JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSO CIVIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO NÃO CONFIGURADO. INCOMPETÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. DIREITO DO CONSUMIDOR. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL NA PLANTA. CASO FORTUITO NÃO CONFIGURADO. TEMA 996 STJ. LUCROS CESSANTES. JUROS DE OBRA DEVIDOS PELA CONSTRUTORA. RECURSO CONHECIDO, PRELIMINARES REJEITADAS E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelos réus em face da sentença proferida pelo Juízo do Juizado Especial Cível e Criminal de São Sebastião que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para condenar os requeridos, de forma solidária, a pagarem à autora as quantias de R$ 637,26 (seiscentos e trinta e sete reais e vinte e seis centavos), a título de lucros cessantes, por cada mês de atraso na entrega do imóvel e de R$ 3.927,79 (três mil, novecentos e vinte e sete reais e setenta e nove reais), a título de danos materiais decorrentes de juros de obra pagos pela autora entre julho de 2022 e abril de 2023. 2. Recurso próprio e tempestivo (ID XXXXX). Custas e preparo recolhidos. 3. Em suas razões recursais, os réus sustentam, preliminarmente, a ilegitimidade passiva dos requeridos quanto aos juros de obra, o litisconsórcio passivo necessário em relação a Caixa Econômica Federal e a incompetência absoluta do juízo a quo, diante da necessidade de julgamento pela Justiça Federal. No mérito, aduzem ofensa ao princípio da congruência, alegando não haver solidariedade no caso, tampouco em aplicação do art. 323 do CPC . Asseveram a inexistência de atraso na entrega do imóvel, pois a data prevista no termo de reserva para entrega do imóvel é meramente estimativa. Mencionam a ocorrência de caso fortuito . Defendem a ausência de lucros cessantes. Pedem a reforma da sentença com a improcedência dos pedidos iniciais. 4. Em contrarrazões, a autora refuta as alegações do recorrentes e pugna pelo desprovimento do recurso. 5. Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva, com amparo na Teoria da Asserção, segundo a qual o exame das condições da ação deve ser feito com base nas alegações do autor. Assim, há legitimidade passiva das rés, porquanto são apontadas como responsáveis pelos prejuízos sofridos pelos consumidores e que pretendem ser ressarcidos em virtude do atraso na entrega do imóvel. Inexiste a alegada imprescindibilidade do litisconsórcio necessário com a Caixa Econômica Federal, pois se trata de demanda de consumidores contra a construtora, fundamentada na alegação de que sofreram prejuízos em razão do atraso na entrega da obra. Preliminares de intervenção de terceiro e incompetência da Justiça Estadual rejeitadas. 6. A relação entabulada entre as partes é tipicamente de consumo, porquanto presentes as figuras do consumidor e do fornecedor de serviços, nos termos dos artigos 2º e 3º da Lei 8.078 /90, estando, portanto, sujeita às disposições do Código de Defesa do Consumidor . 7. Ainda que a ação tenha sido extinta em relação ao autor Fabio Renato de Morais , em razão do seu não comparecimento à audiência de conciliação, nos termos do art. 51 , I , da Lei 9.099 /95, certo é que o contrato em questão foi firmado por ambos os autores, na condição de compradores, sendo que os requerentes são casados em regime de comunhão parcial de bens, razão pela qual, diante da solidariedade ativa existente na obrigação, cada um dos autores tem direito a exigir dos devedores o cumprimento da prestação por inteiro, nos termos do art. 267 do Código Civil . 8. Quanto à aplicação do art. 323 do Código de Processo Civil , a própria redação do aludido dispositivo legal esclarece a questão, ao afirmar que "na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação (...)". 9. Consta dos autos que as partes assinaram ?Termo de Reserva de Unidade Habitacional e Condições Iniciais para Processo de Financiamento Imobiliário nº 39996 Itapoã Parque? (ID XXXXX), o qual estimou a data de entrega do imóvel para 30/12/2021, admitindo, conforme a Cláusula 21, uma tolerância de 180 dias corridos para conclusão da unidade imobiliária. As recorrentes alegam que, quanto ao prazo de entrega da unidade imobiliária, houve novação contratual, pois o contrato de compra e venda (ID XXXXX) determina o prazo total de construção em 15/05/2023, não havendo, portanto, atraso na entrega da obra. O STJ firmou o Tema 996, aplicável ao caso de contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, que preconiza que ?na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância; (...) é ilícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. (...)?. Desse modo, é certo que o prazo estabelecido no contrato de promessa de compra e venda não deve substituir o prazo estimado no termo de reserva, porquanto no primeiro a informação não está prestada de forma clara e inteligível. Verifica-se que o prazo consta de um quadro geral, que pode muito bem passar despercebido pelo consumidor, principalmente porque difere e muito do prazo inicialmente estipulado e aceito pelo consumidor. Logo, deve prevalecer o prazo de 30/12/2021 para conclusão da obra da unidade imobiliária, aceita a tolerância de 180 dias corridos. Após transcorrido o prazo de 180 dias não é mais lícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro equivalente, portanto, correta a sentença que determinou a restituição do valor pago pela consumidora. 10. O descumprimento contratual, consistente na demora na entrega do imóvel comprado na planta, enseja a indenização por lucros cessantes, uma vez que o imóvel gera potencialidade de ganhos, seja pela locação seja pela ocupação própria. Em uma ou em outra situação, os lucros cessantes devem ser calculados pelo seu potencial de renda, que é apurado pela estimativa de valor de aluguel de imóvel equivalente, ou por arbitramento judicial. Nesse aspecto, no julgamento do REsp XXXXX/SP foi decidido que no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma. Diante desse quadro, o percentual de 0,5% ao mês sobre o valor do imóvel fixado pelo juízo de origem se mostra adequado por estar em consonância com a praxe adotada no mercado. Na presente demanda, os contratos de adesão com cláusulas em relação de consumo deve ser observado de modo a preservar os direitos do consumidor, principalmente aquelas que tentam eximir a parte requerida de suas responsabilidades, tanto mais por tornar inoperante o prazo de entrega inicial, com acréscimo dos 180 dias, elaborando-se adendo ao contrato para novo prazo para 2023, sendo que a cláusula anterior previa entrega para 2021; trata-se, portanto, de cláusula abusiva que, como tal, deve ser tida como nula de pleno direito por ser exigência manifestamente excessiva nos termos do art. 39 , V , Lei 8078 de 1990, não se tratando de novação contratual como bem fundamentado na sentença ora atacada. 11. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Condeno os recorrentes ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do artigo 55 , caput, da Lei nº 9.099 , de 26.09.1995. 12. A súmula de julgamento servirá de acórdão, conforme regra do art. 46 da Lei n. 9.099 /95.