificação e ciência da acusação, o Acusado será comunicado pelo Juiz, antes de dar o inicio ao interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas, fixa bem a dinâmica de que o interrogatório, como meio de defesa, permite ao Réu a possibilidade de responder a todas, nenhuma ou a algumas perguntas direcionadas a si, tendo o direito de poder escolher a estratégia que melhor lhe aprouver. 8. Eventual restrição ao direito de permanecer em silêncio somente poderá ser regulamentado por lei, motivo pelo qual a Autoridade Judicial não pode restringir a abrangência deste direito, utilizando-se de interpretação contrária ao Acusado. 9. Com relação à autodefesa, o momento de maior efetividade desse princípio, na ação penal, é quando da realização do interrogatório do Acusado. É o instante em que este pode contraditar os fatos narrados na peça acusatória, contrapondo as versões da vítima, se houver, e das testemunhas, ou por opção voluntária ou estratégia de defesa, decidir se colabora ou não com a persecução penal. 10. Negar ao Apelante a oportunidade de expor a sua versão dos fatos pelo motivo de ele ter aceito apenas responder aos questionamentos da defesa, ou seja, recusando a responder às perguntas da autoridade judicial e do órgão acusador, viola o exercício da autodefesa do acusado, via de efeito, transgride sua ampla defesa. Trata-se de conduta que desrespeita a autodeterminação do Réu e sua liberdade moral para escolher a melhor forma de expor a sua versão dos fatos em juízo, de maneira que é notória a ingerência indevida do Magistrado no direito da autodefesa. Nota-se, portanto, visível cerceamento do direito à autodefesa, sem que este tenha renunciado a ela, a evidenciar evidente prejuízo processual. 11. Deste modo, ante o disposto no art. 5º , LIV , LV e LXIII , da Constituição Federal , art. 14 , 3 , g, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e artigo 8, 2, g, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 186 , caput ,e parágrafo único, do Código de Processo Penal e sendo contrário aos precedentes do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, o encerramento do ato processual sem que o acusado possa expor a sua narrativa enseja o reconhecimento de nulidade absoluta, nos termos do artigo 564 , III , e , do Código de Processo Penal , sendo medida necessária o seu refazimento. 12. APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA E PROVIDA, para cassar a sentença condenatória, a fim de que seja realizado novo interrogatório do Apelante na Ação Penal n.º XXXXX-10.2021.8.04.4700, oportunidade na qual deve ser-lhe assegurado o direito ao silêncio, total ou parcial, respondendo às perguntas de sua defesa técnica, exercendo diretamente a ampla defesa.