Recurso Inominado: XXXXX-89.2023.8.11.0003 Origem: 2º JUIZADO ESPECIAL DE RONDONÓPOLIS Recorrente: BANCO BRADESCARD S.A Recorrido: ADRIANA LUIZA BESSA BORGES SÚMULA DE JULGAMENTO: RECURSO INOMINADO. PROVA DA ORIGEM DA DÍVIDA. ÔNUS DO CREDOR.AUSÊNCIA DE PROVA. CONDUTA ILÍCITA CARACTERIZADA.RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CULPA PRESUMIDA. PAGAMENTO POR MEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE PAGAMENTO. INSCRIÇÃO OU MANUTENÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO.DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CONSIDERAÇÃO DA CAPACIDADE ECONÔMICA DA VÍTIMA E DO OFENSOR. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. O juízo singular decidiu a reclamação por sentença assim redigida: "VISTOS. Dispensado o relatório, conforme dispõe o artigo 38 , da Lei n. 9.099 /95. FUNDAMENTO E DECIDO. Trata-se de reclamação proposta por ADRIANA LUIZA BESSA BORGES em face de BANCO BRADESCARD S.A. e CASA BAHIA COMERCIAL LTDA. PRELIMINARES Correção do polo passivo Considerando os documentos constitutivos apresentados pela 2ª reclamada CASAS BAHIA COMERCIAL LTDA., e a ausência de impugnação da parte adversa, deve ser retificado o polo passivo para constar como reclamada a empresa VIA S/A, om sede na rua João Pessoa, 83, Centro, em São Caetano do Sul/SP, CEP XXXXX-010, inscrita no CNPJ sob nº 33.XXXXX/1201-43. Ilegitimidade passiva Ambas reclamadas manifestam preliminar de ilegitimidade passiva, todavia, com base na teoria da asserção, questões relativas às condições da ação, como no caso dos autos, são aferidas por intelecção do que fora aduzido na peça de ingresso, bastando que se verifique a existência de um nexo a vincular as partes. Desta forma, a matéria ora arguida será analisada em sede meritória. Impugnação ao pedido de justiça gratuita Os artigos 54 e 55 da Lei n. 9.099 /95 garantem o acesso ao primeiro grau de jurisdição dos Juizados Especiais sem a cobrança de custas, taxas ou despesas, motivo pelo qual, neste momento, a preliminar deve ser rejeitada. MÉRITO Constato que as provas apresentadas são suficientes para o deslinde da controvérsia, não há irregularidade a ser saneada, e a reclamação está pronta para cognição exauriente. Nos termos do art. 355 , I do Código de Processo Civil , passo ao julgamento antecipado do mérito. De início, registro que é de consumo a relação em discussão, haja vista que as partes se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor, conforme disposição dos arts. 2º e 3º da Lei número 8.078 /90, de tal sorte que se aplica o regramento do Código de Defesa do Consumidor . O caso dos autos traz fatos alegados na exordial, segundo a qual a parte autora recebeu em sua residência um cartão de crédito o qual não solicitou, tampouco desbloqueou, inobstante, está sendo cobrada pela quantia de R$ 102,23 (cento e dois reais e vinte e três centavos). Assere que solicitou o cancelamento do cartão de crédito e lhe foi prometida a exclusão da cobrança, todavia, em vez disso, foi negativada nos serviços de proteção ao crédito. Alega que o débito é indevido e ilegal a negativação creditícia que dele é decorrente. Em razão de tais fatos, pleiteou tutela de urgência para exclusão da negativação creditícia, e, no mérito, declaração judicial de inexistência do débito, a consequente exclusão do seu nome do cadastro restritivo de crédito e a condenação das empresas rés ao pagamento de danos morais. A tutela de urgência foi deferida. No mesmodecisum, restou deferida a inversão do ônus da prova,conforme regra do art. 6º , VIII , do Código de Defesa do Consumidor , restando verificar se houve cumprimento deste encargo. Para satisfazer o dever probatório que lhe foi designado,o 1o reclamado BANCO BRADESCARD S/A alegou ilegitimidade passiva, e, no mérito, que há vínculo regular entre as partes pois houve contratação de cartão de crédito, utilização e pagamentos, motivo pelo qual não pode ser condenada pelos danos narrados.Alega que não há comprovação dos danos morais, portanto o pleito é indevido. Por sua veza 2ª reclamada VIA S/A apresentou defesa por meio da qual aduziu preliminar de ilegitimidade passiva, e, no mérito, que não agiu com culpa para os fatos narrados na exordial; quehouve fato de terceiro, a ensejar a exclusão de sua responsabilidade quanto aos danos alegados. Primeiramente rejeito a tese de ilegitimidade passiva em relação à 2ª reclamada VIA S/A, pois, embora não tenha emitido o cartão de crédito objeto da lide, tem parceria comercial com o 2º reclamado BANCO BRADESCARD S/A., inclusive sua logotipo está estampada no cartão enviado à autora, atraindo o disposto nos arts. 7º , § 1º e 34 do Código de Defesa do Consumidor , que dispõe que todos aqueles que integram a cadeia de negócios do produto fornecido ou do serviço contratado têm responsabilidade solidária pelos danos suportados pelo consumidor. Rejeito a tese de ilegitimidade passiva arguida pelo 1º reclamado BANCO BRADESCARD S/A, pois está diretamente vinculado aos fatos que constituem causa de pedir deste processo, inclusive não há controvérsia quanto a ter emitido e enviado o cartão de crédito ao endereço da autora. Com relação às provas apresentadas no processo, verifico que a autora anexou a fotografia do verso do cartão de crédito questionado, a fatura - com a cobrança de anuidade, juros, encargos, multa por atraso – e mensagens SMS demonstrando o pedido de cancelamento do cartão e dos débitos. O 1º reclamado BANCO BRADESCARD S/A lastreou sua tese de defesa com base em documentos comerciais como proposta de emissão de cartão de crédito e respectivo contrato, devidamente assinados pela autora, além das faturas do referido produto, inclusive com alguns pagamentos. Todavia, como bem apontado em impugnação à defesa, tais documentos se referem a cartão de crédito diverso do que está sendo questionado nos autos. De fato, os documentos anexados pelo 2º reclamado BANCO BRADESCARD S/A se referem ao cartão de número 4271.67**.****.4019, enquanto o que está sendo discutido tem número 2716.7261.417.4027, o qual, segundo diz a autora, não foi solicitado, tampouco utilizado. Nesta esteira de raciocínio, na presente a ação a parte autora não negou o vínculo jurídico com o banco reclamado, mas sim o fato de não ter solicitado o cartão de crédito, nem o desbloqueado, e, inobstante isso, está sendo indevidamente cobrada por valores de anuidade, juros e multa por inadimplência. Assim, à deriva de comprovação da tese de defesa, em descumprimento ao encargo probatório invertido por força do art. 6º , VIII do CDC , é de se deferir o pedido exordial, para que se declare a inexistência do débito objurgado. Em consequência do quanto exposto, deve ser confirmada a tutela de urgência de Id XXXXX, tornando definitiva a ordem para exclusão da negativação do débito de R$ R$ 102,23 (cento e dois reais e vinte e três centavos). No caso, resta caracterizado o defeito do serviço, portanto é objetiva a responsabilidade das empresas reclamadas, conforme previsão do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor . Em razão de incúria e omissão, os dados da parte reclamante foram indevidamente inscritos nos sistemas de proteção ao crédito, restando, pois, comprovada a prática de conduta ilícita. Por aplicação dos arts. 186 e 927 do Código Civil , deve a parte reclamada ser responsabilizada pelos danos imateriais suportados que, no caso, são “in re ipsa”. Cabe ainda argumentar que o caso em apreço não atrai a incidência da Súmula 385 do C. STJ porque não foram apresentados extratos registrando negativação anterior à que está sendo questionada. Em análise aos fatos manifestados e às provas produzidas, tendo por parâmetros os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a condição pessoal das partes, o grau de culpa da reclamada e a capacidade de a falha na prestação dos serviços ter repercutido na vida pessoal da parte autora, entendo por arbitrar os danos morais em R$ 6.000,00 (seis mil reais). DISPOSITIVO. Ante o exposto, rejeito as preliminares, confirmo a tutela de urgência, e, com fundamento no artigo 487 , inciso I , do CPC , opino pela PROCEDÊNCIA PARCIAL dos pedidos iniciais, para: a) DECLARAR INEXISTENTEo débito de R$ 102,23 (cento e dois reais e vinte e três centavos) relativo ao cartão de crédito de número XXXXX72614174027, com negativação em 03/05/23, e b) CONDENAR os reclamados solidariamente ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais),com juros de mora de 1% ao mês, a partir do evento danoso e correção monetária (INPC) a partir desta data (súmula 362 do STJ). O 2º reclamado BANCO BRADESCARD S/A deverá retirar a inscrição do nome da reclamante no cadastro de inadimplentes, no prazo de 05 dias, em relação ao débito discutido nestes autos, caso ainda não o tenha feito, sob pena de configuração de crime de desobediência. Sem custas processuais a teor do disposto no artigo 55 da Lei nº 9.099 /95. Havendo pagamento voluntário do valor da obrigação, no prazo legal, proceda-se a expedição de alvará. Após as formalidades e baixas necessárias, arquive-se. Submeto o presentedecisumà homologação do Juiz de Direito, nos termos do artigo 40 da Lei 9.099 /95. Thiago Milani Juiz Leigo Vistos. Homologo, para que produza seus jurídicos e legais efeitos, o projeto de sentença elaborado pelo Juiz Leigo, na forma do art. 40 da Lei n. 9.099 /95. Publique-se eletronicamente. Intime-se eletronicamente Rondonópolis/MT. Rhamice Ibrahim Ali Ahmad Abdallah Juiz de Direito em Substituição Legal." 2. O Recurso Inominado interposto pela parte reclamante devolveu à apreciação desta Turma as seguintes questões: a) foi localizada a solicitação do cartão, bem como o contrato de adesão XXXXXxxxxxx4027 que foi realizado em 24/11/2017 por meio do termo de adesão; b) a parte reclamante realizou despesas no cartão, bem como realizou o último pagamento em 02/12/2022, conforme faturas juntadas na defesa; c) o contrato foi assinado, houve a solicitação do cartão, bem como a ativação e utilização periódica do mesmo; d) não houve cobrança indevida e não praticou conduta ilícita capaz de ensejar indenização por danos morais; e) agiu no exercício regular do direito de cobrar o débito e de negativar o nome da reclamante nos órgãos de proteção ao crédito; f) a culpa é exclusiva da reclamante. Requereu o provimento do recurso para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais. 3. Contrarrazões foram apresentadas objetivando a manutenção da sentença. 4. Origem da dívida. É do credor o ônus de comprovar a origem do seu crédito não reconhecido pelo devedor.( Recurso Inominado nº XXXXX-48.2020.8.11.0003 , Rel. VALMIR ALAERCIO DOS SANTOS , Turma Recursal Única, Julgado em 10/07/2023, publicado no DJE de 13/07/2023). A inexistência de prova invalida a suposta relação contratual suscitada pela parte reclamada, tornando a cobrança indevida e caracterizando conduta ilícita. 5. A alegação da reclamada de que está comprovada a relação jurídica entre as partes não tem suporte nas provas existentes nos autos (contrato assinado, cartão recebido e faturas pagas), porquanto referentes a cartão de crédito diverso do discutido na inicial. 6. O juízo de primeiro grau elucidou bem a questão: "Com relação às provas apresentadas no processo, verifico que a autora anexou a fotografia do verso do cartão de crédito questionado, a fatura - com a cobrança de anuidade, juros, encargos, multa por atraso – e mensagens SMS demonstrando o pedido de cancelamento do cartão e dos débitos. O 1º reclamado BANCO BRADESCARD S/A lastreou sua tese de defesa com base em documentos comerciais como proposta de emissão de cartão de crédito e respectivo contrato, devidamente assinados pela autora, além das faturas do referido produto, inclusive com alguns pagamentos. Todavia, como bem apontado em impugnação à defesa, tais documentos se referem a cartão de crédito diverso do que está sendo questionado nos autos. De fato, os documentos anexados pelo 2º reclamado BANCO BRADESCARD S/A se referem ao cartão de número 4271.67**.****.4019, enquanto o que está sendo discutido tem número 2716.7261.417.4027, o qual, segundo diz a autora, não foi solicitado, tampouco utilizado". Portanto, não havendo obrigação a ser cumprida pela parte reclamante, a cobrança é indevida e a conduta ilícita da parte reclamada encontra-se configurada. 7. Responsabilidade civil. Nas relações de consumo, o fornecedor de produtos e serviços possui responsabilidade civil objetiva (culpa presumida), mas esta pode ser excluída quando a culpa for exclusiva do consumidor e/ou de terceiros, bem como nas hipóteses de caso fortuito e força maior (STJ REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro RAUL ARAÚJO , QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2016, DJe 09/12/2016). Todos os envolvidos no processo de pagamento por meio de cartão de crédito são solidariamente responsáveis por eventual falha no processamento das informações, pois não é razoável exigir do consumidor saber qual foi a empresa efetivamente culpada, pois se trata de operação complexa, que envolve quatro participantes (1-estabelecimento que passa o cartão, 2-locadora dos equipamentos para comunicação, 3-administradora do cartão de crédito, e 4-bandeira do cartão de crédito). No caso concreto, com o objetivo de afastar sua responsabilidade objetiva, a parte reclamada sustenta que o dano foi ocasionado por culpa exclusiva da reclamante, mas não conseguiu comprovar a contratação. Portanto, considerando que a parte reclamada é uma das envolvidas no processo da suposta contratação do cartão de crédito, permanece inalterada a sua responsabilidade quanto a conduta ilícita detectada nos autos (N.U XXXXX-67.2023.8.11.0001 , TURMA RECURSAL CÍVEL, VALMIR ALAERCIO DOS SANTOS , Terceira Turma Recursal, Julgado em 09/04/2024, Publicado no DJE 11/04/2024; N.U XXXXX-34.2022.8.11.0015 , TURMA RECURSAL CÍVEL, VALDECI MORAES SIQUEIRA , Terceira Turma Recursal, Julgado em 26/03/2024, Publicado no DJE 26/03/2024). 8. Dano moral. Restritivo de crédito. A inscrição ou manutenção indevida em cadastro restritivo de crédito gera dano moral in re ipsa. Precedentes do STJ. A negativação questionada é a única registrada (R$100,22) e gera dano moral. Em exame do caso concreto, com base no extrato juntado no ID204367173/PJe2, constata-se que o restritivo impugnado foi o único registrado, estando caracterizado o dano moral, que é in re ipsa. Portanto, é devida a indenização por danos morais. 9. Quantum indenizatório do dano moral. O quantum indenizatório do dano moral deve ser fixado tendo como base a capacidade econômica da vítima e do ofensor, bem como a extensão da culpa e do dano, satisfazendo o caráter compensatório e desincentivando a repetição da conduta ilícita. Tendo como base a capacidade econômica da vítima e do ofensor e as peculiaridades do caso concreto, especialmente o valor do restritivo (R$100,22) e a inexistência de outros registros, a indenização arbitrada na sentença em R$6.000,00 é razoável e suficiente para a reparação do dano moral e não merece reparo. (N.U XXXXX-88.2023.8.11.0002 , TURMA RECURSAL CÍVEL, HILDEBRANDO DA COSTA MARQUES , Terceira Turma Recursal, Julgado em 06/10/2023, publicado no DJE 09/10/2023; N.U XXXXX-97.2022.8.11.0107 , TURMA RECURSAL CÍVEL, VALMIR ALAERCIO DOS SANTOS , Terceira Turma Recursal, Julgado em 25/09/2023, publicado no DJE 29/09/2023; N.U XXXXX-29.2023.8.11.0002 , TURMA RECURSAL CÍVEL, ARISTEU DIAS BATISTA VILELLA, Terceira Turma Recursal, Julgado em 25/09/2023, publicado no DJE 29/09/2023). 10. Recurso conhecido e não provido. 11. Sucumbência. Custas processuais e honorários advocatícios, fixados em15% sobre o valor da condenação, pela parte recorrente (art. 55 da Lei n. 9.099 /95). 12.Sentença mantida por seus próprios fundamentos, servindo a súmula do julgamento como acórdão, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099 /95. É como voto. Cuiabá/MT, data registrada no sistema. Hildebrando da Costa Marques Juiz de Direito - Relator