EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. TRANSFERÊNCIA ENTRE ESTABELECIMENTOS PENAIS. SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL. PRESÍDIO FEDERAL EM MOSSORÓ/RN. RENOVAÇÃO DA PERMANÊNCIA POR 360 DIAS. IRRETROATIVIDADE DA LEI Nº 13.964 /2019. DESNECESSIDADE DE FATOS NOVOS. PRESENÇA DE MOTIVOS PARA PRORROGAÇÃO DO PRAZO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE COLETIVO EM DETRIMENTO DO INTERESSE PARTICULAR. CUSTODIADO VINCULADO AO PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL. ALTA PERICULOSIDADE. RISCO À SEGURANÇA PÚBLICA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de Agravo em Execução Penal interposto em favor de FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS , contra sentença exarada pelo Juízo Federal Corregedor da Penitenciária Federal do Estado do Rio Grande do Norte, no bojo do processo de Transferência entre Estabelecimentos Penais nº XXXXX-60.2022.4.05.8400 , que prorrogou a permanência do custodiado/agravante na Penitenciária Federal em Mossoró/RN, pelo período de 360 (trezentos e sessenta dias), a contar de 25 de janeiro de 2023 até 19 de janeiro de 2024. 2. Em suas razões recursais, o agravante sustenta que: 1) a decisão pautou-se em justificativas genéricas e repetidas anteriormente, não constando fato novo a justificar a prorrogação; 2) não houve demonstração direta de seu envolvimento em organização criminosa, havendo apenas um "mero registro do Diretor da Penitenciária, sem qualquer elemento probatório a corroborar"; 3) não houve referência direta ou indireta de sua possível participação no plano de fuga da Penitenciária II de Presidente Venceslau, em 2014; 4) no relatório da Comissão Técnica de Classificação da Penitenciária Federal em Mossoró/RN inexistem anotações desabonadoras em seu desfavor; 5) à época da transferência para o SPF, a anterior redação do § 1º, art. 10 , da Lei nº 11.671 /2008, dispunha que o prazo de permanência do apenado em estabelecimento penal federal era de 360 dias, com possibilidade de renovação; 6) não é de se aplicar a Lei nº 13.964 /2019 - que alterou o aludido artigo, aumentando o prazo para 3 (três) anos -, em face do princípio da irretroatividade da lei penal; 7) ainda que seja admitida a retroatividade, o período em que ficou custodiado no SPF já alcançou 4 (quatro) anos; 8) não pode permanecer integralmente preso em regime fechado, sem direito à progressão, pois isso viola o princípio da dignidade da pessoa humana. Ao final, requer seja cassada a decisão que renovou sua permanência no Sistema Penitenciário Federal, requerendo o retorno ao Estado de São Paulo, para continuidade do cumprimento da pena à qual foi condenado. 3. Consoante exposto, discute-se, no caso, a renovação do período de permanência do custodiado FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS na Penitenciária Federal em Mossoró/RN, que foi deferida pelo Juízo Federal Corregedor da Penitenciária Federal do Estado do Rio Grande do Norte, por 360 (trezentos e sessenta) dias, nos autos de nº XXXXX-60.2022.4.05.8400 , a requerimento do Juízo de Direito do Departamento Estadual de Execuções Criminais de São Paulo/SP (DEECRIM da 1ª região). 4. Segundo a documentação encartada aos presentes autos, FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS é proveniente do estado de São Paulo/SP, tendo sido incluído no Sistema Penitenciário Federal em 13 de fevereiro de 2019, em Porto Velho/RO, onde permaneceu até 17 de março de 2022, quando foi transferido para Mossoró/RN. Possui condenação total de 24 anos, 3 meses e 22 dias (dos quais cumpriu 18 anos, 4 meses e 23 dias), pela prática dos crimes tipificados nos arts. 157 , § 2º , do Código Penal , art. 12 , caput, da Lei nº 10.826 /03 e art. 33 , caput, da Lei nº 11.343 /06, cujos processos tramitaram perante os juízos da 1ª Vara Criminal de Guarujá/SP e 5ª Vara Criminal de Santos/SP. 5. A partir de pedido formulado pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, o Juízo de Direito do Departamento Estadual de Execuções Criminais de São Paulo/SP (DEECRIM da 1ª região) solicitou a prorrogação da custódia de FERNANDO em estabelecimento de segurança máxima, por mais 360 dias, discorrendo o seguinte (fls. 149/151 do download integral, ordem crescente): "De acordo com os dados colhidos, o requerido foi identificado como integrante ativo da facção criminosa 'pcc'. Conforme restou apurado, em meados do mês de setembro do ano de 2018, os órgãos de inteligência da Secretaria de Administração Penitenciária receberam denúncias do possível resgate de custodiados que se encontravam recolhidos na Penitenciária ' Maurício Henrique Guimarães Pereira ´, conhecida como Penitenciária II de Presidente Venceslau. (...) De acordo com a averiguação, a idealização da fuga/resgate estaria a cargo de Gilberto Aparecido dos Santos , vulgo" Fuminho "que, à época, encontrava-se foragido na Bolívia e era responsável pelo envio de cocaína para o Brasil. Gilberto Aparecido dos Santos acabou preso em operação policial internacional em Moçambique. Assim, o Ministério Público requereu a transferência para presídios federais de 15 (quinze) líderes da facção criminosa, autodenominada" PCC - Primeiro Comando da Capital "e, entre estes, o preso FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS . Conforme relatou o Ministério Público, o sentenciado, FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS , registrava envolvimento com a aludida facção criminosa, no posto de liderança, ao exercer a função de 'Sintonia Geral', um dos responsáveis, na companhia de Marcola e Cláudio Barbará da Silva , pelo plano de fuga da Penitenciária II de Presidente Venceslau, no ano de 2014. Ademais, pesa contra o custodiado, FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS , o fato de ser o principal suspeito e o mandante do homicídio contra o policial militar Fábio Lopes Apolinário , com extensa ficha criminal, condenação de 28 anos e anotações criminosas por narcotráfico, roubo, receptação, dentre outros." 6. Ao manifestar-se, o Departamento Penitenciário Federal/DEPEN, entendendo necessária a continuidade da custódia de FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS em presídio federal, assinalou que (fls. 112/114 do download integral, ordem crescente): "(...) Dados recentes obtidos no âmbito do SPF convencionam que o preso FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS está se mantendo ativo na OrCrim PCC e continua com ideações e ações criminosas. O apenado foi apontado como um dos responsáveis por coordenar o plano criminoso com o propósito de executar um Agente Federal de Execução Penal, lotado na cidade de Porto Velho/RO, cuja tentativa ocorreu em 04 de junho de 2020. Além disso, dados indicam que FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS possuiria vínculo ativo e articulações em andamento com o traficante internacional GILBERTO APARECIDO DOS SANTOS (FUMINHO ). Observa-se, então, que o apenado continua a exercer função de liderança e faz parte da cúpula do PCC, além de oferecer alto risco para segurança pública nacional. Nesse sentido do, em decorrência destes fatos, continuam inalteradas as circunstâncias que motivaram sua inclusão no Sistema Penitenciário Federal. (...) No presente caso, a Diretoria do Sistema Penitenciário Federal entende que o referido interno ainda possui relevante potencial de desestabilizar o Sistema Penitenciário Estadual, por isto, é desfavorável ao retorno do nominado ao Estado de origem, uma vez que subsistem os motivos ensejadores da inclusão." 7. Por sua vez, o Juízo Federal Corregedor da Penitenciária Federal do Estado do Rio Grande do Norte, em decisão fundamentada, acolheu o pedido de prorrogação formulado pelo Juízo Estadual, reconhecendo que (fls. 182/189 do download integral, ordem crescente): "(...) verifica-se que é o caso de deferimento de renovação da permanência do preso em custódia federal por mais 02 anos, pois, conforme consta nos autos o preso é apontado como integrante da alta cúpula de organização criminosa. No entanto, quando o Juiz de origem faz menção na decisão a respeito do período de renovação, o que é o caso dos autos, deve tal período ser levado em consideração para fins de fixação do prazo de permanência do interno em unidade prisional federal. Isso porque, como a decisão do juízo de origem se apresenta como conditio sine qua non para a admissibilidade da renovação pelo juiz federal, se aquele estipular um prazo, este só poderá, quando muito, deferir a renovação por um tempo inferior, nunca por espaço temporal superior. (...) Diante do exposto, DEFIRO o pedido de renovação da permanência do interno FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS , cognomes"Colorido"e"Azul", na Penitenciária Federal em Mossoró/RN, pelo período de 360 (trezentos e sessenta) dias, a contar de 25 de janeiro de 2023 a 19 de janeiro de 2024" 8. Saliente-se, inicialmente, que não cabe ao Juízo Federal exercer juízo de valor ou reanalisar os motivos que ensejaram o juízo estadual a solicitar a transferência do preso para o Sistema Penitenciário Federal, ou a requerer a renovação da permanência. Nesse sentido: "A Terceira Seção do STJ tem firme entendimento de que"não cabe ao Juízo Federal discutir as razões do Juízo Estadual, quando solicita a transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima, assim quando pede a renovação do prazo de permanência, porquanto este é o único habilitado a declarar a excepcionalidade da medida"( AgRg no CC n. 153.692/RJ , relator Ministro RIBEIRO DANTAS , TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/2/2018, DJe 1º/3/2018). 9. No caso, não há se falar em irretroatividade da Lei nº 13.964 /2019, a qual alterou a redação do art. 10 , § 1º , da Lei nº 11.671 /2008, estipulando o novo período de permanência de até 3 anos, enquanto antes se previa que o "período de permanência não poderá ser superior a 360 (trezentos e sessenta) dias, renovável, excepcionalmente, quando solicitado motivadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos da transferência". É que a Lei nº 13.964 /2019, no que tange aos dispositivos da Lei 11.671 /2008, não ostenta conteúdo propriamente de direito material penal, aplicando-se, em regra, o disposto no art. 2º do Código de Processo Penal : "A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior". Além disso, entende-se que a nova lei, a rigor, não ampliou o tempo de permanência do custodiado no SPF, porquanto a redação anterior já dispunha que o prazo de 360 dias poderia ser renovado, excepcionalmente, não havendo qualquer limite temporal para essa prorrogação, desde que preenchidos os requisitos legais e mediante decisão fundamentada. Precedentes. Sobre o fato de ele já estar preso no SPF há 4 anos, importa salientar que a "permanência do reeducando por longo período em Estabelecimento Prisional Federal não é motivo suficiente, por si só, justificar o seu retorno ao estado de origem, desde que permaneçam íntegros os motivos que determinaram a sua transferência inicial" (STJ, RHC XXXXX/RO , Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca , Quinta Turma, DJe 13/06/2016). Como já visto, a Lei nº 11.671 /2008 admite sucessivas renovações, desde que estas sejam motivadamente solicitadas pelo juízo de origem, observando-se os requisitos da transferência e os motivos que a determinaram, o que foi realizado no caso vertente. 10. Na sequência, quanto à alegada falta de provas de envolvimento do custodiado/agravante na organização criminosa e no planejamento da fuga idealizada em 2014, e quanto à suposta ausência de fatos novos a justificar a renovação da sua permanência no Sistema Penitenciário Federal, vê-se também que não merecem prosperar. 11. Dos autos, aponta-se que FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS foi identificado como um dos líderes da organização criminosa denominada "PCC - Primeiro Comando da Capital", ocupando a função de "Sintonia Final", tendo sido um dos responsáveis, ao lado de MARCOLA e CLÁUDIO BARBARÁ DA SILVA , pelo plano de fuga da Penitenciária II de Presidente Venceslau, em 2014. Segundo o relatório da Comissão Técnica de Classificação, lavrado em 04/11/2022 (fls. 127/129 do download integral, ordem crescente), FERNANDO é "um dos principais traficantes da baixada santista e seria o principal suspeito de ser o mandante do homicídio do Policial Militar Fábio Lopes Apolinário , ocorrido na cidade de Santos, em 2011". Também constam as informações de que ele está "atualmente custodiado em ala dedicada a líderes e membros do PCC, foi preso em 2001, após ter sido identificado como gerente em operações de receptação de armas destinadas a grandes roubos, em especial a bancos" e "teria participado de forma ativa do plano de resgate da cúpula do PCC, que teria previsão para emprego de helicópteros, granadas, metralhadoras .50 e fuzis". Ademais, consta dos autos que o custodiado continua ativo na ORCRIM - foi um dos responsáveis por coordenar atentado contra um policial penal federal, em 2020 -, sendo considerado de elevado risco para a segurança pública nacional. Com efeito, confere-se que se trata de indivíduo de alta periculosidade, com atuação nas ações de planejamento de execução de agentes públicos e idealizações de fuga/resgates de presos, razão pela qual resta justificada a manutenção do agravante na Penitenciária Federal em Mossoró/RN, de forma a evitar sua comunicação com os demais integrantes da facção criminosa da qual faz parte. 12. Sobre o segundo ponto, saliente-se que a manutenção do apenado no Sistema Penitenciário Federal prescinde da existência de fatos novos, podendo o prazo ser prorrogado quando mantidas as condições que deram ensejo à sua transferência inicial, de maneira que a prorrogação não se afigura desarrazoada ou desproporcional (PROCESSO: XXXXX20204058400 , AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO AUGUSTO NUNES COUTINHO (CONVOCADO), 1ª TURMA, JULGAMENTO: 23/09/2021). Precedentes. 13. Como visto, a manutenção de custodiado no sistema penitenciário federal não fica condicionada à demonstração de novos atos praticados depois do seu ingresso, tampouco ao exame da culpabilidade do preso quanto à pratica de eventual crime. Não se exige, por fim, a existência de prova material ou caracterização como suporte em prova robusta para que o Juízo competente renove a permanência do preso no Sistema Penitenciário Federal. 14. A despeito de constar do relatório da Comissão Técnica de Classificação que FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS ostenta bom comportamento carcerário e não possui histórico de indisciplina na unidade, os demais detalhes inseridos no contexto ora apresentado mostram-se insuficientes a pontuar em favor do custodiado, já que as razões que o levaram ao presídio federal não só existiram, mas ainda persistem. 15. Diante do que foi narrado supra, verifica-se que a permanência do FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS na Penitenciária Federal em Mossoró/RN é medida que se impõe, já que o seu retorno a um dos estabelecimentos prisionais do Estado de origem representaria grande perigo à sociedade pelo concreto risco de fuga, sem falar na hipótese de, mesmo preso, orquestrar novas práticas delituosas, haja vista a atuação que exerce na organização criminosa. Dessa forma, não há ofensa à dignidade da pessoa humana pelo fato de ele estar preso em regime fechado, uma vez que, no caso, deve prevalecer o interesse coletivo em detrimento do interesse particular. Nesse aspecto, "O interesse da segurança pública, nos moldes do art. 3º da Lei 10.671/2008, sem ofender ao princípio da dignidade da pessoa humana, pode sobrepor-se ao particular, servindo como fundamentado à manutenção do paciente no Sistema Penitenciário Federal, especialmente se o reeducando apresenta trajetória criminosa com forte liderança que ainda persiste mesmo dentro do ergástulo." ( HC n. 116.301/RJ , relator Ministro Jorge Mussi , Quinta Turma, julgado em 10/11/2009, DJe de 14/12/2009). 16. À luz do exposto, ao contrário do que sustentou a defesa, tem-se que o agravante ainda preenche os requisitos que ensejaram a sua transferência para o Sistema Penitenciário Federal, razão pela qual seu retorno ao estabelecimento penal estadual revela-se (ainda) arriscado, porquanto, segundo relatório da Comissão Técnica de Classificação emitida pela Penitenciária Federal em Mossoró, FERNANDO GONÇALVES DOS SANTOS continua, ativamente, vinculado ao "Primeiro Comando da Capital". 17. Agravo ao qual se nega provimento.