PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO E CORRUPÇÃO DE MENORES. IMPUTAÇÃO SUPOSTAMENTE BASEADA APENAS NO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DO ACUSADO EM SEDE POLICIAL, CONFIRMADOS EM SEDE JUDICIAL. ART. 226 DO CPP . NOVA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ QUANTO AO TEMA. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES PREVISTAS EM LEI, BEM COMO DE OUTRAS PROVAS COLHIDAS NA FASE JUDICIAL, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. DEPOIMENTOS DOS CORRÉUS OBTIDOS MEDIANTE TORTURA. NULIDADE. EXISTÊNCIA DE ÁLIBI CONFIRMANDO A PRESENÇA DOS CORRÉUS EM LUGAR DIVERSO DO CRIME. DÚVIDA QUANTO AO RECONHECIMENTO DELES PELAS VÍTIMAS. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1.No que diz respeito à alegação de negativa de autoria, diante da suposta nulidade de feito - nessa extensão - porque a imputação teria se baseado em reconhecimento fotográfico, convém consignar que esta Corte Superior inicialmente entendia que "a validade do reconhecimento do autor de infração não está obrigatoriamente vinculada à regra contida no art. 226 do Código de Processo Penal , porquanto tal dispositivo veicula meras recomendações à realização do procedimento, mormente na hipótese em que a condenação se amparou em outras provas colhidas sob o crivo do contraditório" ( AgRg no HC XXXXX/SC , Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 2/3/2021, DJe 5/3/2021). Todavia, no julgamento do HC XXXXX/SC , a interpretação acima delineada foi revista pela Sexta Turma, no sentido de que se determinasse, doravante, a invalidade de qualquer reconhecimento formal - pessoal ou fotográfico - que não seguisse estritamente o que determina o art. 226 do CPP , sob pena de continuar-se a gerar uma instabilidade e insegurança de sentenças judiciais que, sob o pretexto de que outras provas produzidas em apoio a tal ato - todas, porém, derivadas de um reconhecimento desconforme ao modelo normativo - autorizariam a condenação, potencializando, assim, o concreto risco de graves erros judiciários. 2. Com efeito, o acórdão paradigma traz, pois, ratio decidendi no seguinte sentido: I) o reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal , cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; II) à vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; III) pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, podendo ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; IV) o reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia (s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo. 3. Em julgados recentes, ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça alinharam a compreensão de que "o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa" ( HC XXXXX/SC , Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/4/2021, DJe 3/5/2021). 4. No caso dos autos, dos elementos probatórios que instruem o feito, verifica-se que a autoria delitiva dos crimes de roubo e corrupção de menores foi reconhecida tendo como único elemento de prova o reconhecimento pessoal em delegacia e em juízo, o qual deve ser tido como viciado. Por conseguinte, tendo em vista a falta de outros elementos probatórios para sustentar a condenação do agravado, de rigor sua absolvição. 5. O único elemento a justificar a condenação do recorrido foi o reconhecimento realizado pelas vítimas e pelos policiais que atenderam ao flagrante, sendo que um deles era o marido de uma das vítimas. E tal quadro fático se constata pelas acusações operadas pelo menor G. R. de A. apontado como um dos autores do delito, que declarou o seguinte: "Eu confessei a prática do crime porque os policiais me agrediram. Eles me deram choque e me afogaram. Hoje eu não tenho nenhuma marca. Eles também enfiaram o cassetete no meu ânus. Eu desmaiei". Outro depoimento constante nos autos, o de Murilo Henrique dos Santos, amigo de G. R. de A., afirmou que: "Eu sou amigo do G. Eu presenciei quando a polícia apreendeu o G. Foi na rua da semiliberdade. Duas viaturas abordaram ele, cada uma tinha três policiais. Os policiais tiveram atitude violenta no momento da abordagem. Eles bateram no G." 6. Mesmo em juízo, não foi observado o regramento do art. 226 do CPP . Repita-se: como observado no HC n. 598.886/SC , "[à] vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo". 7. Importante destacar que os dois adolescentes que teriam acompanhado o agravado na ação delitiva e que foram reconhecidos pelas vítimas em uníssono, possuem um álibi atestando suas presenças no estabelecimento de ensino no momento do delito, o que põe em questionamento a veracidade de seus depoimentos inclusive em relação ao réu. Como precisamente registrado pelo ilustre sentenciante que julgou improcedente o pedido: "A dúvida, mínima que seja, deve militar em prol do réu, pois melhor consulta aos interesses da Justiça absolver um possível culpado do que condenar um inocente". 8. Agravo regimental não provido.