PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. PECULATO-DESVIO. ESQUEMA DAS ASSOCIAÇÕES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PREJUDICIALIDADE COM A PROLAÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. ART. 41 DO CPP . OBSERVÂNCIA. NULIDADE DA PROVA DERIVADA DE COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÕES PELA RECEITA FEDERAL AO MINISTÉRIO PÚBLICO. NÃO OCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 157 , § 2º , DO CPP REJEITADA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR DECORRENTE DE CONTINUIDADE DELITIVA COM AÇÕES PENAIS CONEXAS. REJEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE SEM PREJUÍZO CONCRETO. AFASTAMENTO DA TESE DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS ORIGINAIS E DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. MATÉRIA PRECLUSA. DEFESA QUE NÃO POSTULOU A PRODUÇÃO DA PROVA. VEDAÇÃO AO BENEFÍCIO DA PRÓPRIA TORPEZA. PACOTE ANTICRIME. IRRETROATIVIDADE. NULIDADE POR INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. JUSTIÇA ELEITORAL. REJEIÇÃO. DECISÃO SURPRESA E VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE PROVAS JUDICIALIZADAS DA AUTORIA E DA MATERIALIDADE DELITIVAS QUANTO AOS ACUSADOS ALESSANDRO E ANDRE NOGUEIRA . ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. DOLO EVIDENCIADO. CONDENAÇÕES MANTIDAS. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA ACERCA DO DOLO NECESSÁRIO À CONFIGURAÇÃO DO TIPO PENAL DE PECULATO PARA O ACUSADO NASSER YOUSSEF. INVIABILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA. ABSOLVIÇÃO. DOSIMETRIA. ACOLHIMENTO PARCIAL DA PRETENSÃO ACUSATÓRIA. MAIOR DESVALOR DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. BIS IN IDEM NA DOSIMETRIA QUANTO AO ACUSADO ANDRÉ NOGUEIRA PARA A CULPABILIDADE E AS CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. MOTIVOS E CONSEQUÊNCIAS DO DELITO DESFAVORÁVEIS. PENAS-BASES REDIMENSIONADAS. COMPENSAÇÃO INTEGRAL DA ATENUANTE DA CONFISSÃO COM A AGRAVANTE RELATIVA À LIDERANÇA DO ESQUEMA CRIMINOSO PARA O RÉU ANDRÉ NOGUEIRA . HIGIDEZ. MAJORANTE DO ART. 327 , § 2º , DO CP . INCIDÊNCIA. CONTINUIDADE DELITIVA. FRAÇÃO MÁXIMA. MANUTENÇÃO DOS REGIMES FECHADOS PARA OS DENUNCIADOS ANDRÉ NOGUEIRA E ALESSANDRO. INDENIZAÇÃO MÍNIMA DO ART. 387 , IV , DO CPP INDEVIDA. RECURSO DE ALESSANDRO CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSOS DE ANDRE NOGUEIRA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARCIALMENTE PROVIDOS. RECURSO DE NASSER YOUSSEF INTEGRALMENTE PROVIDO. 1. Como se sabe, “é pacífico o entendimento do STJ de que a superveniência da sentença penal condenatória torna prejudicada a análise de eventual alegação de inépcia da denúncia” (STJ, AgRg no AgRg no AREsp n. 1.600.882/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz , Sexta Turma, julgado em 23/5/2023, DJe de 31/5/2023). Apesar de o recorrente afirmar que a denúncia não descreveu adequadamente o fato criminoso e que, por isso, é inepta, percebe-se da leitura da exordial que houve detalhamento da conduta praticada pelo apelante e pelos demais acusados, atendendo ao disposto no art. 41 do CPP . No mais, as nulidades suscitadas pela Defesa devem ser analisadas sob outro viés, não ensejando seu eventual acolhimento a rejeição da denúncia, mas sim a anulação da sentença. 2. No caso concreto, a Receita Federal, dentro da sua atribuição de controle fiscal, observou inconsistências mediante procedimento próprio, apurando o desvio de mais de vinte e seis milhões de reais da Assembleia Legislativa deste Estado, razão pela qual confeccionou um relatório consolidado das operações investigadas e compartilhou as informações com o Ministério Público, não havendo ilegalidade em tal procedimento, que prescinde de autorização judicial, conforme definido pelo STF em sede de repercussão geral (Tema 990). 3. Embora o STJ tenha, no julgamento do RHC XXXXX/ES , declarado a nulidade das provas oriundas da quebra de sigilo bancário da Editora Lineart Ltda. pela Receita Federal, referida decisão não possui efeito erga omnes e restringe-se à ação penal nº XXXXX-56.2008.8.08.0024 (024.080.139.033). Além disso, a Corte da Cidadania, apesar de reconhecer, naquele caso, a nulidade em decorrência do fornecimento pela Receita de dados obtidos sem prévia autorização para fins penais, não trancou aquela ação penal, haja vista a existência de provas independentes a comprovar o "Esquema das Associações". Existindo provas independentes aptas à demonstração dos fatos narrados na exordial, inexiste a alegada violação ao art. 157 do CPP . 4. Não prevalece a alegada inconstitucionalidade do art. 157 , § 2º , do CPP , uma vez que materializa a Teoria da Fonte Independente, plenamente admitida pelos Tribunais Superiores: STJ, AgRg no HC n. 638.935/MG, relator Ministro Felix Fischer , Quinta Turma, DJe de 9/4/2021; STF, AO 2093 , Relator (a): CÁRMEN LÚCIA , Segunda Turma, julgado em 03/09/2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG XXXXX-10-2019 PUBLIC XXXXX-10-2019. 5. A decisão proveniente do julgamento do RE 601.314 pelo STF, em sede de repercussão geral e que, portanto, possui efeito erga omnes, reconheceu a constitucionalidade dos artigos 5º e 6º da LC 105 /2001, que permitem o acesso da Receita Federal à movimentação financeira dos contribuintes diretamente, no exercício de sua atribuição fiscalizatória. A adoção do referido entendimento não viola a súmula 343 do STF e o entendimento firmado pela Corte Suprema no julgamento do Tema 733, pois não há que se falar em rescisão, revogação ou reforma da decisão proferida pelo STJ nos autos do RHC XXXXX/ES , a qual, além de não ter trancado a ação penal originária diante da existência de provas independentes não contaminadas que comprovavam o "Esquema das Associações", tem eficácia restrita ao processo em que prolatada, não se podendo transpor os limites da coisa julgada formada naquele processo. 6. A mera utilização de modus operandi semelhante para a prática dos delitos pelo acusado no esquema criminoso e o fato de terem sido praticados na mesma época não é suficiente a atrair a continuidade delitiva, mas apenas evidenciam uma habitualidade criminosa, não havendo que se cogitar em ausência de interesse de agir pela existência de condenação em ação penal conexa. 7. Embora o apelante alegue que o ajuizamento de diversas ações penais, frise-se, por fatos criminosos distintos, tenha ocasionado prejuízo à Defesa, referido argumento é vago e impreciso, mormente quando se verifica a fiel observância ao devido processo legal no presente feito. Não se admite o reconhecimento de prejuízo presumido pelo ordenamento jurídico pátrio, nos termos do art. 563 do CPP (pas nulittè sans grief). 8. Ainda que o recebimento dos valores do cheque de R$ 20.000,00 assinado por Vilmair tenha sido suscitado após a instrução processual, não há que se falar em decisão surpresa ou cerceamento de defesa, porquanto referida prova já constava dos autos desde a propositura da demanda. De tal sorte, não se sustenta o pedido da Defesa de anulação da sentença em razão de cerceamento de defesa decorrente de decisão surpresa, até porque a condenação e a caracterização do dolo encontra-se consubstanciada em outras provas, cuja análise deve ser transportada à análise do mérito da ação penal. 9. Quanto à alegação da Defesa de Alessandro de violação ao Juiz Natural por suposta competência absoluta da Justiça Eleitoral para o processamento do feito, verifica-se que a questão foi trazida pela primeira vez nesta oportunidade, somente após o conhecimento da Defesa acerca do julgamento desfavorável do mérito, conduta esta que vem sendo rechaçada pela jurisprudência pátria, que veda a arguição de nulidades de algibeira. Não obstante, ainda assim, no mérito da questão, melhor sorte não assiste à Defesa, porquanto não houve imputação de nenhum crime eleitoral aos apelantes, sendo certo que a motivação não estava relacionada especificamente a financiamento eleitoral, mas sim à intenção dos acusados de perpetuarem no Poder os participantes do esquema criminoso, de forma que, “não tendo havido imputação de crime eleitoral ou a ocorrência de conexão do delito comum com delito eleitoral, não se justifica a anulação da ação penal e encaminhamento do feito à Justiça Eleitoral”. Precedentes: STF – Rcl 42894 AgR, Relator Alexandre de Moares , Primeira Turma, DJe 7/2/2020; STJ – Rcl n. 42.842/PR , Relator Ministro Ribeiro Dantas , Terceira Seção, DJe de 3/5/2022. ( HC n. 746.737/DF , relator Ministro Joel Ilan Paciornik , Quinta Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 12/9/2022). 10. Se o apelante não se insurgiu sobre a higidez das cópias apresentadas no curso da instrução, incide a preclusão quanto à matéria, não sendo possível, nesta oportunidade, invocar a obrigatoriedade de apresentação da documentação original, devendo ser admitida a presunção de veracidade da documentação apresentada por cópia pelo Ministério Público. 11. Também porque não houve insurgência anterior acerca da suposta falsidade dos cheques apresentados em cópias é que não cabe a discussão acerca da não apresentação dos originais pelo Ministério Público, não se podendo cogitar em quebra da cadeia de custódia quando a Defesa do recorrente nem sequer postulou a apresentação da documentação original. 12. Vigora no ordenamento jurídico o princípio segundo o qual a ninguém é permitido se beneficiar da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans), razão pela qual a Defesa não pode alegar nulidade em razão da não realização de prova que não foi por ela pleiteada. 13. Não se reconhece a quebra de cadeia de custódia e, portanto, a violação à súmula vinculante 14 ou ao art. 158-A , do CPP , o qual, aliás, possui natureza puramente processual, sendo inviável sua retroatividade para alcançar a instrução realizada antes de sua vigência, por força do princípio “tempus regit actum”, previsto no art. 2º , do CPP . Precedentes. 14. Diferentemente do que sustentam as Defesas dos recorrentes, a sentença condenatória não se ampara exclusivamente em elementos coligidos em sede inquisitiva, porquanto a condenação, além de se amparar na prova documental carreada aos autos, tem arrimo na prova oral judicializada. 15. Restou evidenciado nos autos que o valor de R$ 36.000,00, derivado do “esquema das associações” foi depositado na conta do acusado Alessandro , o qual, por sua vez, deixou de produzir prova hábil a demonstrar a legitimidade da afirmação de que acreditava que os valores recebidos em sua conta derivava de um empréstimo que, diga-se de passagem, configuraria agiotagem, vedada pelo ordenamento jurídico. 16. Mesmo que o apelante André Nogueira afirme que agia como mero ordenador de despesas, a prova coligida nos autos evidencia que ele agiu de forma dolosa e fraudulenta, em descompasso com a lei. 17. Como se sabe, “caracteriza-se o dolo na conduta de peculato, quando o agente sabe, e tem vontade de se apossar, definitivamente ou desviar, conscientemente, o bem público, em benefício próprio ou de terceiro” (TJ-MT - APR: XXXXX20178110042 , Relator: JOSE ZUQUIM NOGUEIRA , Data de Julgamento: 26/09/2023, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 29/09/2023). 19. Embora seja provável a ciência do réu acerca do esquema criminoso, assumir tal conclusão, sem respaldo em outros elementos que permitam corroborá-la, equivale a responsabilizar objetivamente o réu, presumindo-se o dolo em sua conduta. Acerca do tema, o STF já houve por bem se pronunciar no sentido de que “deve ser refutada imputação centrada, unicamente, na posição de um dado agente na escala hierárquica governamental, por inegável afinidade com o Direito Penal Objetivo”, de forma que “não se admite a invocação da teoria do domínio do fato com vistas a solucionar problemas de debilidade probatória ou a fim de arrefecer os rigores para a caracterização do dolo delitivo, pois tais propósitos estão dissociados da finalidade precípua do instituto” (STF, AP 975 , Relator (a): EDSON FACHIN , Segunda Turma, julgado em XXXXX-10-2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-040 DIVULG XXXXX-03-2018 PUBLIC XXXXX-03-2018). 20. Havendo dúvidas quanto ao dolo necessário à configuração do delito de peculato imputado ao acusado Nasser , é imperiosa sua absolvição, com arrimo no art. 386 , VII , do CPP . 21. É fundamentação idônea para a valoração negativa das consequências do crime a desmoralização do Poder Legislativo capixaba ocorrida após a descoberta do esquema e sua publicização é uma consequência extremamente gravosa que abalou a estrutura do sistema de representatividade basilar do federalismo republicano, devendo ser dado maior desvalor à referida circunstância judicial diante do suposto expressivo valor da quantia desviada em desfavor da acusada merece acolhimento. 22. A utilização de meio fraudulento por esquema criminoso altamente organizado é elemento suficiente a exasperar a pena-base do acusado André Nogueira , mas referido fundamento foi utilizado para negativar tanto a culpabilidade do agente quanto as circunstâncias do delito, em indevido bis in idem, devendo ser neutralizada uma das circunstâncias judiciais. 23. Os motivos do crime são gravíssimos e destoam daquilo que é necessário à configuração o crime, já que o desvio das verbas foi feito com nítido o objetivo de perpetuar a manutenção dos integrantes do esquema criminoso no poder. 24. Houve fundamentação idônea quanto à valoração negativa da culpabilidade do réu Alessandro , que merece maior reprovação em razão da utilização de seu grau de parentesco com ex-deputado também integrante do esquema criminoso para obter vantagem financeira a partir do desvio de verbas públicas. 25. Adequada a compensação integral da agravante do art. 62 , I , do CP , com a atenuante da confissão, para o acusado André Nogueira . 26. Devem ser aplicada aos réus André Nogueira e Alessandro , ocupantes de cargos em comissão à época dos fatos, a majorante do art. 327 , § 2º , do CP , a qual não é afastada em razão da ocupação de cargo de natureza política. Precedentes. 27. Adequada a utilização da fração máxima para a continuidade delitiva, em decorrência do número de infrações penais praticadas. 28. É inviável o acolhimento da pretensão recursal acusatória de fixação de indenização mínima a ser paga pelos acusados nos termos do art. 387 , IV , do CPP , porquanto não houve requerimento expresso na denúncia neste sentido, o qual, segundo entendimento do STJ, é pressuposto indispensável ao arbitramento da verba, sob pena de julgamento extra petita. 29. Recurso de Alessandro Ventorim conhecido e desprovido. Recursos de Andre Nogueira e do Ministério Público parcialmente providos. Recurso de Nasser Youssef integralmente provido.