ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vila Velha - Comarca da Capital - 2º Juizado Especial Cível Rua Doutor Annor da Silva, 191, FÓRUM DESEMBARGADOR ANNÍBAL DE ATHAYDE LIMA , Boa Vista II, VILA VELHA - ES - CEP: 29107-355 Telefone:(27) 31492646 PROCESSO Nº XXXXX-12.2023.8.08.0035 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) REQUERENTE: FABRICIO BARREIRO DE SOUZA REQUERIDO: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. Advogado do (a) REQUERENTE: JULIO CESAR BARREIRO RANDOW SANTANA - ES16013 Advogado do (a) REQUERIDO: CELSO DE FARIA MONTEIRO - SP138436 Sentença (Serve este ato como mandado, carta/AR e ofício) Vistos, etc. Dispensado o relatório, por força do art. 38 da Lei n. 9.099 /95. Prefacialmente, aplico à espécie o disposto no art. 4º do CPC , segundo o qual “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”, de sorte que deixo de manifestar-me sobre as preliminares arguidas em contestação e também porque já foram resolvidas na decisão de ID XXXXX. O feito comporta o julgamento antecipado do mérito, conforme previsto no art. 355 , I do CPC , tendo em vista pedido formulado pelas partes em audiência (ID XXXXX) nesse sentido. MÉRITO Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c indenização por lucros cessantes, por danos morais e tutela antecipada ajuizada por FABRICIO BARREIRO SOUZA em desfavor de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, todos qualificados nos autos. o requerente alega que em 11/04/2023, apesar de contar com avaliação boa perante a plataforma, foi descredenciado do aplicativo por excesso de cancelamentos de corridas que, segundo ele, diziam respeito a áreas de perigo para sua segurança onde ocorriam as chamadas. Pediu indenização por lucros cessantes no total de R$ 12.000,00 (doze mil reais) correspondente à soma da média de 3 (três) meses, mais danos morais e antecipação de tutela para obtenção de seu recredenciamento. O pedido de antecipação de tutela foi indeferido (ID XXXXX) e a requerida contestou (ID XXXXX) a ação aduzindo que o descredenciamento do requerente ocorreu devido à sua má-postura - inclusive com denúncia de importunação sexual contra passageiro, excesso de cancelamentos, dentre outros. A requerida aduziu ainda que a média mensal de faturamento do requerente seria de R$ 1.573,84 (um mil, quinhentos e setenta e três reais e oitenta e quatro centavos líquidos), inexistindo dever de recredenciamento, sujeição o requerente às regras da plataforma e inexistência de danos indenizáveis. Pois bem. Cinge-se a controvérsia em analisar a legalidade da conduta da empresa requerida em realizar o descadastramento do autor do aplicativo, segundo ele, sem motivo. Inicialmente, cumpre destacar que a relação entre as partes diz respeito a contrato com empresa detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil. Noutras palavras, a pretensão autoral não se funda em relação de emprego havida entre as partes, quão menos em relação de consumo. Neste sentido já decidiu o STJ: CC XXXXX / MG CONFLITO DE COMPETÊNCIA XXXXX/XXXXX-0 DJe 04/09/2019 RSTJ vol. 257 p. 141 CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC . AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO UBER. RELAÇÃO DE TRABALHO NÃO CARACTERIZADA. SHARING ECONOMY. NATUREZA CÍVEL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. 1. A competência ratione materiae, via de regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em juízo. 2. Os fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito a eventual relação de emprego havida entre as partes, tampouco veiculam a pretensão de recebimento de verbas de natureza trabalhista. A pretensão decorre do contrato firmado com empresa detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil. 3. As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma. 4. Compete à Justiça Comum Estadual julgar ação de obrigação de fazer c.c. reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços. 5. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça Estadual. Outrossim, vale registrar que a atividade em questão foi reconhecida com a edição da Lei n. 13.640 /2018, que alterou a Lei n. 12.587 /2012 (Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana), para incluir em seu art. 4º , o inciso X , com a definição de transporte remunerado privado individual de passageiros, cuja definição se refere à "serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede". Sob tal perspectiva, nos dizeres do Ministro Moura Ribeiro , tem-se que as ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais. Nesse horizonte, o Código Civil admite a possibilidade de contratos atípicos como o pretendido nos autos, mas é necessário observar os princípios que preponderam sobre todos contratos, tais como o da boa-fé objetiva, do consensualismo e da função social do contrato, expostos nos artigos 421 a 426 do Código Civil . In casu, o motivo do descredenciamento é fato incontroverso nos autos, já que é afirmado pelo requerente e admitido pela requerida, que acrescentou a demonstração da existência de outros motivos mais graves, condutas do requerente violadoras das regras contratuais e políticas de uso do aplicativo, que ele sequer e manifestou sobre. Sob tal perspectiva, em que pese a existência dos princípios livre iniciativa, autonomia da vontade, liberdade de contratação, o descredenciamento do requerente foi motivado, não havendo abuso na adoção da medida por parte da requerida; esta se desincumbiu do ônus da prova do fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito alegado pelo requerente (art. 373 , II do CPC ), juntando prova das reclamações dos usuários, extratos de faturamento do requerente, demonstrativo do excesso de cancelamento, avisos prévios ao requerente sobre a necessidade de adequação de sua conduta. Neste sentido é farta a jurisprudência quanto aos deveres do motorista de aplicativo e a violação de seus termos de uso: Apelação cível. Direito Civil. Descredenciamento de motorista do aplicativo de transporte de passageiros (UBER) por violação aos termos de uso (termos gerais dos serviços de tecnologia). Alegação do motorista de que seja exclusão da plataforma foi imotivada e ilegal. Pretensão de restabelecimento da parceria. Sentença de improcedência. Recurso do autor. Confirmação. Prova da notificação e contraditório administrativo prévios. Desnecessidade de suspensão do processo por força da admissão do IRDR nº XXXXX-84.2023.8.19.0000 . Prova da conduta inapropriada do motorista, conforme reclamações de passageiros no aplicativo, além de mau funcionamento do automóvel. Acusações de assédio sexual, problemas mecânicos, má conservação do veículo, impontualidade e aceite de viagem sem intenção de concluí-la (para provocar o cancelamento pelo usuário). Descredenciamento justificado, em exercício regular de direito. Desprovimento do recurso. (TJ-RJ - APELAÇÃO: XXXXX-35.2023.8.19.0001 202400113402, Relator: Des (a). LUCIANO SABOIA RINALDI DE CARVALHO , Data de Julgamento: 14/03/2024, DECIMA NONA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 25ª, Data de Publicação: 18/03/2024) Ademais, não se deve ignorar o fato de que a providência adotada pela requerida de descredenciar motoristas infratores tem objetivo a proteção e garantia da incolumidade dos demais usuários do aplicativo: os passageiros, verdadeiros consumidores do serviço. Deste modo, descabido o recadastramento do motorista no aplicativo da requerida, por inexistência de abuso ou ilegalidade. Nessa esteira de ideias, inexistindo conduta ilegal ou abusiva por parte da requerida, tem-se por rompido o nexo de causalidade, afastando-se a sua responsabilidade por indenizar os alegados lucros cessantes ou danos morais, valendo destacar que o requerente não fez prova nesse sentido (hipótese de responsabilidade subjetiva, incidente o art. 373 , I do CPC ), ônus do qual não se desincumbiu, deixando de cumprir o imperativo de seu próprio interesse. DISPOSITIVO Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos autorais. Via de consequência, julgo extinto o feito com resolução do mérito a teor do que dispõe o art. 487 , I do CPC . Sem condenação em custas processuais ou honorários advocatícios, conforme art. 55 da Lei nº 9.099 /95. Com o trânsito em julgado e, inexistindo pendências, arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vila Velha/ES, 10 de abril de 2024. Fernando Antônio Lira Rangel Juiz de Direito Ofício DM nº 0282/2024