CORREIÇÃO PARCIAL – CRIME DE ESTELIONATO – ALTERAÇÃO PELA LEI 13.964 /19 (PACOTE ANTICRIME) – MUDANÇA DE AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA PARA PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO – DECISÃO QUE APLICA RETROATIVAMENTE A LEI NOVA E DETERMINA INTIMAÇÃO DA VÍTIMA PARA FORMALIZAR REPRESENTAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – DENÚNCIA OFERECIDA E RECEBIDA – ATO JURÍDICO PERFEITO E ACABADO – RIGOR FORMAL DESNECESSÁRIO – INEQUÍVOCA DEMONSTRAÇÃO DE VONTADE DA VÍTIMA PARA DEFLAGRAR A PERSECUÇÃO PENAL – RETROATIVIDADE BENÉFICA QUE DEVE SE RESTRINGIR À FASE INQUISITORIAL – PRECEDENTES – CORREIÇÃO PARCIAL CONHECIDA E PROVIDA. 1. A Lei n.º 13.964 /2019, conhecida como "Pacote Anticrime", dentre as várias e significativas mudanças que introduziu no ordenamento jurídico penal e processual penal, alterou a natureza da ação penal no crime de estelionato, que passou de pública incondicionada para, salvo algumas exceções, pública condicionada à representação da vítima, nos termos do art. 171 , § 5.º , do Código Penal . 2. Não se discute que a norma em questão possui caráter híbrido, e que, por ser mais benéfica ao réu, pode retroagir para beneficiá-lo. Contudo, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça vem consolidando entendimento no sentido de que, "além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade." ( AgRg na PET no AREsp XXXXX/SP , Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julg. 23/06/2020, DJe 30/06/2020). Sobreleva notar que o entendimento até então defendido pelo STJ é corroborado pela jurisprudência dos tribunais pátrios, inclusive no âmbito desta Corte de Justiça. 3. De fato, é mais razoável que a aplicação retroativa do § 5.º do art. 171 do Código Penal , para exigir representação da vítima no crime de estelionato, se restrinja apenas à fase do inquérito policial, visto que, uma vez oferecida a denúncia, inaugura-se a fase processual da persecução penal, de modo que os efeitos retroativos da nova lei não poderiam atingir ato jurídico perfeito e acabado sob a égide da lei anterior, sobretudo quando já recebida a peça acusatória e instaurada a instrução criminal. 4. Convém consignar que a jurisprudência pátria sempre foi reiterada no sentido de não se exigir maiores formalidades para a representação da vítima, sendo suficiente a demonstração inequívoca do intento de que o Estado investigue o autor do fato delituoso, o qual pode ser extraído, por exemplo, do comparecimento espontâneo da vítima em delegacia e da sua oitiva pela autoridade policial ou judicial. 5. No caso vertente, a vítima manifestou interesse na persecução penal ao comparecer espontaneamente na delegacia, em 26/07/2019, para registrar boletim de ocorrência, e posteriormente ratificou o seu desiderato ao comparecer novamente perante a autoridade policial, em 01/08/2019, para prestar depoimento, oportunidade em que trouxe para serem juntados ao inquérito diversos recibos supostamente passados pelo denunciado, tudo a evidenciar que a vítima tinha inequívoca intenção de ver deflagrada a persecução penal em desfavor do acusado. 6. Assim, não resta espaço para aplicação retroativa do novel § 5.º do art. 171 do Código Penal no caso em tela, seja porque já oferecida e recebida a denúncia, gerando, portanto, ato jurídico perfeito e acabado, seja porque a vítima manifestou inequívoca vontade de ver instaurada a persecutio criminis, dispensando-se maiores formalidades. 7. Correição parcial conhecida e provida. Anulada a decisão recorrida. Remessa dos autos à origem para regular processamento.