APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONTRATUAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. PROCEDÊNCIA INICIAL DO PEDIDO. VEÍCULO APREENDIDO E IMPROCEDÊNCIA DA RECONVENÇÃO ANTE A NÃO PURGAÇÃO DA MORA. NECESSIDADE DE REFORMA DO DECISUM. DISTINGUINSHING. INAPLICABILIDADE DO TEMA 722 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AO CASO CONCRETO. EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE MINUTA DE ACORDO EXTRAJUDICIAL ENTRE AS PARTES. COMPROVAÇÃO DE QUE O CUMPRIMENTO DO ACORDO RESTOU PREJUDICADO POR DESÍDIA DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA DA PARTE AUTORA NO ENVIO DO BOLETO BANCÁRIO PARA PAGAMENTO DOS VALORES EM ABERTO DEVIDAMENTE ATUALIZADOS. PARTE AUTORA QUE, CONCOMITANTEMENTE, DÁ SEGUIMENTO AO PLEITO JUDICIAL DE BUSCA E APREENSÃO MESMO COM AS NEGOCIAÇÕES EXTRAJUDICIAIS PARA ADIMPLÊNCIA DA DÍVIDA EM CURSO. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM CARACTERIZADO. ATOS CONTRADITÓRIOS ENTRE SI QUE CARACTERIZAM A QUEBRA DA BOA FÉ OBJETIVA. PARTE REQUERIDA QUE, INDUZIDA AO ERRO COM FALSA INFORMAÇÃO DE SUSPENSÃO PROCESSUAL, FORA SURPREENDIDA COM O CUMPRIMENTO DA LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO. INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE MANUTENÇÃO DA LEALDADE E CONFIANÇA, AINDA QUE NA FASE DE EXTINÇÃO CONTRATUAL. SENTENÇA REFORMADA A FIM DE DETERMINAR A DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO, OU, SUBSIDIARIAMENTE, A DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS PELO REQUERIDO, DEVIDAMENTE CORRIGIDOS. MANIFESTA MÁ-FÉ PROCESSUAL DA PARTE AUTORA. MOVIMENTAÇÃO DA MAQUINA JUDICIÁRIA DE FORMA TEMERÁRIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ RECONHECIDA DE OFÍCIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 80 , INCISO V , DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL . 1. Conforme relatado, tratam os autos inicialmente de ação de busca e apreensão proposta por Banco Toyota do Brasil S.A, ocasião em que a parte autora, ora apelada, propôs a presente demanda alegando que o apelante, Via Distribuidora de Alimentos, firmou em 18/04/2019 cédula de crédito bancário para aquisição de veículo Hilux SW4 SR, no valor total de R$ 328.099,32 (Trezentos e vinte e oito mil, noventa e nove reais e trinta e dois centavos), para ser pago em 36 prestações fixas, mensais e consecutivas, sendo cada uma, no valor de R$ 9.113,87 (Nove mil, cento e treze reais e oitenta e sete centavos), iniciando-se em 18/5/2019 e com término para 18/4/2022. Sustenta que após atraso, caracterizou-se a mora da parte apelante, cabendo a esta o pagamento integral do débito no prazo estipulado em Lei, sob pena de consolidação propriedade plena do bem. 2. Em sede de contestação e reconvenção, trouxe a apelante como matéria de fato, a existência de acordo extrajudicial em andamento firmado entre as partes já assinado por si, visando purgar a mora e dar continuidade ao contrato firmado, fato que fora desconsiderado pelo d. julgador de origem, que julgou procedente o pedido de busca e apreensão, confirmando a liminar outrora concedida, sob o fundamento da inexistência de comprovação da purgação da mora por parte do apelante, conforme as exigências estabelecidas em Lei e nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 3. Ab initio, afasta-se do caso sub judice, por meio da aplicação da técnica de Distinguishing, o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 722, que determina: ¿Nas ações de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, faz-se necessário ser paga a integralidade do débito, e não apenas o pagamento das parcelas vencidas, para caracterizar-se a purgação da mora¿. REsp nº 1418593 / MS (2013/XXXXX-4). No caso dos autos, após o ingresso da autora com a demanda de busca e apreensão em tela, as partes iniciaram os trâmites de transação extrajudicial, ocasião em que fora minutado termo de acordo, devidamente assinado pela parte requerida (fls. 144/147). Ademais, fls. 136 consta conversa em aplicativo WhatsApp, não impugnada pela parte autora, demonstrando que fora enviado o termo de acordo extrajudicial, devidamente assinado pela parte apelante. Às fls. 139, 140 e 141, nota-se que o apelante requer insistentemente o envio do boleto com os valores renegociados, e pede para conversar diretamente com representantes do escritório de advocacia responsável pela renegociação. 4. Por fim, em análise da minuta escrita do acordo extrajudicial enviada ao apelante, cabe transcrever a cláusula final: ¿E, por estarem justos e acordados em todos os termos deste ACORDO EXTRAJUDICIAL, assinam o presente instrumento, para os devidos fins de direito. Cumprido integralmente o presente acordo, compromete-se o Banco Credor a requerer a desistência do processo de Busca e Apreensão, Processo nº XXXXX-53.2020.8.06.0001 , perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza-CE, requerendo a extinção da demanda e consequente fim da lide. Fortaleza, 19 de fevereiro de 2020.¿ O aludido acordo previa que a primeira parcela seria paga dia 21 de fevereiro, com o envio do boleto no valor de R$ 21.154,76 (vinte e um mil, cento e cinquenta e quatro reais e setenta e seis centavos), no entanto, tal boleto não fora enviado, culminando com a posterior apreensão do veículo, ocasião em que o Banco apelado informou que não estaria mais disposto a receber os valores, tendo em vista que o veículo já estava sob sua posse direta. 5. Em resumo, o acordo já existia antes do cumprimento do mandado de busca e apreensão. A homologação judicial não era necessária para caracterizar a purgação da mora, pois já havia uma avença sobre os elementos alteradores da obrigação originária. Desde então, o que se viu por parte do escritório patrono da parte autora foram diversas informações genéricas, obscuras e confusas, e sempre inconclusivas. Nesse interregno, em clara afronta à boa-fé objetiva, a autora, apesar de informar ao requerido/apelante que o trâmite do presente processo estava suspenso aguardando a conclusão do acordo firmado, deu continuidade com o procedimento judicial, agindo em nítido venire contra factum proprium, bem como utilizando a máquina judiciária para a prática de nítido ato temerário aos preceitos da boa -fé processual. 6. De acordo com a lição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, o princípio da boa-fé objetiva é a mais imediata tradução do princípio da confiança e impõe aos contratantes a atuação de acordo com determinados padrões de lisura, retidão e honestidade, de modo a não frustrar a legítima expectativa e confiança despertada em outrem. Ademais, determina o Artigo 422 do Código Civil , que: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. O Enunciado nº 170 do Conselho da Justiça Federal, também, oriente que ¿a boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato¿. 7. Portanto, para além da quebra de expectativa perpetrada pela parte autora em desfavor do requerido/apelante, esta Relatoria salienta a nítida utilização da máquina judiciária de forma temerária pela parte autora, que, de maneira ardil, não informou ao juízo de origem sobre os trâmites do acordo extrajudicial, muito menos requereu a suspensão processual, como expressamente informado ao requerido. Desta via, a utilização da tramitação processual e do poder coercitivo inerente à liminar de busca e apreensão, para proceder de forma a romper com os parâmetros abalizadores das condutas da boa fé processual que devem existir entre as partes e os sujeitos do processo, devem ser rechaçadas com veemência por esta Egrégia Corte de Justiça. 8. Tais atos amoldam-se ao que se define como litigância de má-fé,segundo dispõe o Artigo 80, inciso V, ipsis litteris: ¿Considera-se litigante de má-fé aquele que: proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo¿.Sob essa premissa, condeno, de ofício, a parte autora ao pagamento de multa no importe de 3% (três por cento) sobre o valor atualizado da causa, por litigância de má-fé. 9. Por fim, há de se acolher parcialmente os pedidos formulados em sede de reconvenção, determinando-se a imediata devolução do veículo apreendido indevidamente, sob pena de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais), com limite global de R$ 30.000.00 (trinta mil reais), ou, em restando impossibilitada a devolução física do bem e o cumprimento do contrato nos termos pactuados e alterados pelo acordo extrajudicial, devem as partes retornarem ao status quo ante, cabendo a instituição financeira autora proceder com a devolução de todos os valores pagos pelo requerido/apelante, corrigidos monetariamente a partir de cada desembolso das prestações, devidamente acrescidos de juros moratórios contados a partir da citação. 10. Apelação conhecida e parcialmente provida. Sentença reformada em todos os termos. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, unanimemente, em conhecer do recurso de Apelação interposto para dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da relatora.