E M E N T A DIREITO INTERNACIONAL. ADUANEIRO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. APLICAÇÃO DE PENA DE PERDIMENTO. CONVENÇÃO DE QUIOTO REVISADA. DECRETO 10.276 /2020. GRAU RECURSAL ADMINISTRATIVO OBRIGATÓRIO EM MATÉRIA ADUANEIRA. PRAZO DO TRATADO PARA ADEQUAÇÃO. REGRA QUE NÃO SE CONFUNDE COM VACATIO LEGIS. NORMA DE EFICÁCIA CONTIDA. REGÊNCIA PELA LEI 9.784 /1999. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O Decreto 10.276 /2020 incorporou ao ordenamento pátrio o Protocolo de Revisão da Convenção Internacional para a Simplificação e a Harmonização dos Regimes Aduaneiros – Convenção de Quioto, que previu direito a recurso administrativo em matéria aduaneira (artigo 10.4, Apêndice II). O decreto passou a viger na data da publicação (artigo 3º), e o tratado internalizado especificou que as partes teriam 36 meses para começar a aplicar as regras convencionadas (artigo 13, 1, Apêndice I). 2. A fixação de 36 meses para aplicação da convenção não pode ser entendido como vacatio legis. A vacância legal decorre de norma que define um lapso temporal ou condição para que outra regra comece a produzir efeitos. Se não transcorrido o intervalo de tempo previsto, ou implementada a condição estabelecida, o comando em vacância não adquire eficácia. Não é isso que ocorre, a rigor, com a disposição do artigo 13.1 da Convenção de Quioto Revisada. A norma em questão prevê, em verdade, prazo, figura similar, porém distinta da vacância legal. Se por hipótese o ordenamento pátrio estiver provido de estrutura normativa para aplicação incontinenti do tratado, nada obsta que isto aconteça de imediato. Não há imposição de que se aguarde os 36 meses, como seria de rigor caso se tratasse de vacatio legis. 3. Na medida em que o Decreto 10.276 /2020 expressamente estatuiu vigência a partir da publicação, é forçosa a inferência de que a regra “A legislação nacional deverá prever um direito de recurso em 1ª instância perante as Administrações Aduaneiras” foi inserida no ordenamento, formalmente, com a publicação do diploma. Sucede que, estabelecida tal premissa, não há qualquer referência no tratado de que esta norma necessita de regulamentação posterior, até porque é questão variável para cada contratante. Assim, a percepção da produção imediata ou não de efeitos (que não se confunde com a vigência, como consabido) depende da análise do ordenamento de cada aderente. 4. No caso do sistema normativo pátrio, já existe estrutura recursal em sede administrativa federal. Há regra geral para tanto, na lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (Lei 9.784 /1999, artigo 56 ). O único impedimento para aplicação de tal regra geral à espécie, em tese, é a existência de norma especial excepcionante, que determina instância única exclusivamente para expedientes sujeitos à pena de perdimento, a saber, o artigo 27 , § 4º , do Decreto-Lei 1.455 /1976, no qual fundamentado o ato coator. 5. Não há que se falar que o artigo 13.1 da convenção depende de regulamentação. A partir de interpretação orgânica e sistêmica da legislação de regência, deriva-se que não se trata de norma de eficácia limitada, mas de eficácia contida. Promulgado o Decreto 10.276 /2020 e desde logo vigente a previsão que exige grau recursal em matéria aduaneira, opera-se revogação tácita do artigo 27 , § 4º , do Decreto-Lei 1.455 /1976 (regra especial anterior de mesma hierarquia e incompatível com o tratado) que, uma vez suprimido, extrai do sistema lógico-normativo a proibição específica incidente em discussões de pena de perdimento e remete a subsunção do caso dos autos ao artigo 56 da Lei 9.784 /1999 (regra geral). 6. Revogado o artigo 27 , § 4º , do Decreto-Lei 1.455 /1976, não há mais enquadramento da questão na previsão do artigo 69 da Lei 9.784 /1999 (“Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei”), pois não existe mais no ordenamento regra legal, própria e especial, prevalente. 7. Pode o Poder Público regulamentar a aplicação da convenção para casos como o dos autos. Não é necessário que o faça, contudo, tanto assim que, passados mais de 36 meses tanto da adesão ao tratado como da publicação do Decreto 10.276 /2020, não há notícia de que tenha ocorrido qualquer especificação de procedimento recursal para a hipótese de aplicação de pena de perdimento. 8. Inaplicável o Decreto 70.235 /1972, pois na hipótese de pena de perdimento não se determina ou exige qualquer crédito tributário, situação que define o escopo de aplicação de tal diploma (artigo 1º). 9. Apelo parcialmente provido.