PROCESSO Nº: XXXXX-70.2019.4.05.8500 - APELAÇÃO CÍVEL APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: GILBERTO LINHARES TEIXEIRA ADVOGADO: Julio Cesar Do Monte RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Cid Marconi Gurgel de Souza - 3ª Turma MAGISTRADO CONVOCADO: Desembargador (a) Federal Arnaldo Pereira De Andrade Segundo JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1º GRAU): Juiz (a) Federal Ronivon De Aragão EMENTA CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL DE CONTEÚDO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE NÃO FOGE DA SINDICABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO. INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. MÉRITO ADMINISTRATIVO NÃO É INTRANSPONIVEL SE RESTAR CARACTERIZADA DESARRAZOABILIDADE OU FERIMENTO A PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. ACORDÃO DO TCU QUE CONDENOU AUTOR AO PAGAMENTO DE DÉBITO E MULTA, EM DECORRÊNCIA DE IRREGULARIDADES NA CONTRATAÇÃO DE EMPRESA PARA FORNECIMENTO DE CÉDULAS FUNCIONAIS E SUPOSTO SUPERFATURAMENTO. INSTRUÇÃO DEMONSTROU QUE A ESCOLHA DO PAPEL DECORREU DE RESOLUÇÃO AMPLAMENTE DISCUTIDA EM SEMINÁRIOS REALIZADOS PELOS CORENS E COFENS. NÃO COMPROVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DO AUTOR NOS PROCEDIMENTOS DE LICITAÇÃO. EXISTÊNCIA DE VÍCIOS QUE MACULAM A CONCLUSÃO DA CORTE DE CONTAS. JUIZ A QUO ACERTADAMENTE DESCONSTITUI ACÓRDÃO DO TCU E PENALIDADES DELE DECORRENTES. APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Tratam os autos, na origem, de ação civil ajuizada por GILBERTO LINHARES TEIXEIRA contra a UNIÃO, por meio da qual objetiva a anulação do Acórdão nº 112/2015-TCU-Plenário ( TC XXXXX/2010-1 ), por meio do qual o autor foi condenado ao pagamento de débito e multa. Aduz que o processo TC XXXXX/2010-1 foi iniciado pelo Conselho Federal de Enfermagem - COFEN em decorrência de supostas irregularidades e prejuízos causados aos cofres da autarquia decorrentes da contratação da empresa Mixware Representações Ltda., por inexigibilidade de licitação, em 6/12/2004, para fornecimento de cédulas de identidade e carteiras profissionais. 2. O Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe julgou procedente pedido para afastar a penalidade aplicada ao autor pelo Acórdão TCU nº 112/2015, por entender que, após ser realizada a instrução neste feito, restou comprovado que o autor não participou da votação que culminou na edição da Resolução Cofen n. 291/2004, tampouco restou comprovada nos autos a participação do autor nos procedimentos de licitação que concluiu pela sua inexigibilidade da empresa Mixware Representações Ltda. 3. A UNIÃO interpôs recurso de apelação, alegando, em síntese, que: a) não compete ao Poder Judiciário rever o mérito das decisões do TCU, usurpando-lhe a atribuição constitucionalmente delimitada, sob o fundamento do princípio da inafastabilidade de Jurisdição, atuando como órgão revisional administrativo, o que é admitido tão-somente em situações excepcionais, não verificadas no caso; b) a sentença recorrida reanalisou os atos praticados pela egrégia Corte de Contas sem apontar ocorrência de irregularidade formal grave ou manifesta ilegalidade da decisão impugnada; c) não se constata qualquer vício procedimental ou de legalidade no processo administrativo que culminou no acórdão do TCU anulado em sentença, não havendo qualquer justificativa para que o Poder Judiciário adentre o mérito administrativo do TCU. 4. A irresignação recursal não merece êxito. 5. Do exame dos autos, verifica-se que o cerne da questão meritória recursal diz respeito à possibilidade da revisão judicial do conteúdo do título executivo extrajudicial, qual seja, acórdão proferido pelo Tribunal de Contas da União. 6. Conforme vastamente assentado pela jurisprudência, a revisão judicial das decisões do TCU é limitada ao exame de sua legalidade (sentido amplo) e da observância ao devido processo legal. Assim, é mister relembrar que as decisões do TCU não fogem da sindicabilidade do Poder Judiciário, na medida em que a própria Constituição Federal impõe como um dos seus princípios a inafastabilidade do controle judicial de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito. 7. Nesse toar, o mérito administrativo não é intransponível, se restar caracterizada desarrazoabilidade ou ferimento a qualquer outro princípio constitucional. É que o Administrador não tem imunidade para desrespeitar a Constituição . 8. In casu, observa-se que o TCU proferiu Acórdão TCU nº 112/2015 em razão de suposto prejuízo ao erário causado pelo direcionamento da contratação da empresa escolhida para o fornecimento de carteiras/cédulas funcionais, decorrente de supostas exigências atinentes ao papel que seria utilizado na confecção dos referidos documentos, e em razão da aquisição de carteiras/cédulas funcionais em quantidades superiores às necessidades da autarquia, com atesto das notas fiscais sem a devida conferência do material entregue, bem como suposto superfaturamento nas aquisições desses documentos, o que teria ocasionado um prejuízo ao erário de R$ 4.758.085,52 (quatro milhões setecentos e cinquenta e oito mil e oitenta e cinco reais e cinquenta e dois centavos). 9. Sucede que, conforme restou decidido pelo juiz sentenciante, o que restou comprovado nos autos, tanto pelo teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, quanto pela documentação anexada, é que a Resolução COFEN nº 291/2004 (que detalhou o papel a ser utilizado nos documentos dos profissionais de enfermagem e que teria direcionado a contratação direta para a empresa Mixware Representações Ltda) foi amplamente discutida em seminários realizados pelo órgão e editada a com a participação dos Coren's e do Cofen, bem como de comissão técnica para tratar do assunto, e que o autor/apelado, na condição de Presidente do COFEN, sequer participou da votação. 10. Ademais, quanto ao sobrepreço dos materiais fornecidos ao Conselho Federal de Enfermagem, destacou o juízo a quo que sequer restou provada a participação do autor nos procedimentos de licitação que concluiu pela sua inexigibilidade da empresa Mixware Representações Ltda, uma vez que o apelado foi levado ao cárcere no ano de 2005 (ao passo que o certame foi realizado no ano seguinte, quando não mais figurava nos quadros do conselho), tendo as testemunhas afirmado que os suplentes assumiram a gestão, sendo os responsáveis pelo prosseguimento dos trabalhos do órgão, sem qualquer ingerência do apelado. Ademais, não ficou provada a existência de qualquer vínculo entre a irregularidade na execução do contrato celebrado entre o Cofen e aquela empresa e algum ato praticado pelo autor. 11. Nesse sentido, destacam-se os seguintes trechos da sentença recorrida, que adoto como razoes de decidir: "O TCU, no desempenho de seu mister, aprecia, técnica e juridicamente, as contas prestadas pelos administradores públicos, bem como realiza inspeções e auditorias para avaliar o andamento das atividades e operações administrativas em face dos ditames legais e constitucionais. Não obstante, o Poder Judiciário pode e deve, em processo contraditório, reanalisar os atos praticados pela egrégia Corte de Contas, tendo em vista o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Logo, não está o Poder Judiciário adstrito às conclusões do Tribunal de Contas da União, sendo amplo o controle judicial no tocante à efetiva ocorrência ou qualificação da situação instalada no mundo empírico, além de sua correta, adequada e razoável subsunção à norma jurídica donde vai brotar a conduta administrativa. No presente caso, o TCU julgou irregulares as contas apresentadas pelo autor - na condição de Presidente do Cofen no período de 2004 - e lhe imputou a responsabilidade pelos prejuízos causados aos cofres públicos da autarquia, decorrentes da contratação da empresa Mixware Representações Ltda., em razão da inexigibilidade de licitação para o fornecimento de cédulas de identidade e carteiras profissionais. De acordo com o Acórdão do TCU, o autor teria editado a Resolução Cofen n. 291/2004, a qual especificou o papel a ser utilizado nos documentos dos profissionais de enfermagem, fato esse que direcionou a contratação direta para a empresa Mixware Representações Ltda. Diante da controvérsia levantada nos autos - responsabilidade do autor na confecção e edição da Resolução Cofen n. 291/2004 e ingerência nos atos licitatórios -, foi designada audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela parte autora, a fim de se dirimir o ponto crucial da demanda.As testemunhas foram unânimes na afirmação de que a edição da Resolução Cofen n. 291/2004 - que alterou a confecção das identidades e carteiras profissionais -, foi prévia e amplamente discutida nos seminários, com a participação dos Coren's e do Cofen, diante das inúmeras denúncias relacionadas com as falsificações das carteiras profissionais. E que ainda houve uma comissão técnica para tratar do assunto relacionado ao tipo de papel a ser utilizado para evitar as falsificações, id. XXXXX.3040424. Resta claro, ainda, que o autor, diante da sua condição de presidente do Cofen, apenas tinha participação no voto minerva, ou seja, quando havia empate na votação do plenário. E que, no caso da Resolução Cofen n. 291/2004, a decisão tomada para que houvesse a alteração na confecção das carteiras profissionais foi unânime, logo, o presidente não participou da votação. No que se refere aos atos que se seguiram após a aprovação da resolução, o acórdão TCU imputou ao autor a responsabilidade do sobrepreço dos materiais fornecidos ao Cofen, em razão da contratação da empresa por inexigibilidade de licitação, em 6/12/2004, para fornecimento de cédulas de identidade e carteiras profissionais, pelo prazo de doze meses, prorrogáveis por mais quatro períodos idênticos - condenando-o solidariamente ao pagamento solidário no valor de R$ 1.339.800,00 (um milhão, trezentos e trinta e nove mil e oitocentos reais). No entanto, realizada a instrução neste feito, não resta comprovada nos autos a participação do autor nos procedimentos de licitação que concluiu pela sua inexigibilidade da empresa Mixware Representações Ltda. Aliás, inexiste qualquer comprovação de que autor, mesmo detido, em 2005 - em razão do mandado de prisão expedido em seu desfavor - mantinha contato com a então secretária Carmem da Silva Almeida e demais dirigentes do Cofen para ajustar os trâmites dos procedimentos para a contratação da dita empresa. Inexiste qualquer prova capaz de estabelecer uma relação entre a conduta do autor e os fatos que resultaram na sua responsabilização quanto ao superfaturamento no procedimento licitatório. Nesse ponto, as testemunhas apresentam a mesma versão, coesa, de que" após a prisão do presidente do Cofen, o sistema continuou seus trabalhos normalmente e não houve qualquer ingerência dos agentes que encontravam-se custodiados, até mesmo porque os suplentes assumiram a gestão ". Por sua vez, a União não se desincumbiu de comprovar o verdadeiro vínculo entre a irregularidade na execução do contrato celebrado entre o Cofen e a empresa Mixware Representações Ltda. e qualquer ato praticado pelo autor". 12. Nesse contexto, tendo sido produzidas provas capazes de demonstrar, indene de dúvidas, a existência de vícios que maculam a conclusão da Corte de Contas, entendo que agiu o bem o magistrado sentenciante ao desconstituir o Acórdão TCU nº 112/2015 e as penalidades dele decorrentes. 13. Julgando caso semelhante ao presente, já decidiu esta Terceira Turma: (PROCESSO: XXXXX20204058303 , APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO AUGUSTO NUNES COUTINHO, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 02/12/2021)"14. Apelação a que se nega provimento. 15. Majoração dos honorários advocatícios de 10% para 11% sobre o valor atualizado da causa (honorários recursais).