DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONCURSO DE CRIMES. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INTEGRAÇÃO À ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. USO DE DOCUMENTO FALSO. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DA PROVA. ACESSO AO CELULAR DO ACUSADO. INEXISTÊNCIA. QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO JUDICIALMENTE AUTORIZADO. TRÁFICO DE DROGAS. NÃO APREENSÃO DE SUBSTÂNCIA. NÃO REALIZAÇÃO DE EXAME DE CONSTATAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA MATERIALIDADE. ABSOLVIÇÃO. PLEITO ABSOLUTÓRIO RELATIVAMENTE AO CRIME DE INTEGRAÇÃO À ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PROCEDÊNCIA. PROVA TESTEMUNHAL NÃO JUDICIALIZADA. INTERROGATÓRIO DO ACUSADO. NEGATIVA DE AUTORIA. NECESSIDADE DE CONTRAPONTO PROBATÓRIO ORAL. SENTENÇA BASEADA EM RELATÓRIO POLICIAL DE EXTRAÇÃO DE CONVERSAS EM APLICATIVO DE MENSAGEM. NÃO IDENTIFICAÇÃO INEQUÍVOCA DO VÍNCULO DO ACUSADO COM A PESSOA DE EPÍTETO AGN. FUNDAMENTOS EM DECLARAÇÕES EXTRAJUDICIAIS. FASE DE INQUÉRITO. NÃO JUDICIALIZAÇÃO. DELITO DE USO DE DOCUMENTO FALSO. PROVA SEGURA E INCONTESTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO. INDEFERIMENTO. DÚVIDA RELATIVA À PROPRIEDADE. CAUTELA ESTATAL DEVIDA. DOSIMETRIA DA PENA. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. REAVALIAÇÃO. REDUÇÃO DA REPRIMENDA. IMPOSIÇÃO DE REGIME INICIAL ABERTO. CONCESSÃO DE LIBERDADE MEDIANTE CUMPRIMENTO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DENÚNCIA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. RÉU ABSOLVIDO EM RELAÇÃO AOS CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTS. 33 DA LEI Nº 11.343 /06 E 2º, §§ 2º E 3º, DA LEI 12.850 /13. 1. Cuida-se de recurso de apelação interposto pela defesa contra sentença prolatada pelo Juízo da Vara de Delitos de Organizações Criminosas da Comarca de Fortaleza/CE, que julgou parcialmente procedente a pretensão acusatória formulada na denúncia, condenando o acusado pela prática dos crimes previstos no art. 2º , §§ 2º e 3º , da Lei nº 12.850 /13, art. 33 , caput, da Lei nº 11.343 /06, e art. 304 do Código Penal , à pena de 18 (dezoito) anos, 6 (seis) meses e 5 (cinco) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, além de 1.460 (mil quatrocentos e sessenta) dias-multa. 2. Em preliminar tópico recursal, alega a defesa que a denúncia se apoia em conversas de aplicativo de celular, cujo acesso pelo aparelhamento policial ocorrera sem a devida autorização judicial, ofendendo o princípio constitucional da inviolabilidade das comunicações telefônicas, previsto no inc. XII do Art. 5º da Constituição da Republica . O suposto acesso ilegal, porém, não se observa no caso em tablado, porquanto a autoridade policial apenas apreendeu os aparelhos de telefonia de celular, sendo o acesso aos dados nele constantes realizados apenas após a devida autorização judicial. Pleito, portanto. Rejeitado. 3.. Em relação ao delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei 11.343 /2006, diviso que à defesa assiste ampla e total razão, porquanto, em linha de coerência que tenho adotado em julgados precedentes, considero que, a apreensão de material supostamente classificado como droga ilícita é indispensável para que seja submetido a exame pericial, a fim de se constatar a natureza entorpecente da substância. Tal qual venho adotando alhures, não compactuo com a ideia de que interceptações telefônicas ou outro elemento de prova supra a lacuna deixada, seguindo orientação da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que, no julgamento do EREsp nº 1.544.057/RJ, uniformizou o entendimento de que ¿a ausência do laudo definitivo toxicológico implica na absolvição do acusado, em razão da falta de comprovação da materialidade delitiva¿, ressalvando-se, no azo, a ¿possibilidade de se manter o édito condenatório, quando a prova da materialidade delitiva está amparada em laudo preliminar, dotado de certeza idêntica ao do definitivo, certificado por perito oficial e em procedimento equivalente¿. (EREsp XXXXX/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA , TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2016, DJe 09/11/2016). 4. No que tange ao pleito absolutório relativamente ao crime de integrar organização criminosa (art. 2º , §§ 2º e 3º , da Lei 12.850 /2013), observa-se que, de fato, nos dados extraídos do aplicativo de mensagens, a pessoa de AGN tem diálogos que denotam sua participação em atividades criminosas, quando diz que vai fornecer armamento para determinada pessoa, que vai financiar munições, que possui determinados armamentos, que quer tirar certas pessoas que residem no bairro ou quando fala sobre compra de dinamite. 5. Há que se verificar, portanto, se tal pessoa (AGN) trata-se do denunciado Francisco Cilas de Moura Araújo . E, nesse particular, a verdade é que nada daquilo que foi apreendido, segundo relatos, em poder do acusado, tem o condão de estabelecer esse vínculo entre o acusado e AGN, nem o anel com as siglas ¿MG¿, nem o caderno de anotações, nem RG falso em nome de FLARES ONÓRIO DA SILVA , tampouco o automóvel Toyota Corolla, placas OEC3151, e três aparelhos celulares.¿. 6. Nessa linha de exclusão de possibilidades, resta a apreensão dos aparelhos de telefonia celular, cuja perícia técnica aponta, como já dito acima, condutas criminosas atribuídas ao tal AGN, além de trazer fotos que potencializam indícios da prática de crimes, como tráfico, organização criminosa e porte ilegal de arma de fogo, mas não traz a certeza quanto à autoria delitiva do acusado. O próprio Ministério Público, diz que há grande probabilidade de AGN ser Francisco Cilas de Moura Araújo , ou seja, o órgão da acusação, a quem cabe o ônus da prova, hesita em incertezas e se apoia em ilações e conjecturas para firmar um juízo condenatório. Essas dubiedades permeiam todo o processo e se estampa na sentença hostilizada, mais uma vez, quando diz que: ¿(¿) Outra constatação relevante é que, em uma das folhas do caderno apreendido, encontrou-se a inscrição ¿Lista dos moleques PR¿, sendo a sigla ¿PR¿ possivelmente correspondente à palavra presos (¿)¿ (pág.364 ¿ grifei e negritei). 7. Sobre o conteúdo do relatório técnico de extração de dados dos telefones, vale ressaltar, que no processo nº XXXXX-55.2020.8.06.0001 (Pedido de Quebra de Sigilo de Dados Telefônicos), precisamente no relatório técnico alojado nas páginas 75/112, há diversas fotos extraídas do icloud murilorocha20@icloud.com, utilizado no ID Apple, vinculado ao aparelho telefônico apreendido durante a investigação. No citado documento, vê-se uma foto que se supõe ser do acusado (estilo 3 x 4), fotos de munições, dinheiro em espécie, drogas, pessoa baleada etc (pág.85), pichações do CV (pág.88), armas (91/93), drogas, balança de precisão (págs.97/100) e vítimas de homicídio (págs.104, 107/109). É, sem dúvida, repita-se, uma prova de materialidade delitiva e, por encontrar-se armazenada em icloud vinculado a aparelho da companheira do acusado, constitui-se também em indicativo de autoria. Todavia, apenas um indicativo, e disso não passam, um propedêutico elemento inquisitório produzido de fase investigativa. Ao exame acurado do conteúdo do sobredito relatório não há fotos, imagens ou mensagens, que demonstrem o acusado em situação que se faça presumir sua condição de integrante de facção criminosa, seja empunhando armas, seja acompanhado de pessoas integrante desse tipo de corporação, seja conduzindo drogas, seja próximo a pessoas supostamente vitimadas por essas facções. 8. Esse cenário processual, onde existe prova oral de negativa de autoria que toca em pontos nevrálgicos, exige esclarecimentos em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Contudo, o órgão da acusação não arrolou testemunhas, inexistindo prova oral judicializada a desconstruir a negativa de autoria do apelante. No caso em liça, mostra-se muito clara a necessidade de oitiva de testemunhas, a fim de se confirmar dentro do jogo do contraditório e com a armadura da ampla defesa, a efetiva participação e liderança do acusado na facção criminosa, fosse ratificando os termos dos relatórios técnicos, fosse confirmando aquilo que disseram em sede de inquérito policial. 9. É intrigante que se utilize como prova as declarações de César Marinho Borges e Kildary Willian Cavalcanti Rebouças , como testemunhas da fase inquérito que afirmaram a condição de faccionado do acusado, mas não tenham sido ouvidas em juízo, em evidente quebra do contraditório. Haver-se-ia de ouvir, ainda, as pessoas de Mateus Jorge do Nascimento , vulgo Mateuzim¿, que segundo o relatório técnico, teria tatuado a imagem de um ¿Mago¿(apelido de Cilas), além de Mardônio Maciel Vasconcelos , que teria sido autuado em flagrante em 31 de julho de 2020, por integrar organização criminosa e estaria a figurar no caderno de anotações apreendido pela polícia. Há de se questionar, ainda, por que não foram ouvidas as testemunhas policiais responsáveis pela prisão do acusado, o que seria de suma importância, dada a proximidade com os fatos e a possibilidade de contradita das partes sobre aspectos que se mostram tão controversos no presente caso. Destarte, postas as provas produzidas nos autos, sobretudo em juízo, realmente não consigo vislumbrar a comprovação do crime de integrar organização criminosa, embora seja facilmente presumível, como já dito, mas uma sentença penal não se conforma com presunções ou probabilidades, é preciso mais que isso, é preciso a certeza. Nessa perspectiva há de se reformar a sentença para decretar a absolvição do acusado em relação ao citado tipo penal. 10. No que tange ao crime de uso de documento falso, trata-se de questão que não reclama maiores considerações e incursões prolixas, uma vez que a prova se mostra suficiente, a começar pela própria confissão judicial do acusado, além do exame pericial que atesta a efetiva materialidade do crime. 11. Acerca do pedido de restituição do veículo, supostamente pertencente à empresa de locação, está atrelado a uma prova por demais inconsistente, já que, encontra-se em nome da senhora Leida Maria Lima Oliveira (pág.268), ou seja, inexiste a comprovação da propriedade do bem. Frise-se, ainda, que a qualidade de procurador não se confunde com a condição de proprietário ou possuidor, de maneira que não que se considerar a procuração outorga por Leida à JG Transporte como prova da sobredita condição. Aliás, aludida procuração pública é datada de 13/07/2020, ou seja, após a apreensão do veículo objeto do pedido de restituição, o que põe em dúvida a própria lisura do citado instrumento público, não tendo a defesa, a respeito dessa incongruência, tecido qualquer argumento quando da elaboração de suas razões recursais. Vicejam, portanto, motivos para que o veículo permaneça sob a custódia estatal. E não se trata de confisco nem de perdimento de bens, mas tão somente de medida profiláctica, já que não se trouxe aos autos a prova da legítima propriedade de quem o solicita. 12. Remanescendo condenação apenas em relação ao crime de uso de documento falso, opera-se a dosimetria da pena, concluindo-se por reduzir a pena-base para o mínimo legal, por inexistir fundamentos para sua elevação, e, à míngua de atenuantes, agravantes, causas de diminuição e de aumento, fixar a pena final em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. 13. Em outra análise, o acusado tem contra si uma pena de reclusão abaixo de 4 (quatro) anos, além de ser primário e ter as circunstâncias judiciais integralmente favoráveis, razão pela qual fixo-lhe o regime ABERTO para início do cumprimento da pena, o que faço com esteio no art. 33 , § 2º , alínea c, § 3º, do Código Penal . 14. Por fim, é preciso ponderar que o regime inicial aberto ora estabelecido para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade imposta ao réu, é incompatível com o encarceramento em tempo integral que caracteriza a prisão preventiva. Destarte, uma vez estabelecido, em sentença penal condenatória recorrível ou no acórdão da apelação criminal, o início do cumprimento da pena em regime aberto ou semiaberto, incabível que o sentenciado seja mantido preso cautelarmente até o trânsito em julgado, ainda que sob o fundamento de estarem presentes os requisitos previstos no art. 312 do CPP , pois do contrário, mesmo com as regras da prisão adaptadas ao regime semiaberto, o que estaria ocorrendo, indisfarçavelmente, seria o cumprimento antecipado da pena ainda não confirmada por decisão transitada em julgado. Precedentes do STF. Nessa perspectiva, outra via mais razoável e consentânea não existe, senão, como único modo de compatibilizar, adequada e logicamente, a necessária constrição processual ao sentenciado com o regime inicial semiaberto de cumprimento da pena imposto, RELAXAR SUA PRISÃO, como de fato RELAXO, determinando, com fundamento nos parágrafos 5º e 6º do art. 282 do Código de Processo Penal , a substituição da prisão preventiva decretada em desfavor dos acusados por medidas cautelares diversas da privação de liberdade, previstas nos incisos do art. 319 do mesmo diploma legal, ora especificadas, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias. 15. Recurso conhecido e parcialmente provido. Denúncia julgada parcialmente procedente. Réu absolvido em relação aos crimes tipificados nos arts. 33 da Lei nº 11.343 /06 e 2º, §§ 2º E 3º, da Lei 12.850 /13. ACÓRDÃO Acordam os integrantes da Terceira Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, por uma de suas Turmas, em conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto desta relatora. Fortaleza/CE, 18 de julho de 2023. Marlúcia de Araújo Bezerra Relatora