JUIZADO ESPECIAL. FAZENDA PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEITADA. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. COMUNICADO DE VENDA. TRANSFERÊNCIA DA PONTUAÇÃO DAS INFRAÇÕES DE TRÂNSITO. PROVA ROBUSTA JUNTADA AOS AUTOS. EMISSÃO DE DÉBITOS DE LICENCIAMENTO E MULTAS POSTERIORES. ERRO ADMINISTRATIVO. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSOS CONHECIDOS. PRELIMINAR REJEITADA. NÃO PROVIDO O RECURSO DA TERCEIRA PARTE RÉ. PROVIDO O RECURSO DA PARTE AUTORA. I. Trata-se de recursos inominados interpostos pela parte autora e pelo terceiro réu (?Detran/DF?) em face da sentença que julgou procedente em parte os pedidos formulados na inicial para determinar que a primeira parte ré efetue a transferência do veículo e respectivos débitos de licenciamento, multas e suas respectivas pontuações para o seu nome, bem como para ?determinar as providências junto ao DETRAN a fim de que exclua do prontuário da autora a pontuação referente a todas as infrações de trânsito cometidas com o veículo respectivos encargos moratórios, eventualmente vinculados ao veículo (...) gerados a partir da data da comunicação da venda (24.8.2015)?. Em seu recurso a parte autora relembra que em dezembro de 2012 realizou a assinatura do DUT face a venda do veículo, sendo que efetuou o comunicado de venda em 24/08/2015. Todavia, defende que mesmo após o comunicado de venda o Detran/DF continua emitindo o licenciamento em seu nome, bem como alega que continuou a receber notificações de multas posteriores ao comunicado de venda. Ainda, destaca a existência de execução fiscal de 2016 onde são imputados diversos débitos em face da autora quando seriam devidos pela adquirente do veículo. Assim, defende a existência de ato ilícito da adquirente do veículo e do Detran/DF, de modo que devida a reparação por danos morais. Em seu recurso o Detran/DF sustenta a sua ilegitimidade passiva, especificamente quanto ao pedido para exclusão do prontuário da parte autora das multas posteriores a 24/08/2015, sendo todas emitidas pelo DER ou pelo DNIT, mantendo a sua legitimidade passiva apenas para as demais pretensões elencadas na inicial. No mérito, assinala ser inviável a retirada das multas de trânsito do prontuário da parte autora, visto que deveria indicar o condutor das infrações no prazo fixado no artigo 257 § 7º do CTB . II. Recursos próprios e tempestivos. Dispensado de preparo o da parte autora ante pedido formulado de concessão da gratuidade de justiça e isento de custas o recurso do Detran/DF. As contrarrazões não foram apresentadas. III. Consta nos autos alguns pedidos direcionados ao Detran/DF, sendo que a suposta ausência de responsabilidade quanto ao pedido que aborda as infrações posteriores ao comunicado de venda sob a tese de que seriam do DER e do DNIT não conduz à ilegitimidade passiva do Detran/DF, mas tão somente a eventual improcedência em face da autarquia de trânsito quanto àquele pedido específico. Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada. IV. O artigo 257 § 7º do CTB estabelece que: ?Quando não for imediata a identificação do infrator, o principal condutor ou o proprietário do veículo terá o prazo de 30 (trinta) dias, contado da notificação da autuação, para apresentá-lo, na forma em que dispuser o Contran, e, transcorrido o prazo, se não o fizer, será considerado responsável pela infração o principal condutor ou, em sua ausência, o proprietário do veículo?. O prazo legal corresponde ao período disponibilizado na esfera administrativa para a transferência da pontuação, não existindo óbice para que o pedido seja formulado perante o Poder Judiciário após o transcurso daquele prazo, em conformidade com o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5.º, XXXV da CF/88). V. Face a presunção de legitimidade do ato administrativo, a eventual transferência da pontuação na via judicial exige prova robusta das alegações, o que é possível apurar no caso concreto. Isso porque a parte autora comprovou que efetuou a venda do veículo conforme DUT assinado no final do ano de 2012 e que promoveu o comunicado de venda em 24/08/2015. Portanto, é possível apurar que o veículo não estava sob posse da autora, devendo ser mantida a sentença que determinou a exclusão da pontuação do prontuário da parte autora referente a todas as infrações de trânsito cometidas com o veículo e respectivos encargos moratórios gerados a partir da data da comunicação da venda. VI. Especificamente quanto à primeira parte ré pontue-se que, apesar da sua omissão na formalização da transferência junto ao Detran/DF, não há que se falar em danos morais. Isso porque a desídia da parte autora contribuiu para todo o desgaste vivenciado, eis que os transtornos e aborrecimentos decorrentes da inércia da adquirente do veículo poderiam ter sido evitados pela própria autora se à época da venda do veículo tivesse cumprido o seu dever legal de comunicar ao órgão de trânsito a transferência de propriedade. Portanto, a situação dos autos não configura dano moral devido pela adquirente do veículo, pois a autora deixou de cumprir o dever legal de comunicar a venda do veículo, concorrendo para a ocorrência dos danos que alega ter suportado diante da desídia da ré. Precedente: (Acórdão XXXXX, XXXXX20228070007 , Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA , Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 27/3/2023, publicado no DJE: 10/4/2023. Pág.: Sem Página Cadastrada.) VII. Quanto ao pedido de condenação por danos morais em face do Detran/DF, inicialmente pontue-se a ausência de irregularidade da autarquia pelo ajuizamento da ação de execução fiscal em face da parte autora no ano de 2016, eis que referente a débitos de licenciamento e multas em face da parte autora relativo a período anterior ao comunicado de venda do veículo. Por outro, na sua inicial a parte autora demonstrou que, após o comunicado de venda efetuado em 2015, os licenciamentos dos anos subsequentes continuaram sendo cobrados em face da autora (ID XXXXX). Do mesmo modo, as infrações de trânsito após 24/08/2015, ainda que emitidas pelo DER e DNIT, continuam sendo direcionadas em face da parte autora. Destaca-se que compete ao Detran/DF a manutenção do regular cadastro do veículo, bem como controle da pontuação dos condutores decorrente das infrações (ainda que emitidas pelo DER e pelo DNIT), sendo que as multas somente foram emitidas em face da parte autora por conta de erro administrativo do Detran/DF, que não efetuou o regular ajuste nos seus sistemas para retirar a responsabilidade da parte autora sobre o veículo após o comunicado de venda. A situação vivenciada pela parte autora, pessoa com mais de 80 anos, recebendo débitos de licenciamento e diversas multas de trânsito por 8 anos mesmo após efetuar o comunicando de venda junto ao Detran/DF, supera o mero aborrecimento, eis que acarreta angústia e sentimento de impotência face a impossibilidade de adotar solução administrativa para resolver a situação diante da desídia da autarquia de trânsito, eis que já havia efetuado o regular comunicado de venda. Dano moral configurado. VIII. O valor da indenização, a título de dano moral, deve levar em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o dano e a sua extensão, a situação do ofendido e a capacidade econômica do ofensor, sem que se torne causa de enriquecimento ilícito do ofendido. Desse modo, fixo o valor da condenação devida pelo Detran/DF em R$ 3.000,00 (três mil reais). IX. RECURSOS CONHECIDOS. PRELIMINAR REJEITADA. NÃO PROVIDO O RECURSO DA TERCEIRA PARTE RÉ. PROVIDO O RECURSO DA PARTE AUTORA. Sentença reformada para condenar o Detran/DF ré ao pagamento de danos morais, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com juros de mora de 1% ao mês desde a citação e correção monetária a partir desta data (Súmula 362, do STJ). Sem custas e honorários advocatícios pela parte autora face o provimento do seu recurso. O Detran/DF é isento de custas. Sem honorários pelo Detran/DF face a ausência de contrarrazões. X. A ementa servirá de acórdão, conforme art. 46 da Lei nº 9.099 /95.