Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 ÓRGÃO: 3ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CLASSE: RECURSO INOMINADO Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível Recurso nº XXXXX-77.2022.8.05.0256 Processo nº XXXXX-77.2022.8.05.0256 Recorrente (s): COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA COELBA Recorrido (s): DULCE KELLY BOA SORTE FERNANDES SOUZA RELATORA: JUÍZA CARLA RODRIGUES DE ARAÚJO EMENTA RECURSO INOMINADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. DIREITO DO CONSUMIDOR. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI, DA RESOLUÇÃO Nº 02 DE 10 DE FEVEREIRO DE 2021 - REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC ). CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. ACUSAÇÃO DE ADULTERAÇÃO DE MEDIDOR. INSPEÇÃO REALIZADA DE FORMA UNILATERAL. SEM ACOMPANHAMENTO DA CONSUMIDORA. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO. AUSÊNCIA DE PROVA DE CONDUTA ILÍCITA. TERMO DE OCORRÊNCIA DE IRREGULARIDADE - TOI - QUE APONTA A EXISTÊNCIA DE “MEDIDOR VIOLADO”. APURAÇÃO UNILATERAL PELA RECORRENTE. AUSÊNCIA DE LAUDO TÉCNICO DO ÓRGÃO COMPETENTE – IBAMETRO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. RECURSO DA RÉ PELA IMPROCEDÊNCIA E PEDIDO CONTRAPOSTO. SUSPENSÃO DOS SERVIÇOS DE ENERGIA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DA RÉ CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA Dispensado o relatório nos termos claros do artigo 46 da Lei n. º 9.099 /95. Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de sua admissibilidade, conheço do recurso. O artigo 15 do novo Regimento interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XI, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil . Em análise aos autos, observa-se que a matéria já se encontra sedimentada no âmbito da Terceira Turma Recursal, conforme precedentes (processo nº XXXXX-38.2020.8.05.0103 e XXXXX-78.2020.8.05.0001 . PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA POR COMPLEXIDADE DA CAUSA: A parte ré alega complexidade na causa e necessidade da produção de prova pericial. Consoante estampa o Enunciado 54 do Fonaje, ¿a complexidade da causa é aferida não em relação ao direito versado e sim no que concerne a prova a ser realizada contra os fatos articulados¿. No presente feito, entende este Julgador que não se pode afastar, de logo, a dilação probatória, pois não se mostra a situação "sub examine" como única forma de elucidação por meio de exames periciais, o que impede o acolhimento da preliminar suscitada. De mais a mais, entende este Juízo que a intelecção jurídica sobre a menor complexidade, posicionamento também defendido pelo culto mestre Luiz Guilherme Marinoni, já estaria densificado pela própria escolha do legislador das hipóteses de cabimento e competência deste juízo e não teria qualquer dependência sobre a natureza ou forma da prova a ser produzida, pois ao infringir o requerente, autor, a busca pelo procedimento ordinário, poderia levar a negação do princípio da inafastabilidade de apreciação pelo Judiciário de lesão ou ameaça a direito, pois os custos e as dinâmicas do processo ordinário inviabilizariam a proteção dos casos especificados pelo legislador ao erigir o sistema dos Juizados Especiais. Em sendo assim, há de ser rejeitada essa preliminar, o que ora se faz. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte Ré em face da sentença lançada nos autos que julgou parcialmente procedentes os pedidos da exordial. Oportunamente, eis trecho da decisão: “III – DISPOSITIVO Ante ao exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos da parte Autora para: 1) CONFIRMAR e TORNAR DEFINITIVOS os efeitos da TUTELA DE URGÊNCIA concedida, conforme evento 20. 2) DECLARAR INEXIGÍVEL E INEXISTENTE o débito referente à fatura vencida em 11 de agosto de 2022 no valor de R$15.749,98, da conta contrato nº 7044097260, devendo ser emitida nova fatura, calculando-se a média de consumo da unidade nos últimos 12 (doze) meses que antecederam a fatura ora questionada, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de aplicação das medidas coercitivas, previstas nos artigos 139 , IV e 536 , caput e § 1º ambos do Código de Processo Civil . 3) CONDENAR a Promovida a pagar a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), à parte autora, a título de reparação por danos morais, acrescida de juros moratórios legais (art. 405 do CC/2002 , c/c art. 240 , do CPC ), a partir da citação e correção monetária (INPC/IBGE), desde a data do arbitramento (Súmula 362 STJ). Por fim, extingo o módulo processual de conhecimento com resolução do mérito nos termos do art. 487 , inciso I , c/c artigo 490 ambos do CPC .” A solução da situação trazida aos autos pelas partes gira em torno da irregularidade da cobrança realizada pela parte Promovida na fatura com vencimento em 11 de agosto de 2022 no valor de R$15.749,98, da conta contrato nº 7044097260, e realização de inspeção para apuração de irregularidade no medidor. A Promovente, em síntese, alega que fora surpreendida com a fatura no valor R$15.749,98, referindo-se a cobrança de 34 ciclos de faturamento; que a promovida realizou inspeção unilateral, considerando irregularidade no medidor. Aduz que não teve conhecimento prévio da referida inspeção, que TOI realizado pela promovida é irregular; que o serviço de energia de seu imóvel foi suspenso indevidamente, bem como não concorda com a cobrança. Assim, requereu tutela de urgência, que foi deferida, conforme evento 20, determinando a suspensão de exigibilidade do débito questionado. Cabe, portanto, à parte Promovida comprovar a regularidade dos seus serviços ou excludente de sua possível responsabilidade. A Promovida, em sede de contestação (evento 47), sustenta que não há nenhuma irregularidade na fatura impugnada, uma vez que após inspeção realizada em 03/02/2022 foi constato fraude; que a inspeção foi acompanhada por uma pessoa de nome DORISVALDO FERREIRA LIMA, conforme Termo de Ocorrência e Inspeção (TOI) identificado sob o nº 0274279. Alega que foi gerada cobrança no valor de R$ 15.749,98, referente à diferença de energia utilizada e não cobrada durante o período da irregularidade (04/2019 a 01/2022), sendo o corte devido, uma vez que não houve pagamento da fatura. Compulsando os autos, verifica-se através dos documentos acostados aos autos pelo autor, que foi realizada uma inspeção no medidor instalado no seu imóvel, gerando o Termo de Ocorrência de Inspeção, e após isso, fora gerada faturas com os valores aqui questionados, referentes a recuperação de consumo ocasionada supostamente por medidor violado e outras faturas com valores superiores a sua média de consumo. Constata-se dos autos, a má prestação do serviço da recorrida, decorrente da acusação de suposta irregularidade no medidor de consumo imputada à parte autora, não comprovada através de processo administrativo regular, ensejando, inclusive, cobrança abusiva submetida a consumidora. Desta forma, razão não assiste a ré em realizar a cobrança dos valores aqui questionados, referentes a uma diferença de energia não cobrada por suposta irregularidade no medidor descoberta em uma inspeção unilateral realizada por si. Repise-se, ainda que houvesse a assinatura do TOI (termo de ocorrência de inspeção) pelo autor, isso não conduziria à existência de contraditório e ampla defesa, sendo indispensável procedimento administrativo que oportunizasse ao Autor apresentar manifestação, diante de imputação de fato, que se diga, também é tipificado como crime. Inexistindo notificação para acompanhamento de todas as fases do processo, deve ser declarado nulo o procedimento administrativo que impôs, unilateralmente, multa para recuperação de consumo não faturado. Ora, imputar ao consumidor, vulnerável por expressa previsão legal, o cometimento de irregularidade, passível, inclusive, de tipificação criminal, sem a necessária observância do contraditório, resulta, sem dúvida, em má prestação de serviço. Com efeito, trata-se de matéria compreendida de acordo com o Código de Defesa do Consumidor , sendo indispensável a inversão do ônus da prova, conforme preconiza o art. 6º , VIII , da Lei nº 8.078 /90. A eventual irregularidade da aferição realizada pelo medidor instalado pela ré é risco de sua atividade empresarial e o ônus daí decorrente somente poderia ser transferido para o consumidor em face de prova robusta nesse sentido, o que não ocorreu no caso. Nesse sentido, uma vez comprovado o desvio de energia elétrica, a cobrança relativa ao consumo não faturado é admitida pela Resolução Normativa – ANEEL nº 414/10, que regulamenta a Lei nº 9.427 /96 e fundamenta-se na Lei nº 8.987 /95 ( Lei de Concessoes Públicas), bem como o art. 175 da Carta Magna . Contudo, verifica-se que as alegações de fraude se encontram baseadas em análise unilateral realizada por parte da concessionária, através de um (Termo de Ocorrência de Irregularidade), sem que tenha sido efetivamente assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa. Destarte, é possível constatar que a Concessionária de serviço público não adotou todos os procedimentos legais cabíveis para averiguação de irregularidades na prestação do serviço, já que sequer realizou perícia técnica de órgão competente (IBAMETRO), capaz de atestar com segurança a causa da violação do medidor. Com relação aos danos morais, não haveria a possibilidade de suspensão de energia por débito com vencimento superior a 90 dias. Deveria utilizar os demais meios de cobrança previstos em nosso arcabouço normativo. É incontroverso nos autos que o corte foi realizado por débitos pretéritos, vencidos há mais de 90 dias. Neste sentido, o STJ firmou a seguinte tese: TEMA 699 STJ Na hipótese de débito estrito de recuperação de consumo efetivo por fraude no aparelho medidor atribuída ao consumidor, desde que apurado em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é possível o corte administrativo do fornecimento do serviço de energia elétrica, mediante prévio aviso ao consumidor, pelo inadimplemento do consumo recuperado correspondente ao período de 90 (noventa) dias anterior à constatação da fraude, contanto que executado o corte em até 90 (noventa) dias após o vencimento do débito, sem prejuízo do direito de a concessionária utilizar os meios judiciais ordinários de cobrança da dívida, inclusive antecedente aos mencionados 90 (noventa) dias de retroação. (grifamos) Ergo, houve falha da concessionária ao utilizar meios ilegais de cobrança dos valores pretéritos. O entendimento sedimentado na jurisprudência do STJ é de impossibilidade de corte por débitos pretéritos, só se justificando em razão de débito atual, sob pena de constituir dano in re ipsa. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE CORTE POR DÉBITOS PRETÉRITOS. SUSPENSÃO ILEGAL DO FORNECIMENTO. DANO IN RE IPSA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior pacificou o entendimento de que não é lícito à concessionária interromper o fornecimento do serviço em razão de débito pretérito; o corte de água ou energia pressupõe o inadimplemento de dívida atual, relativa ao mês do consumo, sendo inviável a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos. 2. A suspensão ilegal do fornecimento do serviço dispensa a comprovação de efetivo prejuízo, uma vez que o dano moral nesses casos opera-se in re ipsa, em decorrência da ilicitude do ato praticado. 3. Agravo Regimental da AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia S/A desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: XXXXX RS XXXXX/XXXXX-5, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 21/08/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/09/2014). Segundo construção jurisprudencial, o valor a ser arbitrado deve obedecer ao binômio razoabilidade e proporcionalidade, devendo adequar-se às condições pessoais e sociais das partes envolvidas, para que não sirva de fonte de enriquecimento da vítima, agravando, sem proveito, a obrigação do ofensor, nem causar frustração e melancolia tão grande quanto a própria ofensa. As características, a gravidade, as circunstâncias, a repercussão e as consequências do caso, a eventual duração do sofrimento, a posição social do ofendido, tudo deve servir de baliza para que o magistrado saiba dosar com justiça a condenação do ofensor. Por isso, deve ser mantida a condenação por indenização em danos morais no quantum arbitrado. Com relação ao pedido contraposto, deve-se observar a regra do art. 8º , II, da Lei n. 9099 /95. Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil. II - as pessoas enquadradas como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte na forma da II - as pessoas enquadradas como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte na forma da Lei Complementar no 123 , de 14 de dezembro de 2006; A empresa não comprova que ostenta tal condição, não pode ser autora em juizado, logo, não pode formular pedido contraposto, desta feita, voto no sentido de extinguir sem exame do mérito o pedido contraposto. O exame dos autos evidencia que o ilustre juízo a quo examinou com acuidade a demanda posta à sua apreciação, pois avaliou com acerto o conjunto probatório, referido expressamente na sentença. Os fundamentos do julgado são precisos, devendo os termos da sentença serem ratificados pelos seus próprios fundamentos. Nesse sentido, a sentença fustigada é incensurável e, por isso, os termos merecem confirmação pelos seus próprios fundamentos. Em assim sendo, servirá de acórdão a súmula do julgamento, conforme determinação expressa do art. 46 , da Lei nº 9.099 /95, segunda parte, in verbis: “O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos seus próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão”. Com essas considerações, e por tudo mais constante dos autos, voto no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença pelos seus próprios fundamentos, julgando extinto sem resolução de mérito o pedido contraposto, condenando a parte Recorrente em custas e honorários sucumbenciais no importe de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. Intimem-se. Não havendo a interposição de recursos, após o decurso dos prazos, deverá a secretaria das Turmas Recursais certificar o trânsito em julgado e promover a baixa dos autos ao MM. Juízo de origem. Salvador (BA), data lançada pelo sistema. CARLA RODRIGUES DE ARAÚJO JUÍZA RELATORA D