DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. LEI 7.492 /86. GESTÃO TEMERÁRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EQUIPARADA NÃO CONFIGURADA. DOLO. NÃO COMPROVAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. EFEITO EXTENSIVO AO CORRÉU. RECURSO PROVIDO. 1. Recursos de apelação interpostos pelos réus contra sentença em que foram condenados pela prática da conduta descrita no artigo 4º , parágrafo único , da Lei 7.492 /86, cada um, à pena de 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 40 (quarenta) dias-multa, cada dia-multa no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos descritos pela denúncia. 2. Gestão temerária. Tipo penal. Análise. Gerir temerariamente é expor a instituição a algum risco real e não inerente ou ordinário à atividade financeira e econômica. Portanto, a realização de operações ou o descumprimento de orientações do órgão regulador, sem a demonstração do impacto significativo na capacidade potencial da instituição financeira de arcar com seus compromissos e manter a solidez e capacidade de confiança que deve despertar uma instituição financeira em nosso sistema, não se subsume ao tipo penal de gestão temerária. 2.1. Atos específicos sem impacto relevante na instituição (em sua governança, em suas políticas de ação ou em sua imagem) não poderiam ser caracterizados como sendo (por si) "gestão". Gestão é condução geral de assuntos, direção (no caso, de instituição financeira). A configuração do crime de gestão temerária requer a análise do conjunto fático e jurídico que envolve o tipo penal em questão que exige aferição a respeito de qual a real potencialidade de risco trazida por atos de gestão em desacordo com parâmetros estipulados pelo órgão regulador. 3. Caso concreto. Gerir temerariamente a empresa Versátil Agente Autônomo de Investimento Ltda., mediante oferta, a descoberto, de opções de compra de ações da Petrobrás, para exercício no dia 22/04/2008, em vultuoso valor, gerando uma dívida de mais de R$220.000,00 (duzentos e vinte e dois mil reais) em desfavor da corretora Spinelli, instituição financeira corretora de valores mobiliários, interveniente na condição de garante da operação. 3.1. Conceito de instituição financeira equiparada não caracterizado. Há de se fazer a distinção entre as corretoras de valores mobiliários e os agentes autônomos de investimentos, ainda que constituídos sob a forma de empresas, eis que os últimos não se ocupam da gestão dos títulos e valores mobiliários. São profissionais, prestadores de serviços, que atuam somente na recepção de clientes e transmissão das ordens para a corretora, além da prestação de informações sobre produtos e serviços oferecidos pela instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários. As suas atividades são eminentemente comerciais, atuando sempre como preposto e sob a responsabilidade de instituições integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários. A própria definição do agente autônomo (ainda que prestando serviços sob a forma de empesa) afasta a caracterização do conceito de instituição financeira. No caso concreto, consoante a prova dos autos, a pessoa jurídica Versátil, criada e administrada por um dos corréus, não exercia atividade típica das instituições financeiras que atuam com a autonomia exigida no mercado de capitais, exercendo atividade de mera prestadora de serviços, sob fiscalização da corretora de valores mobiliários a qual se encontrava vinculada e da CVM, não podendo, por imperativo legal, ser equiparada a instituição financeira. 4. Ausência de poderes de gestão do corréu Frederico. Em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, reconhece-se que somente pode ser sujeito ativo de crimes contra o sistema financeiro nacional os funcionários com efetivo poder de mando na administração de uma instituição financeira. Do conjunto probatório carreado aos autos, não se pode, com a necessária segurança, afirmar que o corréu Frederico fosse administrador, diretor ou gerente de instituição financeira. Primeiramente, em razão da empresa Versátil não se caracterizar como instituição financeira e, sobretudo porque, à época dos fatos, sequer ostentava a qualificação de agente autônomo de investimentos, tendo sido contratado como agente administrativo, apesar de possuir conhecimentos sobre mercado financeiro. Portanto, não comprovado que o corréu Frederico era controlador, administrador, diretor ou gerente e, considerando que o verbo "gerir" não pode ser dissociado das condutas de administrar, dirigir, comandar, sendo que apenas atividades de comando, que englobam decisões com certo grau de definição, ligadas à administração da instituição, podem caracterizar "gestão", tenho que a conduta por ele praticada não se amolda ao crime previsto no art. 4º , parágrafo único , da Lei 7.492 /86, sendo de rigor sua absolvição, nos termos do art. 386 , III , do Código de Processo Penal . 5. Não caracterização do crime previsto no art. 4º , parágrafo único , da Lei 7.492 /86. A operação, conquanto tenha envolvido elevado risco - inerente às operações que envolvem o mercado de capitais - não representou, concretamente e indene de dúvida, especial risco à estabilidade da instituição financeira, necessário à caracterização do crime de gestão temerária. Não há comprovação de dano à liquidez, solvência ou higidez da instituição. Não há nos autos qualquer elemento de prova documental, testemunhal ou pericial nesse sentido. Nada disso se comprovou de maneira segura no caso concreto. 5.1. Além disso, não se demonstrou que as operações realizadas pelo corréu Frederico, com anuência do corréu Carlos, foram praticadas a título de dolo, com a intenção de gerir temerariamente o sistema financeiro. Assim, sob qualquer ângulo em que se examine a matéria, tenho como não configurada a figura típica descrita na exordial, sendo de rigor a absolvição dos corréus. Portanto, sem certeza acerca da ocorrência concreta da conduta amoldada ao tipo do art. 4º , parágrafo único , da Lei 7.492 /86, de rigor a absolvição também do corréu Carlos. 6. Observo que ambos os réus apresentaram recursos de apelação, sendo que o réu Carlos limitou-se a impugnar apenas a dosimetria da pena. No entanto, o artigo 580 do Código de Processo Penal permite que, na hipótese de concurso de agentes, a decisão judicial favorável proferida em favor de um acusado se estenda aos demais, desde que as situações fático-processuais sejam idênticas e não esteja a decisão beneficiadora fundada em motivos que sejam de caráter eminentemente pessoal, como ocorre na espécie. Nesse contexto, uma vez demonstrado que o apelante Frederico deve ser absolvido, considerando que o corréu Carlos encontra-se na mesma situação jurídica, deve ele, também, ser absolvido, nos termos do referido artigo 580. 7. Reforma da sentença para absolver ambos os réus. Recurso provido.