PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO. CRIMES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE . ARTS. 241-A E 241-B. ARMAZENAMENTO E DIVULGAÇÃO DE IMAGENS PORNOGRÁFICAS INFANTOJUVENIS. ALEGAÇÃO DE TRANSTORNO DE ACUMULAÇÃO. INIMPUTABILIDADE AFASTADA. CRIME DE DIVULGAÇÃO DAS IMAGENS. DOLO CONFIGURADO. CONCURSO MATERIAL. OCORRÊNCIA. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. MANUTENÇÃO DA MULTA. PROVIMENTO PARCIAL. 1 - Recurso de apelação interposto pelo réu em face da sentença que o condenara pela prática delitiva insculpida nos arts. 241-A e 241-B do ECA , em continuidade delitiva e concurso material, à pena de 10 (dez) anos de reclusão,a ser cumprida inicialmente em regime fechado, bem como ao pagamento de 200 (duzentos) dias-multa, no valor de 1/20 do salário mínimo vigente. 2 - O magistrado sentenciante entendeu estarem devidamente comprovadas a autoria e a materialidade dos delitos, pela prova documental, pericial, testemunhal e pela própria confissão do acusado, que, entre meados de 2010 e 2017, transmitiu/divulgou milhares de fotos e vídeos contendo pornografia infantil, além de guardar (armazenar/possuir) arquivos de tal conteúdo consigo. 3 - Em seu apelo, o réu defende a existência de uma causa de exclusão de culpabilidade, qual seja a inimputabilidade, visto que seria portador de Transtorno de Acumulação (TA), que o impediria de se autodeterminar, embora compreendesse o caráter ilícito dos seus atos. 4 - A saúde mental do réu fora devidamente analisada durante a instrução processual, tendo sido, inclusive, instaurado um Incidente de Insanidade Mental, que concluiu pela sua imputabilidade. 5 - Além de inexistirem razões plausíveis a colocar em dúvida a capacidade do expert que realizou o exame, o laudo psiquiátrico particular, anexado aos autos, embora tenha apontado a existência de alguns transtornos psiquiátricos, não foi hábil a afastar a sanidade mental do réu. 6 - Ainda que se admita que o acusado seja portador do Transtorno de Acumulação (TA) e mesmo que essa doença constitua uma perturbação mental apta a interferir na esfera de autodeterminação daquele que a possui, não justificaria, no caso em concreto, uma excludente de culpabilidade, visto que, além de não haver a indicação de qualquer crença acerca de valor financeiro ou afetivo com relação a esse tipo específico de coleção (pornografia infantil) por parte do réu, este mesmo afirmou que o distúrbio lhe acometia no momento em que a dita coleção encontrava-se já iniciada/em curso. 7 - Não se identifica ou se correlaciona a existência do transtorno citado com a escolha pelo tipo de coleção que o portador optou por adquirir, no caso, imagens e vídeos de pornografia infantojuvenil. Causa de excludente de culpabilidade que se rejeita. 8 - Defende o apelante a ausência de dolo com relação à conduta tipificada no art. 241-A do ECA , vez que, segundo alega, o envio dos arquivos baixados era feito simultânea e involuntariamente, por ser a lógica do programa de trocas por ele utilizado - que garantia créditos pelos arquivos disponibilizados. 9 - Inafastável o dolo da conduta do réu - ainda que na forma eventual - para fins da prática do crime do art. 241-A , ECA , visto que ele tinha pleno conhecimento de como funcionava o programa - mormente por ser aluno do curso de Engenharia da Computação - e, ainda assim, optou por utilizá-lo. 10 - O próprio réu confessara, tanto na fase policial, como em Juízo, que precisava disponibilizar parte do conteúdo que baixava em uma pasta de compartilhamento ("shared files") no programa eMule, a fim de obter créditos e conseguir realizar o download de mais imagens e vídeos daquela natureza. 11 - A despeito de o apelante buscar afastar o concurso material, sob alegação de que, com uma só ação, ele fazia o download do conteúdo e o programa eMule fazia o envio automático dos ficheiros que estavam sendo baixados, está evidenciada a existência de desígnios autônomos para a prática dos crimes de armazenar o conteúdo (art. 241-B) e de disponibilizá-lo (art. 241-A). 12 - In casu, tanto as provas testemunhais, como periciais e o próprio interrogatório do réu confirmam que ele armazenava imagens de pornografia infantojuvenil, bem como as disponibilizava, inserindo parcela dos arquivos que baixava em uma pasta de compartilhamento. 13 - Ouvido na condição de testemunha de acusação, um dos policiais civis responsáveis pela busca e apreensão que resultou na prisão em flagrante do acusado, aduziu que o próprio réu indicou a pasta específica através da qual os outros usuários teriam acesso ao conteúdo baixado no computador do réu - na qual estavam disponibilizados 978 arquivos, dentre fotos e vídeos contendo pornografia infantil -, bem como as demais pastas do computador, não disponibilizadas para compartilhamento com os usuários do programa eMule, nas quais havia mais de 10.000 arquivos contendo pornografia infantil. 14 - O réu, por sua vez, afirmou em Juízo que o armazenamento de vídeos e fotos de pornografia infantil era verdadeiro, mas que o fazia como espécie de coleção, e que apenas colocava parte do conteúdo em pasta de compartilhamento a fim de ganhar créditos do programa e, com isso, conseguir realizar o download de uma maior quantidade de arquivos do mesmo gênero, de forma mais célere. Concurso material que se reconhece. 15 - Requerido, no apelo, diminuição da pena de 10 anos de reclusão, insurgindo-se o apelante contra a valoração das circunstâncias judiciais do art. 59 , CP . 16 - Na primeira fase da dosimetria da pena, o magistrado negativou, com relação aos dois crimes, 4 das circunstâncias do art. 59 , CP , quais sejam: culpabilidade, motivos, circunstâncias e consequências. 17 - A culpabilidade foi negativada não só pelo grau de instrução do réu, mas, principalmente, pela quantidade de material pornográfico encontrado e o conteúdo fortíssimo das imagens, a ensejar a maior reprovabilidade da conduta. 18 - As circunstâncias também foram avaliadas negativamente pelo fato de o réu integrar rede organizada de pessoas que compartilhavam conteúdos desse gênero e por haver mantido o computador ligado por vários dias a fim de baixar e transmitir imagens e obter créditos. 19 - Os motivos foram negativados porque o réu continuava a prática dos crimes com o intuito de aumentar a sua "coleção" de imagens e vídeos de pornografia infantojuvenil. 20 - Com relação ao vetor "consequências", a negativação só deve ser aplicada ao tipo do art. 241-A , ECA , visto que a amplitude da propagação das imagens, na internet, que ocorreu por vários anos e que continua a ocorrer, apenas decorre da conduta de divulgar/disponibilizar o conteúdo, e não, do ato de armazenar. 21 - As demais circunstâncias do art. 59 , CP, não justificaram valoração negativa. 22 - Pena-base do art. 241-A , ECA , fixada em 4 anos e 6 meses (4 circunstâncias negativadas), e do art. 241-B , ECA , em 2 anos, 1 mês e 15 dias (3 circunstâncias negativadas). 23 - Quanto à segunda fase, é de se manter o entendimento do magistrado singular, aplicando-se a atenuante da confissão, a fim de se reduzir a pena em 6 meses em cada crime, passando para: 4 anos, no tipo do art. 241-A , ECA ; e 1 ano, 7 meses e 15 dias, no tipo do art. 241-B , ECA . 24 - Na terceira fase, incidência da causa de aumento de pena em razão da existência de crime continuado - visto que cada crime perdurou por cerca de 7 anos - , majorando-se a pena em 2/3. Penas que passam para: 6 anos e 8 meses, no tipo do art. 241-A , ECA ; e 2 anos, 8 meses e 15 dias, no tipo do art. 241-B , ECA . 25 - Considerando-se a existência de concurso material de crimes, somam-se as penas, chegando-se à pena definitiva de 9 anos, 4 meses e 15 dias. 26 - Não há que se acolher o pleito para a redução da pena de multa prevista na sentença - 200 dias-multa, no valor, cada, de 1/20 do salário mínimo vigente - , visto que já fixada em patamar inferior ao que seria devido acaso fosse recalculada de forma proporcional à pena privativa de liberdade aplicada. 27 - Provimento parcial do apelo para redução da pena privativa de liberdade, mantidos os demais termos da sentença.