PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADAS. VERSÃO APRESENTADA PELAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO E RÉ, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO, SÓLIDAS E COERENTES. FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. CONVALIDAÇÃO DE DUAS CIRCUSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PEDIDO DE RECORRER EM LIBERDADE DEFERIDO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA HOMOGENEIDADE. CUSTÓDIA CAUTELAR. MEDIDA MAIS GRAVOSA QUE A PRÓPRIA CONDENAÇÃO. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS PARCIALMENTE. 1- O crime de lavagem de dinheiro é consumado quando o agente oculta ou dissimula a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (artigo 1º , caput, da Lei 9.613 /98), bem como o agente que, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, os converte em ativos lícitos (§ 1º do mesmo artigo). 2- Nesse contorno, pela característica do delito, qual seja, de ser velado, denota-se uma dificuldade em localizar prova direta da precedência adulterada do dinheiro, de maneira que a constatação do dolo ocorrerá por análise dos elementos externos, obtido por meio de indícios objetivos. O produto proveniente de maneira ilícita, isto é, o dinheiro sujo, passa por um processo composto por diversas fases (colocação, ocultação e integração), voltadas a disfarçar sua origem ilícita sem comprometer os agentes. Trata-se de delito multifacetado, por meio do qual é dada aparência lícita a bens, direitos e valores obtidos ilicitamente, por meio de um processo com diversas fases complexas. 3- In casu, constatou-se que parte dos recursos ilícitos, advindo da consumação do crime de furto, foram ocultados por meio de dissimulação da compra de bens móveis, adquirindo veículos que permaneceram em nome de terceiros, quais sejam, uma motocicleta Honda CG 150 Titan EX, placa PHF-8152, comprada e registrada no nome da informante Genézia Tomé Barbosa , além de um automóvel Fiat Uno Way, placa OAB-6207, comprado e registrado no nome da informante Mayara Cristina Tomé Barbosa . 4- Portanto, a dissimulação de propriedade dos bens é evidente no caso, sendo certo que tais veículos deveriam constar no nome do Acusado Lidervan Faris de Azevedo , o que não ocorreu nas circunstâncias, visto que de forma ilegítima registrou ou manteve o registro dos automóveis em nome de terceiros, os quais não tinham ciência da procedência do dinheiro que era proveniente de vendas ilícitas realizadas no comércio da empresa, ora vítima. 5- Outrossim, além de os Apelantes terem comprados dois bens móveis, assumindo o compromisso de pagar as parcelas, denota-se, pelos extratos bancários às fls. 134-166, um comportamento corriqueiro destes logo após venda/depósito de altos valores, qual seja, diversos saques em quantia menores. 6- A respeito do aludido método de branqueamento, este recebe o nome de estruturação (structuring ou smurfing) e consiste no ato de realizar diversos pagamentos menores em nome de terceiros, ou transferências, ou saques e/ou depósitos de pequenas quantias de dinheiro em várias contas bancárias, com o intuito de ocultar ou dissimular a origem ilícita de um montante vultoso, de modo a respeitar o limite da legislação e assim não chamar a atenção das Autoridades de Controle e Prevenção à Lavagem, como por exemplo, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, para que, a posteriori, o valor seja reunido e retorne ao patrimônio do lavador. Precedente STJ. 7- Outro passo, sobre a prova do dolo por parte dos Apelantes, a Convenção de Mérida, instrumento de cooperação internacional que traz regras no combate à corrupção e normas sobre transparência pública, a Convenção de Palermo, que prevê dispositivos sobre prevenção e combate à criminalidade organizada, e a Nota Interpretativa sobre a Recomendação 3 (Crime de Lavagem de Dinheiro) do Grupo de Ação Financeira Sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI) são unânimes em afirmar que nos crimes de lavagem de dinheiro a prova do elemento subjetivo (dolo) se dará por circunstâncias factuais objetivas. 8- Portanto, os indícios servem para a condenação quando a soma dos fatos por eles provados seja conjugada em um corolário lógico, pelo raciocínio indutivo, acerca da materialidade e autoria delitiva. Neste contorno, para efetivar tal ocorrência, o agente acaba por promover uma ampliação injustificada do seu patrimônio, utilizando-se de diversas manobras, as quais, conjugadas, conduzem para um Juízo motivado acerca do dolo do agente em camuflar a origem viciado do produto, no caso, o dinheiro advindo do crime de furto. 9- Na circunstância em comento, é perceptível a existência de uma dessas possibilidades, isto é, a intensa movimentação financeira da conta bancária do Apelante Lidervan Faris de Azevedo , contexto fático esse que demonstra de forma ostensiva que os Apelantes não possuem uma vida habitual e lícita, e sim o propósito de acobertar os lucros sórdidos advindos do submundo do crime. Assim sendo, diante do conjunto de operações efetuadas, conclui-se que os Apelantes Lidervan Farias de Azevedo e Franciane de Souza Silva agiram em conluio para ocultar ou dissimular a ilegalidade do dinheiro proveniente do crime de furto qualificado, consumando o tipo do artigo 1º , caput, da Lei 9.613 /98 (lavagem de dinheiro). 10- No que diz ao pleito de aplicação da pena-base no mínimo legal para o crime de furto qualificado, in casu, concorda-se com a avaliação negativa das duas circunstâncias judiciais (circunstâncias e consequências do crime), bem como o critério discricionário da exacerbação da pena, todavia, discorda-se dos fundamentos concretos adotados pela Juíza a quo, no que diz respeito à vetorial de consequências do crime, de modo que necessário se faz retificá-los. 11- A jurisprudência do STJ pacificou entendimento no sentido de que, em razão do efeito devolutivo ampliado do recurso de Apelação Criminal, o Juízo ad quem pode, ainda que em se tratando de recurso exclusivo da defesa, atribuir nova valoração às circunstâncias judiciais indevidamente sopesadas, sem que isso caracterize reformatio in pejus; para tanto, por certo, não pode haver piora na situação do Réu, isto é, aumento de pena ou agravamento do regime de cumprimento da sanção. 12- No caso, o contexto fático que envolve o delito permite inferir uma elevada "consequência extrapenal", visto que, conforme exposto no relatório policial às fls. 172/173, o prejuízo financeiro sofrido pela Vítima ultrapassou o quantitativo de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais), o que acarretou malefícios irrecuperáveis à empresa, ocasionando, certamente, sérias complicações administrativas a esta. Ademais, acrescenta-se comportamento ludibriador dos Apelantes em face dos clientes da loja, os quais acreditavam na boa-fé da conduta dos Réus. Portanto, constituem elementos extrínsecos ao delito, sendo tal vetorial apta a exasperar a pena-base. Precedente STJ. 13- Ad argumentandum tantum, a respeito das circunstâncias do crime, isto é, o uso de uma das qualificadoras do crime para aumentar a pena-base, convalida-se a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça de que "havendo duas ou mais qualificadoras, uma delas deverá ser utilizada para qualificar a conduta, alterando o quantum da pena em abstrato, e as demais poderão ser valoradas na segunda fase da dosimetria, caso correspondam a uma das agravantes previstas na legislação penal, ou, ainda, como circunstância judicial, afastando a pena-base do mínimo legal" ( HC n. 402.851/SC , relator Ministro Felix Fischer , Quinta Turma, julgado em 14/9/2017, DJe 21/9/2017)". Assim sendo, mantém-se intacto o quantum da pena-base mensurada a cada Apelante, retificando apenas os fundamentos utilizados para acentuar a vetorial de consequências do crime. 14- Merecem guarida os Apelos no que atine à postulada concessão dos benefícios da justiça gratuita em favor dos Réus, pois inexistentes, nos autos, elementos hábeis a ilidir as declarações de hipossuficiência, objeto da pretensão recursal em testilha. Não se olvide que a suspensão da exigibilidade do pagamento de despesas processuais poderá ser revertida durante os 05 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado que certificar a condenação. 15- Por derradeiro, considerando a inalteração da pena definitiva e concreta dos Apelantes, bem como a estabilidade do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade, conforme determina o art. 33 , § 2º , alínea b, do CP , compreende-se que a manutenção da custódia cautelar dos Apelantes configura medida mais gravosa do que a própria condenação, ensejando ofensa ao princípio da homogeneidade, motivo pelo qual concede-se aos Apelantes o direito de recorrer em liberdade, mediante o cumprimento das seguintes medidas cautelares: comparecimento mensal em juízo; proibição de se ausentar da comarca sem autorização do juízo; e monitoração por tornozeleira eletrônica. 16- APELAÇÕES CONHECIDAS E PARCIALMENTE PROVIDAS.