PROCESSO Nº: XXXXX-89.2019.4.05.8300 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: HANS FABBIO TAVARES LIRA ADVOGADO: Juleika Patricia Albuquerque De Barros RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Francisco Roberto Machado - 1ª Turma MAGISTRADO CONVOCADO: Desembargador (a) Federal Leonardo Augusto Nunes Coutinho JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1º GRAU): Juiz (a) Federal Roberto Wanderley Nogueira EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. AVALIAÇÃO DE SAÚDE. CANDIDATO PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR. ELIMINAÇÃO. ILEGALIDADE. AFERIÇÃO DA (IN) COMPATIBILIDADE DA DEFICIÊNCIA COM AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO NO ESTÁGIO PROBATÓRIO. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA IMPROVIDAS. 1. Remessa necessária e apelação interposta pela UNIÃO contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco que julgou procedente o pedido inicial, ratificando a tutela de urgência anteriormente deferida, para determinar a reinclusão da parte autora no Certame para a Polícia Rodoviária Federal, enquanto pessoa com deficiência (com visão monocular - baixa acuidade no olho direito), independente de alegação de sua deficiência representar obstáculo ao desempenho de atribuições do cargo da Polícia Rodoviária Federal, assegurando-se a participação do candidato nas demais fases do concurso, bem como proceder à sua nomeação e posse, em vindo a ser aprovado, segundo a ordem classificatória e dentro do prazo de validade do concurso público, pois consequências lógicas a serem observadas, nos termos do edital do concurso público em questão. Condenação dos demandados ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, nos termos do art. 85 , §§ 1.º , 2.º e 3.º , I , do CPC . 2. No caso dos autos, o recorrido participou do supracitado, regido pelo Edital nº 01/2018, concorrendo nas vagas destinadas aos candidatos com deficiência (PCD), por ser portador de visão monocular, com lotação no Estado do Pará. A primeira etapa do certame incluiu as seguintes fases: 1) Prova Objetiva e Discursiva; 2) Exame de Capacidade Física; 3) Avaliação de Saúde e Psicológica; 4) Avaliação de Títulos; e 5) Investigação Social. Por sua vez, a segunda etapa consistia no Curso de formação Profissional. Após aprovação no teste físico, o recorrente foi convocado para o exame médico. Todavia, nesta etapa o autor foi considerado inapto para o cargo almejado, visto que "apresenta acuidade visual com correção de 20/400 em olho direito", entendendo a junta médica de que se trata de situação incompatível: a) com o cargo pretendido; b) potencializada com as atividades a serem desenvolvidas; c) capaz de gerar atos inseguros que venham a colocar em risco a segurança do candidato ou de outras pessoas e d) potencialmente incapacitante a curto prazo. Ademais, apresentou ainda "PA elevada na avaliação médica (160 x 80 mmHg)". Inconformado, interpôs recurso administrativo, o qual foi indeferido, resultando na eliminação do concurso. 3. O cerne da questão diz respeito ao reconhecimento de suposta ilegalidade na conduta da Administração que eliminou o recorrido do concurso, ensejando seu reingresso no certame e, por conseguinte, a nomeação e posse no cargo de policial rodoviário federal. 4. O art. 37, inciso II, da Constituição estabelece que "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração". Por sua vez, o inciso VIII dispõe que "a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão". 5. A fim de concretizar o mandamento constitucional, a Lei nº 13.146 /2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que trata da inclusão de pessoas com deficiência na vida social e o exercício da cidadania, dispõe no art. 34 , caput , que "a pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas". Adiante, o parágrafo 3º do aludido artigo determina que "é vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena". 6. O Edital é o instrumento que estabelece as regras a serem observadas pela Administração Pública e pelos candidatos a fim de que o acesso aos cargos/empregos públicos seja concretizado da maneira mais isonômica possível, observando-se ao longo da realização do certame os princípios que regem a Administração Pública como dispõe o caput do art. 37 da Carta Maior. 7. Observa-se que o subitem 5.1 do Edital dispõe expressamente que "das vagas destinadas ao cargo/UF e das que vierem a ser criadas durante o prazo de validade do concurso, 5% serão providas na forma do § 2º do artigo 5º da Lei nº 8.112 /1990, do Decreto nº 3.298 , de 20 de dezembro de 1999, e suas alterações, da Lei nº 13.146 , de 6 de julho de 2015, e do Decreto 9.508 , de 24 de setembro de 2018, e suas alterações, sobretudo nos termos do art. 3º , inciso III , e art. 4º, § 4º". Já o subitem 5.1.4 determina que "serão consideradas pessoas com deficiência aquelas que se enquadrarem no art. 2º da Lei Federal nº 13.146 /2015; nas categorias discriminadas no art. 4º do Decreto Federal nº 3.298 /1999, com as alterações introduzidas pelo Decreto Federal nº 5.296 /2004; no § 1º do art. 1º da Lei Federal nº 12.764 , de 27 de dezembro de 2012 (Transtorno do Espectro Autista); e as contempladas pelo enunciado da Súmula nº 377 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): 'O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes', observados os dispositivos da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Decreto Federal nº 6.949 /2009". Por sua vez, o subitem 5.2.1 estabelece que "o parecer emitido por equipe multiprofissional e interdisciplinar observará: a) os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; b) os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; c) a limitação no desempenho de atividades; d) a restrição de participação". O subitem 5.5 informa que "as condições psicológicas, clínicas, sinais ou sintomas que comprometem e (ou) impossibilitem o desempenho das atribuições inerentes ao cargo de Policial Rodoviário Federal, estão previstas no item 2.2 do Anexo IV deste edital, e serão causa de inaptidão no certame". Por fim, o subitem 5.11 esclarece que "o candidato com deficiência que, no decorrer do estágio probatório, apresentar incompatibilidade da deficiência com as atribuições do cargo será exonerado. Se a incompatibilidade ocorrer durante o curso de formação, o candidato será eliminado". 8. No tocante às restrições clínicas que impossibilitam o exercício do ofício almejado, especificamente do sentido da visão, reproduz-se excerto do anexo supracitado, que resultou na reprovação do candidato, in verbis: "acuidade visual a seis metros (avaliação de cada olho separadamente): acuidade visual com a melhor correção óptica: na qual serão aceitas as acuidades visuais de até 20/20 (1,0) em um olho e até 20/30 (0,66) no outro olho OU de até 20/40 (0,5) em ambos os olhos". 9. Nesta perspectiva, infere-se que os critérios de incompatibilidade do cargo no que tange à específica situação dos portadores de visão monocular é, no mínimo, contraditória, uma vez que os candidatos que têm esta condição clínica jamais escapariam da eliminação, visto que são cegos de um olho, configurando uma previsão editalícia maculada de ilegalidade. Desse modo, no caso concreto, a análise da suposta incapacidade do recorrido para exercer o cargo de policial rodoviário federal deve ser atestada na prática, a fim de se verificar a efetiva compatibilidade da deficiência com as atribuições do aludido cargo. 10. Após o deferimento da tutela pelo Juízo a quo, constata-se que o recorrido prosseguiu no certame e realizou o Curso de Formação Profissional em 2019 conforme certificado acostado aos autos, obtendo resultado médio de 9,04, bem acima da nota mínima de 7,00 para aprovação no Curso. Assim, classificou-se na sexta posição na lotação pleiteada, sendo nomeado e empossado precariamente. 11. Diante do exposto, depreende-se que houve conduta ilegal e discriminatória da Administração, que promoveu a eliminação do candidato sem aferir a compatibilidade da deficiência autoral e as atribuições do cargo almejado, legitimando a intervenção judicial a fim de afastar a flagrante ilegalidade. In casu, restou demonstrado que a visão monocular não tem se revelado um empecilho para o exercício da atividade de policial rodoviário federal, ressaltando que o autor cumpriu todas as etapas do certame, inclusive rigoroso treinamento da PRF, em igualdade de condições com os outros candidatos, não se observando ofensa à Isonomia. 12. De resto, é cabível a nomeação e posse do recorrido no cargo almejado. Considerando que o autor foi aprovado em todas as fases do certame, tratando-se de decorrência lógica sua posse no cargo pretendido, sob pena de ofensa à meritocracia e ao Princípio da Eficiência. Finalmente, acaso ao final do estágio probatório seja verificada a incompatibilidade da deficiência com as atribuições da profissão, nenhum óbice existirá para que a Administração promova a exoneração da parte autora, não sendo razoável aguardar o trânsito em julgado da ação para apenas então promover a posse do recorrido. 13. Neste sentido, "desarrazoada a conclusão de que o portador de visão monocular não exerça o cargo de Policial Rodoviário Federal, uma vez que o mesmo foi inscrito na cota de deficientes, não sendo plausível, portanto, que seja excluído do certame justamente por conta desta deficiência. [...] Assegurada a participação do Autor/Apelado nas fases faltantes do concurso e, caso ele seja aprovado nas referidas fases, que seja nomeado para o cargo pretendido, observadas a classificação e a oferta, uma vez que a Administração deve, no estágio probatório, verificar a compatibilidade entre as atividades desempenhadas no cargo e a sua deficiência" [TRF5 - Processo nº XXXXX20134058400 - AC - Terceira Turma - Rel. Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira (Convocado) - Data do Julgamento: 30/04/2015]. 14. Conforme ressaltado na sentença: "No caso dos autos, inegável é a deficiência visual do autor, merecedora que é da proteção legal, que não deve ter seu sistema protetivo restringido aos que, segundo o entendimento da Administração, estariam capacitados para o exercício da função pública em questão". Precedentes. 15. Remessa necessária e apelação improvidas. Honorários advocatícios, fixados na sentença, majorados em 10%, ex vi do disposto no § 11 do art. 85 do CPC (honorários recursais).