ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Serra - Comarca da Capital - 6ª Vara Criminal Avenida Getúlio Vargas, 250, Fórum Desembargador João Manoel Carvalho , Serra Centro, SERRA - ES - CEP: 29176-090 Telefone:(27) 33574552 PROCESSO Nº XXXXX-46.2024.8.08.0048 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ( LEI MARIA DA PENHA )- CRIMINAL (1268) REQUERENTE: BRUNNA DE OLIVEIRA TURRA INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO REQUERIDO: CLIEDERSON PORTO FERREIRA SENTENÇA Trata-se de Procedimento Cautelar de Medidas Protetivas em desfavor de Cleiderson Porto Ferreira . No plantão judiciário, foi concedida medida protetiva em favor da vítima. Parecer do Ministério Público pela incompetência desta Vara (ID XXXXX). É o sucinto Relatório. Analisando o procedimento, constato a cristalina Incompetência desta Vara Especializada em Violência Doméstica em apreciar o presente processo. Isto porque, o art. 5º , da chamada Lei Maria da Penha , configura como violência doméstica e familiar contra a mulher, toda espécie de violência ou agressão, baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, importando em violação dos direitos humanos, independente da habitualidade da agressão. Com efeito, a incidência desta Lei especial sobre a violência doméstica possui como pressuposto a motivação de gênero, diante de uma situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência, que possa causar qualquer tipo de opressão doméstica ou familiar contra a mulher. Neste contexto, a Lei nº 11.340 /06 está em vigor para punir os agressores e amparar as mulheres vítimas de tais atos, ou seja, a intenção do Legislador foi proteger a mulher em situação de fragilidade, tanto diante do ofensor do sexo masculino como do sexo feminino, em decorrência de qualquer relação íntima, com ou sem coabitação, em que possam ocorrer atos de violência contra esta mulher. Logo, entendo que, para que a Lei Maria da Penha seja aplicada, impõe-se a presença de 03 (três) requisitos, a saber: (i) a violência deve ter sido praticada contra mulher; (ii) a agressão/ofensa deve ter ocorrido no âmbito da unidade doméstico-familiar, ou ser decorrente de relação íntima de afeto; e (iii) finalmente, a violência sofrida deve ter como motivação a opressão ao gênero feminino. Tais considerações deflagram importantes consequências no mundo jurídico, porque, de acordo com a linha hermenêutica mais prestigiada pelas Cortes brasileiras, a incidência da Lei Maria da Penha somente se justifica nas situações de inferioridade ou vulnerabilidade da vítima frente ao agressor. Dessa forma, fica claro que a norma exige, para a aplicação das medidas de proteção em favor da mulher que a ação ou omissão se dê no âmbito doméstico, familiar ou em relação íntima de afeto, mas desde que baseada no gênero, ou seja, que exista comprovada situação de vulnerabilidade a qual a vítima esteja sujeita. No caso dos autos, a conduta praticada pelo investigado de ter perseguido a vítima, diga-se, esta sem qualquer enquadramento no art. 5º da norma, não denota a finalidade da norma, que é, repita-se, a de proteção de mulheres na especial condição de vítimas de violência e opressão no âmbito de suas relações domésticas. Nesta linha de análise, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já firmou este entendimento, in verbis: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 41 DA LEI Nº 11.340 /06. NÃO VERIFICAÇÃO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RELAÇÃO FAMILIAR. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA . INTERPRETAÇÃO LITERAL DA NORMA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E CONCEDIDA. ... III. Hipótese cujo mérito é afastar a aplicação da Lei Maria da Penha em suposta lesão corporal praticada por tia contra sobrinha que não residia no mesmo domicílio. IV. Para a aplicação da Lei Maria da Penha , é necessária a demonstração da motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima. Precedentes. V. Embora o inciso II , do art. 5º , da Lei nº 11.340 /06 disponha que a violência praticada no âmbito da família atrai a incidência da Lei Maria da Penha , tal vínculo não é suficiente, por si só, a ensejar a aplicação do referido diploma, devendo-se demonstrar a adequação com a finalidade da norma, de proteção de mulheres na especial condição de vítimas de violência e opressão, no âmbito de suas relações domésticas, íntimas ou do núcleo familiar, decorrente de sua situação vulnerável. VI. A previsão de aplicação da Lei nº 11.340 /06 à violência praticada no âmbito da unidade doméstica, do mesmo modo, não almeja a proteção do mero espaço físico contra agentes externos que nele adentrem para cometer o delito, mas sim ao próprio âmago sentimental que se estabelece entre indivíduos que compartilham a mesma moradia, com fim de proteção dos mais vulneráveis dentro desse grupo de pessoas. VII. Ademais, o art. 129 , § 9º , do Código Penal , não se aplica a situação dos autos, não sendo a paciente ascendente, descendente, irmã, cônjuge ou companheira da vítima, inexistindo convivência, ou prevalecimento das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. VIII. Ordem parcialmente conhecida e concedida. ( HC XXXXX/RS , Rel. Ministro GILSON DIPP , QUINTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 20/06/2012) CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. CRIME CONTRA HONRA PRATICADO POR IRMÃ DA VÍTIMA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340 /06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. 1. Delito contra honra, envolvendo irmãs, não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340 /06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica. 2. Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade. 2. No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar contra a mulher. Não se aplica a Lei nº 11.340 /06. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares/MG, o suscitado. ( CC XXXXX/MG , Rel. Ministro OG FERNANDES , TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 18/12/2008) Seguindo a mesma linha de análise, em caso análogo, o TJ/ES pacificou o entendimento do feito não ser apreciado nesta Vara Especializada: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA 6ª VARA CRIMINAL DE VILA VELHA - INAPLICABILIDADE DA LEI 11.340 /06 - CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE. 1. A Lei Maria da Penha foi criada com o objetivo de proteger a mulher no âmbito das relações familiares e nas relações afetivas e de intimidade, desde que a agressão tenha se dado por submissão ao gênero feminino. 2. Configura-se violência doméstica e familiar contra a mulher, segundo o artigo 5º da Lei 11.340 /2006, ¿... Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial...¿ 3. No presente caso, o que parece ter ocorrido foi um "excesso de correção" ou de agressões sofridas pela vítima em razão de medida disciplinar praticada por sua genitora. 4. Inexistência de motivação para a agressão relacionada com o gênero da vítima (sexo feminino), mas apenas com base na relação parental, não se tratando, portanto, de caso de incidência da Lei Maria da Penha (Lei 11340 /2006). 5. CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE. (TJES, Classe: Conflito de Jurisdição, 35140000775, Relator: ADALTO DIAS TRISTÃO , Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 22/04/2015, Data da Publicação no Diário: 28/04/2015) Não se está, portanto, diante de uma mulher vitimada em razão da opressão de gênero, motivo pelo qual o fato em apreço não indica a necessidade de especial proteção conferida pela Lei nº 11.340 /2006. Importante destacar que no bojo do inquérito policial nº XXXXX-61.2024.8.08.0048 proferi decisão declinando a competência em razão da questão de ausência de gênero. Isto Posto, REVOGO as medidas protetivas deferidas pelos motivos expostos acima. NOTIFIQUE-SE o Ministério Público. DILIGENCIE-SE. SERRA-ES, 19 de março de 2024. Juiz (a) de Direito