Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Gabinete do Des. Antenor Cardoso Soares Júnior 3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO Nº XXXXX-14.2017.8.17.3130 AP ELANTE: MUNICÍPIO DE PETROLINA APELADO: GESILDA DO NASCIMENTO TIMOTEO RELATOR: DES. ANTENOR CARDOSO SOARES JÚNIOR EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS, SUPLEMENTOS E FRALDAS. INSUMO NÃO CONTEMPLADO NAS LISTAS DO SUS. IMPRESCINDIBILIDADE COMPROVADA. INTELIGÊNCIA DOS TEMAS 1.234 DA REPERCUSSÃO GERAL E 106 DOS REPETITIVOS, BEM COMO DO IAC 14. INTEMPESTIVIDADE DO APELO VOLUNTÁRIO. REEXAME IMPROVIDO. Cuida-se de reexame necessário e apelação cível interposta pelo Município de Petrolina contra sentença que o condenou a fornecer as fraldas, os alimentos especiais e os medicamentos pleiteados pela parte autora, ora apelada, de acordo com a prescrição médica, sob pena de sequestro de verba pública em caso de descumprimento. De início, quanto ao apelo do Município, numa análise detida dos autos, verifica-se que o Município apelante registrou ciência da sentença na data de 03/02/2020 (expediente de ID XXXXX do processo originário), e teria até o dia 23/03/2020 para interpor o recurso. Contudo, o presente recurso de apelação foi protocolizado, tão somente, no dia 08/06/2020. Assim, constata-se a falta de cumprimento de um dos requisitos extrínsecos de admissibilidade recursal, qual seja a tempestividade. Recurso voluntário não conhecido. Passa-se ao reexame necessário. Conforme cediço, a Constituição Federal prevê, em seu art. 196 , que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Para alcançar esse mister, a própria Carta Constitucional estabeleceu as bases para a criação do Sistema Único de Saúde - SUS e definiu, como uma de suas diretrizes, o "atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais" ( CF , art. 198 , II ). Nada obstante, embora seja certa a existência de um dever constitucional à prestação universal de serviços de saúde pública, múltiplas questões têm surgido a respeito doalcancedesse dever, e, mais recentemente, sobrequemdeve por ele responder, dentre as unidades da federação. O Superior Tribunal de Justiça julgou o Tema 106, em sede derecurso especial representativo da controvérsia.O Supremo Tribunal Federal, de sua parte, e em sede derepercussão geral, também se pronunciou no bojo dos Temas 500, 1161 e 793. No âmbito do IAC 14, o STJ decidiu que “as regras de repartição de competência administrativas do SUS não devem ser invocadas pelos magistrados para fins de alteração ou ampliação do polo passivo delineado pela parte no momento da propositura da ação”, devendo “prevalecer a competência do juízo de acordo com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar”.Essa decisão tem naturezavinculantepara as instâncias ordinárias e como tal deve ser cumprida. Outrossim, cumpre observar que o STF admitiu, como derepercussão geral (Tema 1.234-RG), a discussão sobre a “legitimidade passiva da União e a consectária competência da Justiça Federal, nas demandas que versem sobre fornecimento de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, mas não padronizados no Sistema Único de Saúde – SUS”. Precedente do STF.Forte nessa premissa, em 11.04.2023, o Ministro Gilmar Mendes proferiu, nos autos doleading casedo Tema 1.234-RG,ordem nacional de suspensãodo processamento de todos os recursos especiais e extraordinários em que se discuta a necessidade de inclusão da União no polo passivo da demanda que visa ao fornecimento de medicamento, como decorrência do direito fundamental à saúde. E, à vista do julgamento do IAC 14 pelo STJ, o Min. Gilmar Mendes proferiu, em 18.04.2023, nova decisão estabelecendo que as demandas judiciais relativas a medicamentos não incorporados pelo SUS devem ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema 1.234-RG, a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo. Essa decisão monocrática foi confirmada, à unanimidade, peloPlenário do STF, em 19.04.2023. Feitos esses registros, observa-se que, na hipótese vertente, as partes controvertem sobre insumo não incorporado às listas do SUS. Nesse contexto, em reverência ao entendimento firmado no âmbito dos Tribunais Superiores, e em conformidade com as diretrizes da medida exarada pelo Min. Gilmar Mendes (referendada pelo Pleno do STF), cumpre a esta Justiça Estadual de logo examinar o mérito da lide, à luz do Tema 106-STJ. Na hipótese, tem-se que foram cumpridos os requisitos delineados no Tema 106-STJ.A um, porque a imprescindibilidade do insumo solicitado resta evidenciada na prescrição (ID XXXXX) subscrita por médica neuropediatra e no receituário de controle especial subscrito por médico da Secretaria Municipal de Saúde de Petrolina, nos quais consta que o autor é portador de paralisia cerebral e epilepsia (CID G80 + G40.2) e necessita de fraldas tamanho XXG. A dois, porque consta nos autos declaração de hipossuficiência financeira na peça inicial, estando a parte autora assistida pela Defensoria Pública. E, a três, porque a fralda e os suplementos, embora não sejam medicamentos, foram indicados para auxiliar no tratamento da parte autora, o qual poderia restar comprometido, diante da fragilidade do seu quadro de saúde. Assim, é patente a gravidade da doença que aflige a parte autora, pelo que o fornecimento mensal de fraldas descartáveis, tamanho XXG, dos fármacos Nutrazepam 5mg e Oxcarbazepina 300 mg, bem como dos suplementos Ômega 3 e Nutridrink MA-PO sem sabor lhe deve ser assegurado, nos termos da prescrição médica constante nos autos, como forma de lhe garantir a efetividade dos seus direitos à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana, assegurados pelos arts. 5º e 196 da Constituição Federal . Não se trata de prestação jurisdicional invasiva da seara administrativa, eis que a ordem deferida em primeiro grau apenas determina o cumprimento de obrigação já adrede imposta pela própria Constituição da Republica . Ademais, descabe cogitar de aplicação do princípio da reserva do possível, haja vista que, de acordo com a jurisprudência do STF, a incidência dessa norma pressupõe sejam colacionados elementos de prova suficientes a embasar a alegação de restrição de ordem financeira, o que não se verifica na espécie. Por derradeiro, constata-se que, na hipótese de eventual descumprimento da obrigação imposta, foi levantada na sentença a possibilidade de imposição de pena de sequestro de valores, e não de astreintes, razão pela qual se torna despicienda a análise da insurgência recursal neste ponto. Reexame necessário improvido, à unanimidade. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do reexame necessário e Apelação Cível nº XXXXX-14.2017.8.17.3130 , acima referenciada, acordam os Desembargadores integrantes da 3ª Câmara de Direito Público deste Tribunal de Justiça em não conhecer do apelo do Município ante a sua flagrante intempestividade e em negar provimento ao reexame necessário, tudo em conformidade com a ementa, o relatório e o voto do Relator, que passam a integrar este julgado. Recife, data conforme assinatura eletrônica. Des. Antenor Cardoso Soares Júnior Relator