DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. NULIDADE DA DECISÃO MONOCRÁTICA. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ATROPELAMENTO POR EMPRESA DE TRANSPORTE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO TRANSITADO EM JULGADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS E BLOQUEIO VIA BACENJUD FRUSTRADO. OCULTAÇÃO PATRIMONIAL DA EMPRESA EVIDENCIADA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RELAÇÃO DE CONSUMO. EXISTÊNCIA. TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. APLICAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1 De acordo com o art. 932 , IV , do CPC/2015 , só é possível negar provimento ao recurso, através de decisão unipessoal do Relator, quando a decisão recorrida alinhar-se: (a) a súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; (b) a acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; (c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. 2- Na hipótese, pela simples leitura dos fundamentos invocados na decisão monocrática, vislumbra-se que a rejeição das razões apelatórias expedidas pelo ora Recorrente fundou-se em jurisprudência dominante consolidada na ambiência do STJ. 3- Ademais, consoante o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, eventual inadequação da forma unipessoal de julgamento não é causa de nulidade por ofensa ao princípio da colegialidade diante da possibilidade de interposição de recurso ao órgão colegiado, onde serão discutidas as questões apreciadas na decisão monocrática. Nulidade da decisão rejeitada. 4- Busca o recorrente a reforma da decisão deste Relator que acolheu o pleito de desconsideração da personalidade jurídica formulado pelo agravado. 5- A doutrina pátria, a partir da exegese do art. 28 do CDC , construiu a Teoria Menor da Desconsideração, de aplicação restrita a situações excepcionais em que se mostra necessária a proteção de bens jurídicos de patente relevância social e inequívoco interesse público como o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor , de sorte que, de acordo com o posicionamento firmado no Superior Tribunal de Justiça, a sua incidência justificar-se-ia apenas quando: (a) pela comprovação da insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, somada à má administração da empresa (art. 28 , caput, do CDC ); ou b) pelo mero fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, nos termos do § 5º do art. 28 do CDC . ( REsp Nº 1.735.004 SP, Rel Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 26/06/2018). O fundamento da comentada Teoria Menor baseia-se na impossibilidade de suporte, pelo consumidor que contratou com a pessoa jurídica, do risco empresarial normal às atividades econômicas por ela exercidas, que deve ser dada pelos seus sócios administradores, ainda que demonstrem conduta administrativa prova, é dizer, mesmo que inexista qualquer comprovação de conduta culposa ou dolosa por parte dos seus sócios. 6- Daí porque, "é possível, em linha de princípio, em se tratando de vínculo de índole consumerista, a utilização da chamada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com [...] o fato de a personalidade jurídica representar um 'obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores' (art. 28 e seu § 5º , do Código de Defesa do Consumidor )" ( REsp XXXXX/RJ , Quarta Turma, DJe 04/02/2013). Nesta ordem de ideias, o deslinde da causa posta em descortinamento cinge-se à definição da possibilidade de aplicação do CDC à relação jurídica firmada entre os litigantes e, se constatada a relação de consumo, verificar se a personalidade jurídica da Executada/Agravante representa obstáculo ao cumprimento do decisum transitado em julgado, que condenou-a ao ressarcimento pecuniário material e moral pelo fatídico acidente que ceifou a vida do marido da Agravada. 7- A legislação consumerista, para fins de tutela contra acidente de consumo, amplifica o conceito de consumidor para abarcar qualquer vítima, mesmo aquela que nunca tenha contratado diretamente ou mantido qualquer relação com o fornecedor, nos termos do art. 17 do CDC . Na vertência, latente a relação de consumo por equiparação havida entre a vítima do acidente (Sr. Carlos Roberto Porto Farias marido e genitor dos Exequentes/Agravados) e a empresa de transporte coletivo Executada/Agravante, cujo veículo conduzido por seu funcionário ocasionou o atropelamento fatal daquele, culminando em sua morte. Com efeito, na hipótese de transporte de pessoas, não há dúvidas de que a relação entre o transportado e o transportador é de consumo, que pode, de acordo com o art. 17 do CDC , ser estendida ao terceiro eventualmente vitimado por evento decorrente dessa prestação de serviços, situação esta que o coloca da posição de consumidor por equiparação sendo este o caso dos autos. 8- Os agravados ajuizaram ação de reparação de danos em desfavor da empresa Recorrida visando indenização por danos materiais e morais pela morte do Sr. Carlos Roberto Porto Farias, marido e genitor dos Requerentes, diante do atropelamento ocasionado pelo motorista do veículo (ônibus) de propriedade da sociedade empresária. O acórdão prolatado pelo col. Superior Tribunal de Justiça, que confirmou a decisão deste Tribunal, pela parcial procedência dos pedidos, fixando pensionamento no valor de dois salários mínimos até a data em que o de cujus completaria 65 anos e 250 salários mínimo a título de danos morais, transitou em julgado em 03 de abril de 2013, consoante inferi da pág. 626 dos autos de origem. 9- Após iniciada a fase de cumprimento de sentença, devidamente intimada sobre a frustração da penhora, os Exequentes, ora agravados, requereram a desconsideração da personalidade jurídica da Executada, de modo a ser implementado o bloqueio online de ativos financeiros dos sócios da sociedade empresária para garantir o adimplemento da dívida exequenda (fls. 686-692), requerimento este não acolhido pelo julgador singular através da decisão de fls. 730-731, objeto da presente interposição. 10- Pelo cotejo do processo originário, depreende-se a escassez de recursos das partes Acionantes para encontrarem eventual patrimônio da empresa Acionada capaz de fazer frente ao débito executado, restando latente que o inadimplemento manifestado pela sociedade empresária até o presente momento da dívida, quando já transcorridos extenso lapso temporal desde início do cumprimento da sentença, assim como a ausência de notícia sobre a existência de bens suficientes à satisfação do débito, manifestada sobretudo diante da letargia da empresa em relação ao adimplemento do comando judicial, apontando para a ocultação do patrimônio da executada, estão evidenciados de forma suficiente ao deferimento da medida. 11- Com efeito, considerando o obstáculo criado pela personalidade jurídica da Agravante ao ressarcimento do prejuízo ocasionado aos Exequentes, que, urge salientar, traduz em obrigação de natureza estritamente alimentar, imprescindível é a aplicação da Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica ao caso em apreço, nos moldes do § 5º , do art. 28 do CDC , de modo a permitir que o patrimônio dos sócios daquela respondam pela solvência do débito objeto de execução, não havendo que se falar em reforma da decisão agravada. 12- Recurso conhecido e desprovido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 11 de agosto de 2021 Presidente do Órgão Julgador Exmo. Sr. EMANUEL LEITE ALBUQUERQUE Relator