E M E N T A PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA ULTRA PETITA. REMESSA NECESSÁRIA. PROVEITO ECONÔMICO INFERIOR A 1.000 (MIL) SALÁRIOS MÍNIMOS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. NATUREZA ESPECIAL DAS ATIVIDADES LABORADAS PARCIALMENTE COMPROVADA. MOTORISTA. ENQUADRAMENTO. EXPOSIÇÃO A VIBRAÇÕES ACIMA DOS LIMITES LEGALMENTE ADMITIDOS. AGENTE FÍSICO. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM MEDIANTE APLICAÇÃO DO FATOR PREVISTO NA LEGISLAÇÃO. TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADOS. 1. A sentença, ao reconhecer o exercício de atividade especial nos períodos de 06.10.1970 a 02.08.1973, é “ultra petita”. Deve, portanto, ser restringida aos limites do pedido. 2. Anoto que a sentença foi proferida já na vigência do novo Código de Processo Civil - Lei 13.105 /2015 -, razão pela qual se deve observar o disposto no art. 496, § 3º, I. No caso dos autos, não obstante a sentença ser ilíquida, é certo que o proveito econômico obtido pela parte autora não superará o valor de 1.000 (mil) salários mínimos, ainda que se considere o valor máximo dos benefícios do RGPS, tendo em vista que a sentença foi prolatada em 31.10.2023 e a data de início do benefício é 09.02.2022. Neste sentido observo que a 1ª Turma do C. STJ, ao apreciar o REsp XXXXX/RS , em decisão proferida em 08.10.2019, entendeu que, não obstante a iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos. Assim, na vigência do Código de Processo Civil/2015 , em regra, a condenação em ações previdenciárias não alcança o valor de mil salários mínimos, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, restando afastado o duplo grau necessário. 3. A aposentadoria especial é devida ao segurado que tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (art. 64 do Decreto nº 3.048 /99). E a aposentadoria por tempo de contribuição, conforme art. 201 , § 7º , da constituição Federal , com a redação dada pela EC nº 20 /98, é assegurada após 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher. Nos dois casos, necessária, ainda, a comprovação da carência e da qualidade de segurado. A Emenda Constitucional n.º 103 /2019, publicada em 13.11.2019, entre outras alterações em diversos dispositivos constitucionais, deu nova redação ao inciso I do art. 201 da CF/88 , passando a exigir para a obtenção de aposentadoria urbana no RGPS, a idade mínima de 65 anos de idade (homem) e 62 anos de idade (mulher), observado tempo mínimo de contribuição (o § 1º do referido art. 201 estabelece a previsão de critérios diferenciados de idade e tempo de contribuição para as pessoas com deficiência e para os que exercem atividades tidas por especiais, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação). Aos segurados filiados ao RGPS até a publicação da EC 103 (13.11.2019), foram estabelecidas algumas regras de transição pelos art. 15, 16, 17, 18 e 20 da referida EC 103 /2019, que devem ser avaliadas caso a caso, uma vez que é a situação específica de cada segurado o fator determinante para escolha da regra de transição mais favorável. Ainda, conforme disposto no art. 3º, caput, e § 2º da referida emenda, foram preservados os direitos adquiridos dos segurados e dependentes do RGPS, que, até a data de entrada em vigor da alteração constitucional (13.11.2019), demonstrem o preenchimento dos requisitos legalmente exigidos para a concessão da aposentadoria ou pensão por morte, ainda que requeridas posteriormente. Com relação à aposentadoria especial, a Emenda Constitucional n. 103 /2019 alterou profundamente os critérios para sua concessão, reintroduzindo o requisito etário como exigência e modificando a forma de cálculo do benefício. Por fim, dentre as alterações promovidas pela EC n.º 103 /2019, merece destaque a vedação da conversão em comum de tempo de serviço especial realizado após a sua entrada em vigor (art. 25, § 2º). Por fim, importante consignar que se encontra pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal a ADI 6309 , de relatoria do Min. Roberto Barroso , cujo objeto versa sobre a declaração de inconstitucionalidade das seguintes mudanças promovidas pela EC nº 103 /2019: i) fixação de idade mínima para a aposentadoria especial; ii) forma de cálculo de cálculo da aposentadoria especial; iii) impossibilidade de conversão de tempo de trabalho especial em comum. 4. Início de prova material, corroborado por prova testemunhal, enseja o reconhecimento do tempo laborado como trabalhador rural. A atividade rural desempenhada em data anterior a novembro de 1991 pode ser considerada para averbação do tempo de serviço, sem necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias, exceto para fins de carência. 5. A legislação aplicável para caracterização da natureza especial é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831 /64 e nº 83.080 /79, até 05.03.1997 e, após, pelos Decretos nº 2.172 /97 e nº 3.049 /99. 6. Os Decretos nº 53.831 /64 e nº 83.080 /79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado. 7. A atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pode ser considerada especial, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030, exceto para o agente nocivo ruído por depender de prova técnica. 8. É de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis. 9. Efetivo exercício de atividades especiais comprovado por meio de formulários de insalubridade e laudos técnicos que atestam a exposição a agentes físicos agressores à saúde, em níveis superiores aos permitidos em lei. 10. No caso dos autos, os períodos incontroversos totalizam 20 (vinte) anos, 06 (seis) meses e 29 (vinte e nove) dias de tempo de contribuição comum (ID XXXXX – fls. 85), não tendo sido reconhecidos como de natureza especial nenhum dos períodos pleiteados (ID XXXXX – fls. 64/84). Ocorre que, no período de 04.06.1991 a 13.11.1991, a parte autora exerceu a função de motorista (ID XXXXX – fls. 16), devendo ser reconhecida a natureza especial dessa atividade, pelo regular enquadramento no código 2.4.4 do Decreto nº 53.831 /64. Por sua vez, no período de 17.07.2018 a 03.02.2020, a parte autora, na atividade de motorista de caminhão de transporte de cargas, laborando para a empresa Ecosystem Serviços Urbanos Ltda., esteve exposta de forma habitual e permanente a insalubridade decorrente de exposição a trepidações e vibrações nocivas à saúde (ID XXXXX – fls. 05/06), devendo ser reconhecida a natureza especial da atividade exercida nesses períodos, por enquadramento nos códigos 1.1.5, 1.1.6 e 2.4.4 do Decreto nº 53.831 /64, códigos 1.1.4, 1.1.5 e 2.4.2 do Decreto nº 83.080 /79, código 2.0.2 dos Decretos nº 2.172 /97 e nº 3.048 /99, c/c o Anexo nº 8 da NR-15 (Portaria nº 3.214 do MTE). Ainda, finalizando, os períodos de 20.09.1982 a 19.12.1982, 27.06.1983 a 05.01.1984, 25.05.1984 a 18.12.1984, 29.04.1985 a 27.05.1985, 17.06.1985 a 27.12.1985, 25.08.1986 a 03.11.1986, 28.09.1987 a 23.12.1987, 17.04.1988 a 07.05.1988, 23.05.1988 a 05.09.1988, 12.09.1988 a 31.10.1988, 31.10.1988 a 01.11.1988, 23.01.1989 a 17.03.1989, 14.08.1989 a 05.09.1989, 04.09.1989 a 14.03.1990, 16.07.1990 a 22.09.1990, 29.06.1992 a 07.02.1993, 31.05.1993 a 27.06.1993, 28.06.1993 a 16.01.1994, 20.06.1994 a 29.01.1995, 09.01.2004 a 10.12.2004, 02.05.2005 a 30.11.2005, 24.04.2006 a 16.11.2006, 16.07.2008 a 11.01.2010, 08.06.2010 a 22.07.2013, 02.01.2014 a 12.12.2016, 30.11.2016 a 13.12.2016 e 11.10.2017 a 01.12.2017 devem ser reconhecidos como tempo de contribuição comum, ante a ausência de comprovação de exposição a quaisquer agentes físicos, químicos ou biológicos (ID ID XXXXX – fls. 07/18, 288324379 – fls. 56/57 e XXXXX – fls. 01/04). 11. Somados todos os períodos comuns, inclusive rurais sem registro, e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 34 (trinta e quatro) anos, 06 (seis) meses e 03 (três) dias de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo (D.E.R. 21.08.2020), insuficientes para a concessão do benefício pleiteado. 12. Todavia, a reunião dos requisitos para concessão do benefício, ocorrida após a entrada do requerimento administrativo, pode ser considerada como fato superveniente, conforme artigo 493 do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 /15). O artigo 623 da Instrução Normativa nº 45/2011 determina o mesmo procedimento. Tal prática deve ser adotada em processos cujo lapso temporal necessário para a concessão do benefício seja diminuto, bem como nos casos de redução significativa na renda igualmente em função de pequeno período de tempo. 13. A regra de transição prevista no art. 16 da EC nº 103 /2019, em síntese, dispõe ser devida aposentadoria ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) até 13.11.2019 (data da entrada em vigor da referida emenda), quando este preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos: i) 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) de contribuição, se homem; e ii) idade de 56 (cinquenta e seis) anos, se mulher, e 61 (sessenta e um) anos, se homem, sendo acrescido anualmente para os segurados 06 (seis) meses de idade, a partir de 1º de janeiro de 2020, até que se alcance os 62 (sessenta e dois) anos de idade, para a mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, para o homem. Por fim, o valor do benefício concedido na forma da regra de transição supracitada, até que lei venha regulamentar a matéria, será calculado nos termos da regra transitória estipulada pelo art. 26, caput, §§ 1º, 2º, I, 5º, 6º e 7º , da EC nº 103 /2019. 14. Em consulta ao CNIS (ID XXXXX – fls. 61/63 e XXXXX – fls. 28/50) é possível verificar que o segurado manteve vínculo laboral durante todo o curso do processo em primeira instância, tendo preenchido os requisitos necessários à aposentadoria prevista no art. 16 da EC nº 103 /2019 em 07.05.2021, eis que passou a contar com a idade de 62 (sessenta e dois) anos, 10 (dez) meses e 01 (um) dia, bem como tempo contributivo correspondente a 35 (trinta e cinco). 15. Ocorrendo a fixação da DIB antes do ajuizamento da ação, sem notícias de interposição de recurso administrativo, o marco originário para a concessão do benefício não deverá ser a data do preenchimento dos seus requisitos, mas sim a da citação, quando o INSS passou a ter conhecimento acerca da nova pretensão da parte autora. Observa-se que a citação do INSS ocorreu em 09.12.2021, ocasião em que deve ser reafirmada a DIB. 16. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784 /2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113 /2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17. Por outro lado, a incidência dos juros de mora, após o decurso do prazo de 45 (quarenta e cinco) dias computados da determinação judicial para implantação do benefício previdenciário, somente se aplica nos casos em que o termo inicial do benefício for fixado posteriormente à data da citação, em virtude da superveniência da implementação dos requisitos legais exigidos pra concessão do benefício previdenciário, o que difere da realidade dos autos, em que o termo inicial do benefício foi fixado a partir da data da citação. 17. Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85 , § 3º , § 4º , II , e § 11 , e no art. 86 , todos do CPC , e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ). Registre-se que a concessão do benefício somente se mostrou possível com o reconhecimento à parte autora de tempo de trabalho especial, contestado pela autarquia previdenciária em sede administrativa e judicial, o que torna cabível a condenação nas verbas de sucumbência. 18. Reconhecido o direito da parte autora à aposentadoria por tempo de contribuição, conforme a regra de transição prevista no art. 16 da EC nº 103 /2019, a partir da citação (09.12.2021), ante a comprovação de todos os requisitos legais. 19. De ofício, sentença reduzida aos limites do pedido. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte autora parcialmente provida. Fixados, de ofício, os consectários legais.