JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. DIREITO CONSTITUCIONAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PUBLICAÇÕES EM REDE SOCIAL. IMPUTAÇÃO DE CRIME. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITE. EXTRAPOLADO. DANOS MORAIS. CONFIGURADOS. REDUÇÃO. CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Acórdão lavrado de acordo com a disposição inserta nos artigos 2º e 46 , da Lei 9.099 , de 26.09.1995 e artigo 60, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno das Turmas Recursais. Presentes os pressupostos específicos, conheço do recurso. 2. Recurso interposto pelo réu/recorrente contra sentença que julgou procedente o pedido deduzido na inicial para condená-lo ao pagamento de R$10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais. O Juízo de origem concluiu que o recorrente imputou a prática de crime ao autor/recorrido em publicações do seu Twitter, mesmo sabendo que o processo criminal havia sido arquivado. Entendeu que o fato relatado é capaz de ensejar a indenização por danos morais, visto que ofendeu intensamente a personalidade do recorrido. 3. O recorrente alega, como razões de reforma da decisão recorrida, que não teria imputado ao recorrido a pratica e qualquer crime, pois apenas haveria narrado fatos conexos ao caso, dos quais seria testemunha ocular. Relata que o recorrido e a suposta vítima, A. A., se encontraram em sua residência e o recorrido por estar alterado teria se comportado de maneira agressiva em face da suposta vítima. Descreve que os dois teriam ido embora juntos para a residência dela, local em que tudo aconteceu. Sustenta que as informações apresentadas em sua rede social não constavam da investigação, haja vista não ter sido convocado como testemunha. Defende que o seu objetivo seria alertar as pessoas sobre a violência institucional que sofrem vítimas de violência de gênero e, que ao relatar os fatos que havia presenciado, teria usado da sua liberdade de expressão como forma de reagir a uma eventual injustiça social. Assevera que não tinha a intenção de macular a imagem do recorrido. 4. Destaca que não se poderia exigir o silenciamento sobre fatos antigos em razão da passagem do tempo, não havendo falar em direito ao esquecimento, ainda mais, na hipótese que o recorrido por diversas vezes teria se manifestado publicamente sobre o tema. 5. Ao final, atribui ao recorrido o abuso do direito de ação com consequente ?prática de assédio judicial?, bem como requer o provimento do recurso para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais. 6. O recorrido apresentou contrarrazões ID. XXXXX. Em síntese, argumenta que o recorrente teria extrapolado o seu direito a liberdade de expressão e que nunca teria levantado a tese de direito ao esquecimento, já que este tema teria sido abordado pelo próprio recorrente em sede de contestação. Por último, roga pela manutenção da sentença. 7. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza paritária, razão pela qual serão aplicadas as disposições do Código Civil e leis civilistas. 8. A controvérsia instaurada na fase recursal cinge-se acerca de eventual ocorrência de danos morais em face da conduta do recorrente. 9. Inicialmente ressalto que a Constituição Federal , em seu artigo 5º , inc. IV , estabelece o primado da livre manifestação do pensamento que, complementado pelo artigo 220 , § 1 , também da CF , disciplina a plena liberdade a manifestação do pensamento, expressão e informação sob qualquer forma e em qualquer veículo de comunicação social. Entretanto, o exercício da liberdade de expressão que garante o direito de manifestação do pensamento não é ilimitado, sendo que todo abuso ou excesso pode ser punido conforme a legislação civil, ainda mais quando verificada a intenção de atingir a honra do ofendido. No (Acórdão 1416036, XXXXX20208070016 , Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 27/4/2022, publicado no DJE: 2/5/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.). 10. Conforme o teor do inc. X do art. 5 da CF é assegurada a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, garantindo a indenização por dano material ou moral decorrente da violação destes, ou seja, o titular da liberdade de expressão tem que, evidentemente, observar os demais direitos constitucionais de modo a dosar sua liberdade com responsabilidade, já que o ordenamento jurídico protege o direito à intimidade e à dignidade da pessoa humana. 11. Assim, nos moldes do princípio da harmonização, os direitos à liberdade de expressão e tutela da honra, vida privada e imagem das pessoas devem conviver de maneira harmônica e, consequentemente, subsistirem no mesmo sistema jurídico. No momento em que os referidos direitos se chocam cabe ao Poder Judiciário intervir para garantir o seu exercício proporcional, de forma a não caracterizar injustificada restrição à liberdade de expressão ou desrespeito à dignidade da pessoa humana. 12. Na hipótese, é de se observar que o recorrente ao publicar na própria rede social (TWITTER) a sua versão sobre os fatos ocorridos (inicialmente em sua residência) extrapolou a sua liberdade de expressão imprimindo caráter sensacionalista em torno da delicada situação vivenciada pelas partes, ainda mais quando se investiu na função acusador criminal para criticar o curso do processo penal e imputar ao recorrido a certeza de cometimento de um crime contra liberdade sexual daquela jornalista. 13. Em suas publicações ID. XXXXX - Pág. 2/5, o recorrente deixa claro que recorrido teria praticado um crime sexual contra outra jornalista e teria saído impune, como eventualmente ocorrido em outras situações pelo país. Senão vejamos: 1- ?É o padrão, vide Mariana Ferrer. A eles: in dubio pro reo. A elas: o abandono do Estado e, muitas vezes o julgamento moral?; 2 - ?Ao acompanharmos casos de crimes sexuais, lembremos que eles acontecem às escondidas. Junte isso a pouca disposição para investigar. As próprias autoridades dão entender que não vai dar em nada. Testemunhas não são ouvidas, provas são desconsideradas?. 14. Em outro meio de comunicação ID. XXXXX - Pág. 6/7 o recorrente também afirmou que o recorrido ?tocava Amanda sem consentimento? e, complementou com ?acabou jogando ela no sofá e a agressão aconteceu. Ela falou não para ele, mais ele não parou?. 15. Ao juntar todas as suas publicações percebe-se que o recorrente de fato extrapolou o seu direito de liberdade de expressão, quando imputa ao recorrido fato definido como crime, mesmo tendo conhecimento da sua absolvição no âmbito criminal. 16. DO DANO MORAL. O dano extrapatrimonial é aquele que agride ou menospreza, de forma acintosa ou intensa, a dignidade humana, não sendo razoável inserir meros contratempos ou aborrecimentos, sob pena de relativizar o instituto ( CF , art. 5º , V e X ; CDC , art. 6º , VI). 17. É certo que os danos morais têm sido entendidos como aquele sentimento que surge quando o dano afeta os direitos da personalidade, assim considerados aqueles relacionados com a esfera íntima da pessoa, cuja violação causa humilhações, vexames, constrangimentos, frustrações, dor e outros sentimentos negativos. Do contexto fático probatório é possível constatar que o recorrente cometeu ilícito apto a ensejar a reparação por eventuais danos extrapatrimoniais em desfavor do recorrido (art. 186 c/c 927 do CC ). 18. A responsabilidade de indenizar moralmente nasce com a inequívoca aferição do dano do atributo da personalidade afirmado e para a reparação civil moral não basta a comprovação dos fatos que contrariam o recorrente, mas, também, que destes fatos decorra prejuízo à sua honorabilidade. Ao analisar as postagens do recorrente concluo que de fato houve agressão a dignidade do recorrido de modo a lhe causar vexames e constrangimentos capazes de causar prejuízo a sua honorabilidade. 19. A fixação do valor a título de dano moral deve levar em conta critérios doutrinários e jurisprudenciais, tais como o efeito pedagógico e inibitório para o ofensor e a vedação ao enriquecimento sem causa do ofendido ou empobrecimento do ofensor. Ainda, a indenização deve ser proporcional à lesão à honra, à moral ou à dignidade do ofendido, às circunstâncias que envolvem o fato, às condições pessoais e econômicas dos envolvidos, e à gravidade objetiva do dano moral. Logo, sob tais critérios, reduzo o valor fixado na origem para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), visto que obedece aos critérios estabelecidos nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade e evita o enriquecimento ilícito das partes. 20. Ante o exposto, CONHEÇO E DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para reformar a sentença e reduzir o dano moral para R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 21. O recorrente arcará com as custas processuais. Sem honorários, ante a sucumbência recíproca das partes.