Agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Direito Constitucional, Penal e Processual Penal. 3. Operação Lava Jato. Correição parcial. Oitiva de colaborador como testemunha. Acordo firmado após denúncia. Artigos 209 e 402 do Código de Processo Penal . 4. O exame das questões trazidas pelo recorrente pressupõe prévia análise de dispositivos infraconstitucionais, a caracterizar ofensa reflexa ao texto constitucional. 5. A jurisprudência da Suprema Corte se sedimentou no sentido da impossibilidade de interposição de recurso extraordinário contra acórdão de correição parcial ( ARE 1.450.529 AgR/RN, Rel. Min. Edson Fachin , DJe 13.11.2023). 6. Ocorrência, todavia, de flagrante ilegalidade no caso dos autos, sintetizada na supressão de direitos inerentes ao contraditório e à ampla defesa. 7. Hipótese, pois, de concessão de habeas corpus de ofício, nos termos do art. 193 do RISTF. 8. Em casos de flagrante violação ao direito de defesa, o enfoque do Tribunal deve ser a imediata correção das ilegalidades praticadas nos autos. Afinal, ante a possibilidade de lesão a direitos do acusado, não é dado ao magistrado hesitar diante de abuso de poder cometido por quaisquer autoridades públicas. 9. A possibilidade de realização de diligências complementares, prevista no art. 402 do CPP , não autoriza a supressão do direito de defesa. 10. No caso, o juiz não permitiu que os acusados renovassem a oitiva das testemunhas de defesa depois da inquirição de Ricardo Berkowitz , ouvido como informante a pedido do MPF. 11. Existência de diferença sutil - mas relevante - entre o procedimento de inquirição do colaborador que é parte na relação jurídica processual (colaborador-réu) e daquele que responde a ação penal diversa (colaborador-testemunha). 12. O colaborador que é réu no processo criminal deve ser ouvido no momento de seu interrogatório, que deverá anteceder o dos demais acusados, em linha com o entendimento firmado no julgamento do HC 166.373 , Rel. Min. Alexandre de Moraes , Tribunal Pleno, DJe 18.5.2023. 13. Outra questão, mais complexa, diz respeito ao procedimento de oitiva do colaborador que não é parte na ação penal. A esse respeito, o STF decidiu, no julgamento da terceira Questão de Ordem na Ação Penal 470 , que “por não terem sido ouvidos na fase do interrogatório judicial, e considerando a colaboração prestada nos termos da delação premiada que celebraram com o Ministério Público, é perfeitamente legítima sua oitiva na fase da oitiva de testemunhas, porém na condição de informantes.” ( AP XXXXX/MG , Terceira Questão de Ordem, Rel. Min. Joaquim Barbosa , julgado em 23.10.2008). 14. A determinação para que a inquirição do delator que não é parte na ação penal ocorra na fase de oitiva de testemunhas projeta consequências transversais para o processo penal, na medida em que, segundo disposição expressa do art. 400 do CPP , deve o magistrado ouvir primeiramente as testemunhas arroladas pela acusação e, depois, aquelas indicadas pela defesa. Cuida-se de decorrência direta do chamado direito de confronto (right of confrontation), que consiste no direito do acusado de presenciar a produção da prova testemunhal e dela participar. Por força desse direito, a declaração de uma testemunha somente pode ser admitida como elemento de prova, caso ela tenha sido produzida de forma pública, oral, na presença do julgador e do acusado e, sobretudo, desde que se tenha possibilitado a resistência da defesa, logo após sua produção. 15. Um importante mecanismo de contraposição, ou de resistência, contra a prova testemunhal é justamente a possibilidade de inquirir, em seguida, as testemunhas de defesa, formulando perguntas que possam repelir as declarações prestadas na primeira etapa das inquirições. Não por outra razão, a inversão de ordem de testemunhas é causa de nulidade dos atos instrutórios, salvo em situações muito específicas, expressamente previstas em lei, a exemplo do art. 222 do CPP . Tal compreensão é reforçada pelo voto do Ministro Alexandre de Moraes no HC 166.373 , em que se afirmou categoricamente que, sendo a relação entre colaborador e delatado de puro antagonismo, “o delatado tem o direito de falar por último sobre todas as imputações que possam levar à sua condenação (...)” já que “o direito de falar por último está contido no exercício pleno da ampla defesa, englobando a possibilidade de refutar todas, absolutamente todas as informações, alegações, depoimentos, insinuações, provas e alegações do delator”. 16. No caso dos autos, muito embora não houvesse óbice processual para a oitiva de Rodrigo Berkowitz , é certo que, em se tratando de colaborador que não é parte na relação processual, sua oitiva deveria ter ocorrido no início da instrução criminal, antes da oitiva das testemunhas de defesa, sob pena de nulidade. Assim, diante de requerimento extemporâneo do Ministério Público, formulado após a oitiva das testemunhas de defesa, caberia ao juiz da causa, em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, reabrir a instrução processual, possibilitando que os acusados fizessem novas perguntas às testemunhas de defesa após a coleta das declarações do colaborador-testemunha. 17. É equivocada a alegação de que o colaborador Rodrigo Berkowitz poderia ser ouvido na condição de testemunha referida, na forma do art. 209 , § 1º , do CPP . Corrobora o desacerto dessa afirmação a circunstância de o Juízo Federal ter invocado esse dispositivo, sem indicar qual a testemunha que, no decorrer da instrução processual, teria mencionado o nome do referido colaborador. 18. Também é equivocada a invocação antecipada do art. 402 do CPP , que estabelece que “o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução”. 19. A possibilidade de o magistrado realizar atividade probatória é excepcional, complementar e específica, vinculada ao aprofundamento vertical de tema determinado, desde que a linha argumentativa tenha sido apresentada por uma das partes, para o fim de “dirimir dúvida sobre ponto relevante”. Ao magistrado é vedada a ampliação horizontal do conjunto de provas, isto é, exercer atividade probatória ampliativa ou inovadora, para além dos limites cognitivos estabelecidos pelas partes. Do contrário, adota postura incompatível com a Constituição Federal. É que, por definição, no processo penal de estrutura acusatória, além da distinção entre acusação e defesa, a gestão da prova é atividade atribuída às partes. 20. Em termos práticos, nada impede que, no curso da instrução criminal, o magistrado admita, de modo excepcional, a possibilidade de oitiva de uma testemunha de acusação, ou de um informante, que justificadamente não foi arrolado na denúncia, especialmente em se tratando de testemunhas referidas, na forma do art. 209 , § 1º , do CPP . Igualmente, a legislação permite que, na fase do art. 402 do CPP , sejam produzidas diligências complementares, a partir de fatos e circunstâncias identificados no depoimento de testemunhas ou no interrogatório dos acusados. No entanto, cuida-se de instrumentos que devem ser utilizados com a devida parcimônia, sempre de maneira excepcional, até mesmo porque representam desvios do rito estabelecido na legislação processual penal. 21. Considerando as singularidades do caso, principalmente a constatação de que, antes mesmo da oitiva das testemunhas de defesa, o Ministério Público já detinha as informações que foram invocadas, meses após, no pedido de inquirição de Rodrigo Berkowitz , a realização dessa nova diligência, sem a reabertura completa da instrução criminal, afrontou o direito ao contraditório e, mais particularmente, a ordem prevista no art. 400 do Código de Processo Penal para produção da prova testemunhal. 22. A defesa arguiu a nulidade na primeira oportunidade em que se manifestou nos autos, sendo, ainda, evidente o prejuízo a que foi submetida, na medida em que, como afirmou o próprio órgão de acusação ao solicitar a oitiva do colaborador, o depoimento de Rodrigo Berkowitz era essencial para a comprovação do envolvimento dos acusados nos crimes descritos na denúncia. 23. Exigir qualquer coisa além disso, sob a alegação de que a nulidade é relativa e pressupõe comprovação rigorosa do prejuízo sofrido pela defesa, corresponderia ao completo esvaziamento do sistema de nulidades previsto na legislação processual penal. 24. Agravo regimental não provido. 25. Concessão de ordem de habeas corpus de ofício, para anular o processo a partir da oitiva do informante, determinando o prosseguimento da instrução de acordo com a ordem do art. 400 do CPP (“inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem”).