APELAÇÃO CRIMINAL. APELANTE CONDENADO À PENA DE 2 MESES DE DETENÇÃO/REGIME ABERTO, COM SURSIS POR 2 ANOS, PELO CRIME DE MAUS TRATOS EM SOBRINHA. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA, REQUERENDO A ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E ATIPICIDADE DA CONDUTA, POR AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. PROVAS INSUFICIENTES A SUSTENTAR UMA CONDENAÇÃO CRIMINAL. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. Como cediço, o crime de maus tratos, da forma como é capitulado no art. 136 do Código Penal , é aquele em que o agente expõe a perigo a vida ou a saúde da pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina. No que tange os meios de correção ou disciplina, cumpre-me salientar que para a tipificação do crime, é necessário que tenha havido abuso doloso dos meios de correção, capaz de expor a perigo a vida ou a saúde da vítima. Assim, só resta configurado o delito quando o agente pratica punição de forma dolosamente exagerada, aplicando-se à vítima corretivo imoderado ou abusivo, sendo, entretanto, perfeitamente lícitas as medidas corretivas moderadas aplicadas pelos pais em relação à seus filhos com o objetivo de educá-los, contribuindo na formação de seu caráter e personalidade. Quanto à existência das lesões, tal fato não restou totalmente comprovado. O réu, em seu interrogatório, afirma que no dia dos fatos sua irmã foi chamá-lo de madrugada porque a vítima Maria Vitória teria fugido para a casa de Vitor, que é vizinho e namorado da mesma, tendo ambos saído para procurá-la na referida residência. Porém, a vítima foi encontrada dentro de casa, já arrumada e com mochila pronta para sair com Vitor, apesar de ter total ciência de que sua mãe e tios eram contra o namoro, motivo pelo qual iniciou-se uma discussão entre mãe e filha. Ele, apesar de tentar conversar e mostrar à sua sobrinha que ela tinha que obedecer sua genitora, afirmou que a vítima teria desrespeitado e começado a debochar dele e de sua irmã, sua mãe, motivo pelo qual ele bateu, duas vezes, com o cinto nas nádegas dela. Porém, afirma que a Patrulha Maria da Penha compareceu em sua residência, no dia seguinte, nada tendo constatado na vítima, em termos de lesões. Em que pese a testemunha João Vitor (namorado da vítima) ter prestado depoimento informando que viu manchas roxas nas costas e braços da vítima, e de ter a lesada, por sua vez, narrado que ficou "toda marcada", bem como a confissão do réu, confirmando que realmente bateu na vítima duas vezes com o cinto, em suas nádegas, não há laudo de exame de corpo de delito para atestar a existência de tais lesões e se as lesões eventualmente encontradas seriam compatíveis com as descritas como tendo sido feitas pelo réu. Assim, não há sequer como afirmar, com a certeza necessária, que ficaram marcas na vítima, fato este que poderia ser sanado com outras provas, o que não ocorreu, tendo em vista que o depoimento da ofendida deve ser acolhido com reservas (no presente caso, havia uma relação de conflito entre ela e o réu, bem como as declarações do namorado e hoje companheiro da vítima também devem ser vistas com reservas, por razões óbvias, porque, em tese, ele vinha praticando estupro de vulnerável contra ela, como por ele mesmo confessado). Além disso, a falta do exame impede que o julgador avalie se efetivamente houve o excesso culpável, necessário à configuração do delito de maus-tratos. A Lei 13.010 /2014 (denominada"Lei da Palmada") alterou alguns dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente , incluindo, particularmente, os artigos 18-A e 18-B, prevendo punições pelo ECA mas que não caracterizam, necessariamente, o crime de maus tratos. Mesmo assim, em que pese a lei ora citada, trazemos à colação as sempre lúcidas críticas do Mestre Nucci, quanto à "Lei da Palmada", em relação ao crime de maus tratos, in verbis: "A denominada"Lei da Palmada"busca impor um nível educacional aos pais em relação aos filhos, que é inadequado ao contexto brasileiro. Pretende-se uma educação calcada, exclusivamente no diálogo. No entanto, para se atingir essa plataforma ideal, valeu-se a novel lei de termos francamente abusivos, como, por exemplo, tratamento cruel e degradante. Da maneira como exposto pelos artigos supramencionados, (18-A e 18-B), qualquer palmada, por menor que seja, pode ser considerada um castigo físico, infringindo a lei. Mas, por mais críticas que mereça a Lei 13.010 /2014, as condutas educacionais para fins de configuração do delito de maus tratos hão de ser mais drásticas do que retratado pelo artigo 18-A do ECA . Noutros termos, castigos físicos não concretizam, necessariamente, maus tratos, pois esse crime demanda dolo. Eventualmente, pode-se visualizar a infringências das normas do ECA , cuja sanção aos pais é completamente diversa da prevista no Código Penal ."(Nucci, Código Penal Comentado, Editora Forense, 22ª Edição, 2021, item 86-A, fls. 740)."Deve-se ressaltar, desta forma, que a"Lei da Palmada"prevê as punições pelo ECA , mas sua eventual violação não caracteriza, necessariamente, o crime de maus tratos. Também não ficou comprovado que os fatos narrados expuseram a perigo a vida ou a saúde da vítima, o que desconfigura totalmente o tipo penal em questão. Sendo assim, diante de frágil arcabouço de provas, não restou comprovado satisfatoriamente o cometimento do injusto, motivo pelo qual a hipótese em tela merece aplicação do princípio in dubio pro reo, consagrado no art. 5º , LVII da Constituição Federal , favorecendo as dúvidas ao acusado, de molde a permitir sua absolvição, com esteio no art. 386 , VII , do Código de Processo Penal . RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.