TJ-DF - 20170110544636 DF XXXXX-24.2017.8.07.0001
JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. CRIMES CONTRA A HONRA. CALÚNIA. ART. 138 DO CP . INJÚRIA. ART. 140 DO CP . AÇÃO PENAL PRIVADA. QUEIXA-CRIME. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS MÍNIMOS PARA RECEBIMENTO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE ANIMUS INJURIANDI E ANIMUS CALUNIANDI. CONTEXTO FAMILIAR CONFLITANTE E CONTURBADO. FALTA DE JUSTA CAUSA. POSSIBILIDADE DE REJEIÇÃO LIMINAR, SEM DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PRELIMINAR. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Recurso de apelação interposto pela querelante contra a sentença que rejeitou a queixa-crime oferecida por suposta prática de calúnia (art. 138 do CP ) e de injúria (art. 140 do CP ), em razão da ausência de justa causa para o exercício da ação penal, bem como de indícios de que o querelado tenha agido com dolo de ofender e denegrir a honra da ora recorrente (art. 395 , II e III , CPP ). 2. O fato imputado pela querelante (sogra) ao querelado (genro) consiste em discussão travada via whatsapp, após o rompimento de relacionamento entre a filha da querelante e o querelado, na qual se constatam provocações recíprocas. Conversa que denota relação conflitante e conturbada entre os envolvidos - instabilidade familiar aparentemente fomentada pela querelante em torno de alegada alienação parental quanto ao filho do casal (neto da querelante). 3. Da análise do conjunto probatório coligido ao feito e diante da imputação de discussão isolada, da qual não se extrai o ânimo de injuriar, não se verifica um contexto fático delituoso, sendo certo que o tipo descrito no art. 140 do CP "exige uma determinada tendência subjetiva de realização da conduta típica: a finalidade de menosprezar", consoante a lição de Luiz Regis Prado. Tal constatação enseja, na hipótese, o afastamento da incidência do Direito Penal, fragmentário e subsidiário (Direito da ultima ratio). 4. Inexiste justa causa para deflagração da ação penal, uma vez que - embora tenham sido destacadas expressões mediante as quais a querelante entende ter havido lesão à sua honra - não se demonstrou estarem presentes as elementares constitutivas dos delitos de calúnia (art. 138 , CP ) e injúria (art. 140 , CP ), notadamente quanto ao elemento subjetivo especial dos tipos (animus caluniandi e animus injuriandi), o denominado "dolo específico", indispensável nos crimes contra a honra (delitos de tendência intensificada). 5. Nesse sentido, colhem-se precedentes das Turmas Recursais: "[...] 2. Não obstante a regularidade formal da peça inicial, carece de justa causa a presente hipótese, porquehá a indicação nos autos de que deram-se ofensas mútuas entre as partes querelante e querelada, em situação de discussão e retorsão imediata, de insultos recíprocos, provenientes de esgotamento de relação interpessoal, não sendo possível identificar com segurança quem iniciou e quem retorquiu. [...]" (Acórdão n.1068768, 20170310044556APJ, Relator: ASIEL HENRIQUE DE SOUSA 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Data de Julgamento: 05/12/2017, Publicado no DJE: 22/01/2018. Pág.: 1406/1407); "[...] 2 - Injúria. Elemento subjetivo do tipo penal. As ofensas perpetradas por ocasião do rompimento do relacionamento amoroso não se caracterizam como injúria ante a falta do elemento subjetivo consistente no intento de atingir a honra, nem oferece a potencialidade ofensiva própria deste tipo de delito. [...]" (Acórdão n.1035403, 20160111073929APJ, Relator: AISTON HENRIQUE DE SOUSA 1ª TURMA RECURSAL, Data de Julgamento: 29/06/2017, Publicado no DJE: 03/08/2017. Pág.: 446/449). 6. Acrescenta-se, ainda, que o único elemento de informação juntado ao feito consubstancia-se em boletim de ocorrência, sendo este de confecção unilateral e insuficiente a embasar a peça acusatória. Ressalta-se que, a despeito de terem sido juntadas ao feito cópias de prints da tela do celular em que se visualiza conversa de whatsapp, esta consiste em diálogo distinto daquele apresentado na peça acusatória e na procuração (inclusive, ao que se dessume, entre interlocutores diversos), de que forma que sequer pode ser considerado para fins de atribuição de conduta ao querelado. 7. Especificamente quanto ao crime de calúnia, é indispensável que o agente impute um fato falso, determinado, concreto e individualizado à vítima, conforme já assentado na jurisprudência pátria, não bastando que sido dito que a querelante ameaçou matar o querelado ("depois que vc ameaçou me matar, e depois de tudo q aturei de vc.. vc nao tem moral nenhuma para falar nada comigo..."[sic] e "ou vc esquece que vc me ameaçou de morte?"[sic]) (fl. 08). 8. Nos crimes de ação penal privada, os querelantes, acusadores, estão sujeitos a ônus probatório equivalente ao do órgão ministerial no oferecimento de denúncia, sendo imprescindível a demonstração da plausibilidade da peça acusatória, sob pena de rejeição. 9. Ausente a justa causa, admite-se a rejeição "liminar" da queixa-crime, isto é, antes da realização da audiência preliminar prevista no art. 72 da Lei nº 9.099 /95. 10. Acerca do tema, colaciona-se julgado do c. STJ: "RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CALÚNIA. REJEIÇÃO DA QUEIXA-CRIME. AUSÊNCIA DE DOLO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR Nº 07 DO STJ. AUDIÊNCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO. DESNECESSIDADE. [...] 2. Não existe violação ao art. 520 do Código de Processo Penal , nos casos em que o magistrado indefere liminarmente a queixa-crime, sem marcar audiência de tentativa de conciliação, quando entende ausente requisito necessário para o recebimento da exordial acusatória, como a atipicidade da conduta. Precedente. 3. Recurso especial não conhecido." ( REsp XXXXX/SP , Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2004, DJ 08/11/2004, p. 287). 11. Corrobora tal compreensão a decisão tomada pelo c. STJ no RHC XXXXX/DF , em que se determinou o trancamento de ação penal ante a ausência de justa causa, independentemente da realização da audiência preliminar. Confira-se: "[...] LEI Nº 9.099 /95. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. A despeito da Lei nº 9.099 /95 ser pautada por critérios da oralidade, simplicidade e informalidade, a inicial acusatória (denúncia ou queixa-crime), mesmo nas infrações de menor potencial ofensivo, deve vir acompanhada com o mínimo embasamento probatório, ou seja, com lastro probatório mínimo apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal. [...]" ( RHC XXXXX/DF , Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 25/02/2016). 12. Em idêntico sentido já decidiu o e. TJDFT: "[...] REJEIÇÃO DA QUEIXA CRIME ANTES DA CONCILIAÇÃO. NULIDADE. NÃO VERIFICAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. [...] Faltando justa causa para a ação penal, nada impede o julgamento de plano da queixa-crime, até porque faltaria legalidade à conciliação por fatos não criminosos. Recurso não provido." (Acórdão n.940297, 20150110890286RSE, Relator: MARIO MACHADO 1ª TURMA CRIMINAL, Data de Julgamento: 05/05/2016, Publicado no DJE: 13/05/2016. Pág.: 162/180). No âmbito das Turmas Recursais, dentre outros, vide o Acórdão nº 942206. 13. Pelo exposto, deixo de acolher o parecer ministerial, porquanto a rejeição liminar da peça acusatória, no caso concreto, é medida que se impõe. 14. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. 15. Condenada a parte recorrente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais). 16. A súmula de julgamento servirá de acórdão, conforme regra do art. 82 , § 5º , da Lei nº 9.099 /95.