PROCESSO Nº: XXXXX-09.2021.4.05.0000 - HABEAS CORPUS CRIMINAL IMPETRANTE: WALDIR XAVIER DE LIMA FILHO e outro PACIENTE: GENTIL NEWTON EVARISTO LINHARES ADVOGADO: Marcelo Leal De Lima Oliveira e outro IMPETRADO: JUÍZO DA 32ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO CEARÁ RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Cid Marconi Gurgel de Souza - 3ª Turma EMENTA PENAL E PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. PECULATO. ARTIGO 312 DO CÓDIGO PENAL . FRAUDE À LICITAÇÃO PARA AQUISIÇÃO DE BENS E MERCADORIAS. ARTIGO 96 , V , DA LEI N. 8.666 /93. INÉPCIA FORMAL DA DENÚNCIA. CONFIGURAÇÃO. TRANCAMENTO EM PARTE DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. "Habeas Corpus", impetrado por Waldir Xavier de Lima Filho e Outros em favor de GENTIL NEWTON EVARISTO LINHARES contra ato do MM. Juiz Federal da 32ª Vara do Ceará que rejeitou a alegação de inépcia da denúncia "exclusivamente no que diz respeito a acusação referente ao suposto pagamento por serviços não executados relativos ao canteiro de obras e acampamento e ao suposto acréscimo desnecessário de defensas metálicas visando o recebimento de vantagens pecuniárias indevidas", nos autos de Ação Penal nº 0812684- 91.2020.4.05.8100, na qual o paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos no art. 312 do Código Penal , e no art. 96 , V , da Lei Federal nº 8.666 /93. 2. Segundo a denúncia, os crimes em questão teriam sido praticados no âmbito dos Contratos Públicos 002/2009 e 013/2009, celebrados entre o DNIT/CE e as Empresas DELTA CONSTRUÇÕES e CONSULTORA DE ENGENHARIA HSZ LTDA, e o paciente, juntamente com mais 06 (seis) réus, mediante conluio, teriam agido dolosamente a fim de proporcionar às referidas Empresas ganhos ilícitos no âmbito dos contratos públicos firmados entre o Departamento Nacional de Infraestrutura - DNIT e as empresas DELTA Construções e Consultora de Engenharia HSZ LTDA, cujo objeto previa a execução e supervisão de obras de restauração e melhorias nos Km 0,00 ao 11,866 da BR XXXXX/CE. 3. "Writ" que pretende o trancamento da Ação Penal fundamentando-se na inépcia formal da denúncia, que não atenderia aos ditames do art. 41 , do Código de Processo Penal , porque: a) deixou de narrar qualquer ação dolosa ou ilícita realizada pelo paciente quanto ao pagamento por serviços não executados relativos ao canteiro de obras e acampamento e ao acréscimo desnecessário de defensas metálicas visando o recebimento de vantagens pecuniárias indevidas; b) ausente a participação em todos os fatos narrados na denúncia, em especial quanto ao crime previsto no artigo 96 , V , da Lei nº 8.666 /93, tendo em vista que o crime não se teria consumado, porque "o acréscimo desnecessário de defensas metálicas jamais se realizou"; e c) em face da tentativa, requer a extinção da punibilidade pela consumação da prescrição em abstrato relativa ao crime do artigo 96 , V , da Lei nº 8.666 /93, alegando que, aplicando-se "o mínimo de diminuição legal (um terço), a pena máxima para a tentativa seria de 04 anos de detenção, cuja prescrição, por força do disposto no art. 109 , inciso IV , do Código Penal , se dá em 08 anos", período que já teria transcorrido entre a data do fato e a data do oferecimento da denúncia. 4. De acordo com o entendimento do STJ, é excepcional o trancamento de ação penal ou de inquérito policial, em sede de habeas corpus, sendo possível apenas quando restar demonstrado, sem a necessidade de exame do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de indícios suficientes da autoria ou prova da materialidade (AgRg no HC XXXXX/SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro , Sexta Turma, julgado em 18/06/2019, DJe 27/06/2019). 5. A denúncia apenas pode ser considerada inepta quando faltantes quaisquer dos elementos indicados no art. 41 , do CPP : a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou elementos através dos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e o rol de testemunhas. 6. Recebimento de pagamento por serviços não executados relativos ao "canteiro de obras e acampamento" pelo paciente (Artigo 312 do Código Penal ). Da leitura da denúncia verifica-se que a participação do paciente e de sua empresa se restringiu apenas a locar o imóvel onde seria construído o canteiro de obras, bem como os equipamentos necessários para tanto, recebendo o respectivo pagamento pela locação dos bens. 7. Segundo a denúncia, a Empresa DELTA, vencedora do certame para a realização de ampliação de obras da BR, teria deixado cumprir o item 3.9 da planilha orçamentária da obra, de construção de "canteiro de obra e acampamento", alugando um imóvel da CONSTRUTORA G&F LTDA para a referida finalidade. Todavia, a Empresa DELTA teria apresentado perante o DNIT uma série de documentos constando medições provisórias do contrato 002/2009, relativos aos períodos de 06/07 a 31/07/2009 e 01/09 a 30/09/2009, com valor total de R$ 175.986,17, pagamento que foi liberado a título de "canteiro de obra e acampamento". 8. A denúncia, na verdade, afirma que "Os elementos apontados pela CGU indicam que houve inserção de dados falsos nos processos de medição e de pagamento pela empresa DELTA, em conluio com servidores do DNIT e pelo menos com omissão da empresa supervisora HSZ, para pagamento/recebimento de quantia indevida, configurando o tipo penal do art. 312 do Código Penal , absorvido, s.m.j., o crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP )". 9. A denúncia também descreve que "No que tange à responsabilidade pelas medições e pagamentos indevidos realizados, a CGU destacou em seu relatório que as medições estão assinadas pelo engenheiro DANIEL DINIZ ZENAIDE da empresa supervisora HSZ (contrato n. 013/2009), constando dos processos de medições atestado de execução emitido pelo engenheiro e chefe da unidade local do DNIT lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person">JOSIDAN GOIS CUNHA , que acumulava as funções de fiscal dos contratos de execução e de supervisão, nos quais declara que os quantitativos medidos e apontados nas medições haviam sido efetivamente realizados", fato confirmado pela prova testemunhal transcrita na inicial acusatória. 10. Segundo a descrição da denúncia, nota-se que a inserção dos dados falsos nos processos de medição e de pagamento foi realizada pela Empresa DELTA, em conluio com a Empresa supervisora HSZ e com servidores do DNIT, para pagamento/recebimento de quantias por serviços efetivamente não realizados, de forma que o simples aluguel ou mesmo a cessão de um imóvel da Empresa, por si só, não indica participação na apropriação de verbas públicas, pois o paciente apenas estava recebendo os valores referentes ao aluguel do imóvel e do equipamento. 11. Note-se que a denúncia, considera configurada a participação de class="entity entity-person">GENTIL NEWTON EVARISTO LINHARES no crime de peculato (Artigo 312 do CP ), apenas como responsável pela Empresa G&F (a locadora), sem indicar os fatos que consistiriam essa atuação, a não ser a locação do imóvel e dos equipamentos de uma empresa de construção para outra, fato que, por si só, não configura não algum, especialmente quando a descrição contida na denúncia não correlaciona a atuação do paciente com o alegado desvio de recursos públicos, de forma que a sentença se configura como inepta neste ponto. 12. Acréscimo desnecessário de defensas metálicas visando o recebimento de vantagens pecuniárias indevidas (Artigo 96 , V , da Lei nº 8.666 /93). Conforme a denúncia, "De acordo com o relato da CGU (fls. 38/46), por ocasião de inspeção física realizada nos dias 21 e 22/12/2008 na obra do contrato investigado, constatou-se que as defensas metálicas (Defensas Semi maleável Simples), existentes antes do início da obra haviam sido retiradas para a execução do serviço de fresagem e recapeamento do pavimento, tendo sido informado à equipe de fiscalização pelo fiscal do DNIT, pela empresa supervisora e pelo superintendente do DNIT que, por questões estéticas, a intenção seria de não reaproveitar as defensas retiradas, e, por conseguinte, aditar o quantitativo de novas defensas metálicas previstas no contrato com a empresa DELTA". 13. Conforme a denúncia, "Na documentação apreendida na operação MÃO DUPLA foram arrecadados os seguintes documentos relacionados ao caso: 1. pedido de compras da CONSTRUTORA G&F LTDA, que, como já mencionado estava executando a obra, à empresa MANGELSIND. E COMÉRCIO LTDA, de 13.750 metros de defensas, no valor total de R$ 1.292.500,00 (valor unitário de R$ 94,00)". 14. De acordo com a inicial acusatória, o paciente requereu a compra de defensas que já estavam previstas no contrato, para instalação ao término da obra. Apesar de o Ministério Público Federal afirmar que as defensas existentes anteriormente poderiam ser reaproveitadas ou consertadas, o fato de o paciente comprar defensas novas, por si só, não se apresenta descrita como elementar de qualquer delito, especialmente quando não há na denúncia qualquer descrição acerca da existência de uma cláusula contratual que determinasse o reaproveitamento daquelas já existentes. 15. A denúncia sobre a compra de defensas assim narra: "Os fatos objeto dessa negociação apareceram em monitoramento telefônico realizado pela Polícia Federal nas datas de 15 e 16/09/2009, sendo interceptadas as duas chamadas telefônicas transcritas nas fls. 41/42 dos autos, mantidas entre lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person">JOSIDAN GOIS CUNHA , fiscal do contrato pelo DNIT, e class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person">JÚLIO CÉSAR ARY , sendo que no primeiro diálogo, class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person">JÚLIO pergunta a lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person">JOSIDAN se ele está sabendo que GENTIL (da construtora G&F) já havia feito o pedido das defensas, no que lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person">JOSIDAN diz que não, e class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person">JÚLIO expressa temor pelo fato de GENTIL poder ter pedido de outro fornecedor, no que lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person">JOSIDAN diz que ele não é"nem doido"e que ele vai ver inclusive ligando para ALEXANDRE (ao que tudo indica da empresa DELTA)". 16. Da leitura do diálogo, nota-se que este ocorreu entre o Fiscal do DNIT e os sócios da Empresa DELTA, preocupados em que o paciente comprasse defensas de uma Empresa que fornecesse a mercadoria mais barata, porque, assim, diminuiria o percentual da propina que eles receberiam, em geral de 6% (seis por cento) sobre a compra. Isso fica claro no trecho seguinte da inicial acusatória, segundo o qual "No dia seguinte, lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person">JOSIDAN mantém nova conversa com class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person">JÚLIO para que ele iguale o preço de outra empresa, no que class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person">JÚLIO diz que pode igualar, mas que não tem condição de manter"aquele percentual", que vai ter que cair pela metade, sendo um e meio para class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person"> class="entity entity-person">JÚLIO e um e meio para lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person"> lass="entity entity-person">JOSIDAN , vezes dois porque teria um aditivo". 17. Não há descrição da atuação do paciente acerca de sua participação no "acerto" da propina, tendo a denúncia afirmado que o paciente participou do delito da seguinte forma: " class="entity entity-person">GENTIL NEWTON EVARISTO LINHARES da empresa G&F, responsável, de acordo com a documentação, pela aquisição das defensas da empresa Mangels/SINMAQ". Apesar de a denúncia alegar que o paciente "teria orientado seu funcionário SÁVIO DE OLIVEIRA LIMA a mudar a configuração original, substituindo todas as defensas", salvo a dita afirmação, não há nela qualquer descrição da conduta do paciente nesse sentido, devendo ser ressaltado que o depoimento do referido funcionário citado na denúncia restringiu-se a confirmar a locação do imóvel da empresa do paciente para a Empresa DELTA, sem qualquer menção às defensas, não tendo sido ele, funcionário, sequer denunciado - ID XXXXX.28114781. 18. A denúncia, apesar de narrar um esquema criminoso que perdurou por, pelo menos, 3 (três) anos e movimentou mais de um milhão e meio de reais, em relação ao paciente limitou-se a descrever o fato de ele ter locado um imóvel e equipamento à empresa responsável pelas obras e a ter comprado defensas metálicas conforme previsto no contrato. 19. Ausência de descrição e de indícios mínimos que pudesse levar à conclusão de que o mesmo se associou aos demais aos demais réus para o fim de cometer os crimes licitatórios e de peculato. Ainda que o Ministério Público Federal considere a conduta atribuída ao paciente como suspeita, não há a descrição da conduta criminosa por ele praticada, salvo a locação do imóvel e do equipamento de construção pela sua empresa, fato que ele nunca negou e todos os envolvidos confirmaram e a compra de defensas, tal como previsto no contrato, devendo ser ressaltado que o fato de o DNIT ter guardado as defensas usadas em seu depósito, algumas reaproveitáveis, não constitui conduta típica e caso fosse, não há atribuição ao paciente a respeito desse fato. 20. Com relação ao paciente, se configura a inépcia formal da denúncia, tendo em vista que se constata que a peça inicial não satisfaz plenamente os requisitos e elementos necessários à sua propositura, uma vez que, ao menos com relação ao paciente, não foi efetuada a exposição dos fatos supostamente criminosos, com a descrição das condutas e suas circunstâncias, tornando cabível o trancamento da ação penal quanto aos pontos indicados na impetração. Precedentes. 21. Concessão da Ordem de "Habeas Corpus" para trancar a Ação Penal nº 0812684- 91.2020.4.05.8100, em parte, apenas quanto ao Paciente no tocante aos crimes previstos no art. 312 do Código Penal e no art. 96 , V , da Lei Federal nº 8.666 /93, prosseguindo a Ação Penal quanto aos demais crimes imputados a ele. nge